Toda e qualquer noite, uma variação constante das mesmas novidades se repetindo:
Uma garotinha descabelada e cheia de feridas na pele ria e apontava para a briga sob um grande letreiro. Nele constavam as palavras THEATRO MUNICIPAL, mas ela não sabia ler.
Um grupo de pessoas de idade, rodeado de “rapazes de academia”, vestia o mesmo uniforme estampando os dizeres “BASTA!”. Discutiam aparentemente sobre a encenação daquele momento. “Estão deturpando a mente das nossas crianças!”, gritava um dos senhores, apesar de, àquela hora, a única presente fosse a menina ignorada por todos - a promotoria pública já havia se pronunciado, concluindo que não havia imagens de crianças no palco, criança atuando ou na plateia, complementando que só porque constava “Cinderella” em parte do nome não significava que fosse uma apresentação infantil. O relatório claramente não fora suficiente para acalmar os ânimos. “Isso é uma conspiração Illuminati para acabar com a civilização ocidental!”.
Sem ser reparada, a pequena corria gritando por briga, divertindo-se com a situação.
Não só já passava da hora considerada segura para ela estar na rua, mas ela estava sozinha.
O mais popular jornal noturno anunciava sanções entre governos de dois países distantes, cortes de verba federal e um escândalo – mais um – de corrupção transpartidária, envolvendo praticamente todas as siglas.
Uma troca de tiros entre policiais e assaltantes de banco acabara na morte de 11 pessoas, duas de cada lado e o restante de transeuntes. “Felizmente”, dizia a âncora, o fruto do roubo havia sido recuperado. Cerca de cinco mil em notas.
Numa rede social, o prefeito criticava as cores com as quais as bases de algumas árvores eram pintadas.
Num cruzamento qualquer, um acidente qualquer. Como sempre, quem voltava para casa depois de (mais) um estressante dia de trabalho pagava, dentro de ônibus lotados, por um destempero qualquer entre dois sujeitos quaisquer que, armados, resolveram tirar satisfação um com o outro. Horas de vida perdidas.
Na Universidade Estadual, uma aluna era presa por “desacato à autoridade”. Como a briga fora entre ela e um professor, parte do corpo estudantil argumentava que não era esse o tipo de situação à qual a lei se referia. O grupo de policiais encarregados parecia simplesmente ignorar aquele detalhe, levando-a algemada. Algumas expressões pareciam aprovar a situação.
Nas galerias subterrâneas do metrô, tudo ocorrera por demais rápido: o vulto atirara-se à frente dos vagões que, mesmo já sendo preparados para parar, não tiveram tempo suficiente de frear. Os gritos de desespero de quem presenciara aquilo ecoaram pelos túneis numa sinistra reverberação. Era o terceiro caso apenas naquele mês...
No 12º Distrito Policial, três jovens bastante bem arrumados e completamente alucinados eram conduzidos, sem algemas, ao lado de alguns guardas e um homem de terno. Alguém comentara que era cedo demais para aqueles garotos estarem em tal estado.
Na verdade, estavam faz 24h naquele ritmo.
Com certeza teriam tempo para pensar sobre a situação, mas não ali. Já era muito que o advogado tivesse concordado em conduzi-los à delegacia. Estariam soltos em poucos minutos, o que deixava o delegado deveras irritado.
Para quem vivia em Santa Dômina, aqueles acontecimentos eram corriqueiros, por mais que chocantes. Nada de novo. Apenas nomes e rostos variavam.
Consciente ou não de tudo aquilo, uma figura permanecia de pé à frente de uma mansão algo decrépita. Ela ficava num dos caros bairros da zona Norte, sendo a mesma casa cuja fachada circulava na forma de fotos num aplicativo de mensagens, tendo como origem uma senhora que reclamava da “feiura” da construção. “Alguém tem que tomar uma atitude. Basta!”.
Era difícil deduzir a quanto tempo estava lá ou se pretendia ou não anunciar-se à porta.
Não se havia passado mais de 3, 4 dias do encontro de um certo Ezra com um misterioso "37".