Era o Prestidigitador – ou Aurélius, como chamariam os mais íntimos – que vinha dirigindo o carro. Desde o início da greve policial, a frota de ônibus estava reduzida e conseguir um táxi ou um carro de aplicativo tornara-se tarefa complicada.
Ainda mais para onde estavam indo.
Não que fosse muito diferente de onde cada integrante daquele grupo morava, mas a cidade era larga e deslocar-se nem sempre era tão simples.
Passara na casa ou combinara um ponto e, equipe devidamente completa, iam para o destino final.
- Não vou poder ficar – explicara o amigo do One-Punch –. Já tinha um compromisso hoje e... bem, quando estiverem perto de acabar, deem o toque. Se eu já estiver livre... .
Era impressionante o como, de um dia para o outro, a cidade já parecia mais suja. Provavelmente os carros de coleta não estavam passando, mas... . Talvez a região fosse sempre daquela forma. A falta de gente nas calçadas talvez ressaltasse mais o clima de abandono.
Todos evitavam ficar de bobeira pela rua numa época como aquela.
Passaram por um caminhão queimado. A fumaça ainda era visível.
- Eu tenho um mau pressentimento sobre isso – dissera o Lorem, reflexivo.
Ao chegarem ao endereço, uma construção truncada, parede colada com as vizinhas, na qual a parte inferior parecia ser uma loja – um mini-açougue, pelo que se podia deduzir, de maneira bastante óbvia, pelo letreiro – e, subindo uma porta lateral, a casa onde o dono morava até o dia da morte.
A esposa, ao telefone, havia inicialmente relutado. Se não fossem os $100 – tanto dinheiro – arranjados desengonçado que agora servia de motorista... .
Ela não demorara para atender o grito deles na rua e, após jogar a chave pela janela, esperara-os no centro da sala do pequeno apartamento – que, além do ambiente, só tinha mais uma pequena cozinha, um banheiro e um quarto. O lugar tinha o reboco mal aplicado, com partes de tijolo ainda expostas. Era praticamente um “puxadinho”, um anexo construído sobre a estrutura original sem grandes supervisões. Dificilmente tinha uma autorização da prefeitura.
Tinha um sofá grande, suficiente para as três figuras sentarem, sem mesa, com um hack e uma enorme televisão, desligada. Quem, naqueles tempos e por mais pobre que fosse, não tinha uma tela grande em casa?
Havia, entranhado em todas as coisas, um cheiro estranho.
Ele vinha de baixo.
O cheiro enjoativo das carnes num supermercado.
Sangue.
- Então... o que querem saber? – dissera a mulher, com uma roupa bastante desgastada de tanto receber lavagem – já disse no telefone tudo à polícia. O que mais querem de mim?