Você abre os olhos, mas não enxerga absolutamente nada na sua frente. Como reflexo você inspira profundamente como se seu corpo precisasse do oxigênio em uma situação de emergência. Você sente o cheiro e o gosto azedo do ar estagnado. Você tenta se mexer, mas não consegue mover os braços e pernas mais que alguns centímetros sem bater em alguma coisa. O desespero começa a tomar conta, mesmo quando você se lembra de quem você é agora. As vozes infernais parecem falar mais alto durante essas privações e apesar de serem suas aliadas, elas sempre querem alguma coisa e cobram caro pelos poderes que fornecem.
Novamente você se lembra de que foi colocado nesta caixa. Enquanto você curtia sua não vida encomendando almas corrompidas para o inevitável fim, suas senhoras perderam a paciência com sua falta de visão e comprometimento com a Espada de Caim e mandaram que sua nova matilha tomasse conta de você. Como uma tradicional família disfuncional do sabat, eles fizeram uma intervenção na ovelha desgarrada. Por sorte (ou eficiência sua) eles viram suas tratativas com mortais apenas como mera fraqueza, resquícios de sua mentalidade de gado e não entenderam seu verdadeiro motivo e missão. Caso eles descubram a verdade, suas intenções e seu coração negro e fétido, nem seus peculiares poderes ou o amor imposto pela doce vaulderie poderá te salvar da inquisição.
Você não consegue tirar da sua cabeça o sorriso sádico do Edgard da sua cabeça, enquanto estacava seu peito (que ela já sabia que era vazio) pra te deixar mais “confortável” na sua viagem. Ele é o músculo da matilha, que no fundo você não tem certeza se ele é o Brujah que afirma ou se é um Pander, mas isso não faz diferença, bucha de canhão é bucha de qualquer jeito.
Enquanto ele te jogava dentro da caixa, as risadas vindo do rosto meigo de Clarice te deixavam mais assustado que a força bruta do Edgard. A garota magrinha tipo filé que alterna entre palavras meigas e surtos histéricos de selvageria e retoques de sadismo seria o mais próximo de uma sacerdote que sua matilha tem, mas o que ela sabe é preparar a vaulderie e de resto dar maus conselhos, divertir e assustar a matilha, como você imagina que seja a função de qualquer outro Malkavian. Não acalma ninguém o fato de que ela adora brincar com facas e alguém sempre acaba mutilado por “acidente”, mesmo ela sendo tão habilidosa com elas.
Você não sabe se ficou horas ou dias na caixa, escutava apenas barulho de um motor de camionete ou caminhão, conversas abafadas do lado de fora e muito chacoalhar que teria te deixado com vários hematomas se não fosse pelo sangue de Caim. Ao abrirem a caixa a primeira coisa que você vê é a cara carrancuda do Luiz, o pack leader. Um Ventrue inteligente e reservado, que mantém a calma em qualquer situação, apesar da tolerância zero pra falta de foco e perda de tempo e que adora armas de fogo pesadas. Carrega uma faca de caça, mas deve ser mais pela utilidade do que pra combate. Talvez ele seja focado, mas parece mesmo que ele sente que devia liderar mais que um grupo de misfits, mas não consegue competir com os Lasombra e Tzimisce mais antigos de SP. Ele usa como sempre suas roupas táticas cinzas, bem cuidadas e de aparência cara e você vê uma 12 de cano serrado na mão esquerda dele.
Atrás do rosto carrancudo você vê postes de luz amarelada com um emaranhado de fiações clandestinas sob um céu estrelado. Um ar gelado preenche a caixa de tábuas de madeira pintada por dentro com alguma tinta preta. Você se levanta pra ver que a caixa está sobre a caçamba de uma camionete velha estacionada em uma ruela de periferia.
Edgard e Clarice riem olhando pra você. Você tem vontade de arrancar os olhos dos dois fora, mas é como estar puto da cara com seus irmãos... Além do que a alma deles já está praticamente vendida, extermina-las seria um desperdício agora.
Assim que sente o cheiro do ar mais limpo da noite sua garganta queima e seu estômago se contorce de fome.
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