BG:
Ansunar é filho dos planos. Mas sua história se resume ao plano material, até agora. Na verdade, nunca pôra os pés fora de Faêrun e sequer conhecia todas as suas fronteiras. Afinal, o trabalho de dispersão e acumulação de aprendizados leva tempo.
Fora cedo abarcado pelos conhecedores da natureza em seu nível ideal, o mais mágico. Cresceu em contato com sacerdotes e druidas, aqueles que vinham orientar para os ciclos de plantio e para as luas das épocas, e estes que, embora raramente vistos, marcavam sempre sua presença em Rawlinswood de maneiras inconfundíveis.
Como que naturalmente, seus passos se orientaram sob os acolhedores galhos das deidades das florestas e natureza e acabaram seguindo firmes nos caminhos de Chauntea, que o orientou nos dogmas de sua fé e o recompensou imensamente com o sublime dom do poder divino canalizado por suas mãos.
Ansunar, um herdeiro dos planos, raro personagem entre o séquito dos sacerdotes da Deusa, cede sua vontade à de sua deidade e com este poderoso apoio filosófico e mágico sai do berço seguro e constante de Rawlinswood para espalhar as sementes de Chauntea nos caminhos onde sua presença se faz necessária.
O jovem que crescera e fora educado na floresta, com este mesmo espírito é enviado pelo sacerdote mais antigo de sua região para diversas missões, que iam da coleta de informações sobre movimentação de seitas malignas, “cuidar” de assentamentos que destruíam a natureza, e mais comumente, seguir para vilas distantes e isoladas para avaliar suas plantações e colheitas e eventualmente passar um tempo como conselheiro de plantação, adaptando e manipulando a terra para que o rendimento fosse maior e com menos esforço. Ansunar, ao reflexo de Chauntea, primava pelo harmonioso crescimento de toda e qualquer vida que não emanasse o mau. E assim agia onde quer que fosse: como um arauto da fertilidade e da boa colheita. Em algumas vilas já era tido como boa nova e sempre era muito bem vindo aos que simpatizavam com a Deusa ou com deidades amigáveis.
Após algumas primaveras atuando constantemente aos auspícios dos clérigos antigos de Rawlinswood, seu nome já era bem cotado e sua presença se tornou marcada nos conselhos, ainda que como mero observador. Seu potencial pudera até ser julgado promissor, mas somente ao longo silêncio de um carvalho se pode chegar ao entendimento de seu centenário esplendor.
O semi-planar acordara esta manhã em uma clareira na floresta, havia chegado do leste, onde cumprira sua última missão com quase nenhum atrasos e contratempos. Os ventos sopravam amigáveis em seus pés e seus caminhos estavam suaves ultimamente. O clérigo sabia que os tempos estavam para mudar, e que a paz precede a atribulação em lugares onde o mau nunca deixa de se expandir e sempre sabe encontrar a mínima oportunidade. Alguma coisa fervilhava em seu estômago, e não era fome.
Pensativo, o rapaz arruma suas tralhas de viagem e segue caminhando pelas trilhas já muito bem conhecidas, degustando algumas frutas tardias da estação na oportunidade em que elas ainda pendiam dos galhos, no fim de sua maturação. Apesar de tudo estar na mais completa paz, Ansunar temia o que poderia ouvir ao chegar à velha capela para o encontro com o seu mestre ancião. Se esforçava em classificar este pensamento somente como uma premonição que falharia.
Vagarosamente ele se aproximou da antiga clareira natural causada por um vendaval que derrubara enormes árvores lenhosas, e vislumbrou as instalações onde passara por treinamentos e orientações das mais extensas e rigorosas por tanto tempo.
Na madeira das árvores caídas foram esculpidas manualmente os abrigos que serviam de capela e moradia para os que trabalhavam ali para a vontade da Deusa. A área era tomada pela visão dos troncos antigos e repletos dos mais diversos fungos e musgos, caídos em três no coração de Rawlinswood, formando uma praça natural, onde uma fonte, pelo poder da Deusa, brotara no dia em que o ancião recebeu as instruções para a estruturação da “vila-templo”. O ambiente extremamente bucólico e quieto exprimia respeito e paz. A harmonia parecia ter aquele lugar como templo inabalável. De dentro de uma das enormes árvores caídas, o velho sacerdote aparecia, com sua usual feição que misturava curiosidade e ansiedade, abrindo um grande sorriso ao ver o jovem que se aproximava e exibindo seus dentes esverdeados, visto sua dieta repleta de chás, fungos e vegetais. Aliás, o velho parecia carregar alguns destes mesmo em seu corpo. De seus cabelos e barba, eventualmente brotavam sementes e esporos de cogumelos, que caíam trazidos pelo vento ou pelas fezes de seus amigos pássaros. Assim, quase sempre ele tinha uma mudinha de planta pronta para ser colocada em seu berço na terra ou algum cogumelo exótico, que ele pacientemente implantava nos arredores da vila capelina.
__ Meu caro Ansunar! Seu rosto não carrega o fardo da má notícia. Vamos, deixe esta carga e me siga, ainda há uma amoreira repleta do mais doce dos frutos. - O velho disse enquanto sentava na beirada de pedras empilhadas ao redor da nascente, deixando que seus pés descalços afundassem na pocilga de água puríssima.
Ao observador atento, a água parecia ser canalizada em seus pés e naturalmente, mas muito sutilmente, subir pelas pernas. Quando o jovem clérigo obedece ao mais velho e retorna à fonte, ele pode notar a barba e cabelo do ancião mais úmidos que antes. Ansunar admirava a conexão que o velho possuía com os meios da Mãe, e novamente se maravilhava com o berçário que podia ser aquelas barbas e cabelos retorcidos e sempre repletos de vida nova. Seu grau de conhecimento era ainda longe de tocar os pés molhados do mestre. Pensava nisso enquanto respirava fundo e aguardava o velho levantar para caminharem lado a lado.