Sobre a terra se estende uma sombra terrível,
Lançando sobre o oeste longas asas de trevas.
A Torre treme; das tumbas de reis
a sina se aproxima. Os Mortos despertam;
chegada é a hora dos que foram perjuros:
junto à Pedra de Erech de pé ficarão
para ouvir a corneta ecoar nas colinas.
De quem será a corneta? quem irá chamar
da dúbia meia-luz o olvidado povo?
O herdeiro daquele a quem foi feita a jura.
Do norte ele virá movido pela sorte.
Seguirá pela Porta para as Sendas dos Mortos
(Tolkien, O Retorno do Rei)
Lançando sobre o oeste longas asas de trevas.
A Torre treme; das tumbas de reis
a sina se aproxima. Os Mortos despertam;
chegada é a hora dos que foram perjuros:
junto à Pedra de Erech de pé ficarão
para ouvir a corneta ecoar nas colinas.
De quem será a corneta? quem irá chamar
da dúbia meia-luz o olvidado povo?
O herdeiro daquele a quem foi feita a jura.
Do norte ele virá movido pela sorte.
Seguirá pela Porta para as Sendas dos Mortos
(Tolkien, O Retorno do Rei)
O tempo avançara, nisso sentiam que era certo confiar. Mas o quanto dele havia transcorrido, isso era difícil dizer. Restava confiar nos esparsos indicativos da guia, detentora de conhecimentos ocultos que a permitiam ler as horas pelo posicionamento das estrelas. Metade da manhã; fim da tarde; segundo turno da vigília.
Seguiram naquela marcha ingrata, mas sem mais conflitos, somando uma longa caminhada a um período de revezamento de sono que lhes parecera bem inferior ao da andança; e uma repetição de tudo isso. Não havia diferença efetiva entre avançar de dia ou de noite, noções abolidas e irrelevantes àquela vida ao limite do fim.
O olhar se acostumara mais ao escuro, o qual a eles não se apresentava mais tão denso. Ou melhor, variava como uma maré sem ritmo: algumas nuvens eram mais acúmulos de vapores quasi-luminescentes, fracos demais para produzirem sombras efeitvas; às vezes sequências curtas de relâmpagos, que mais se assemelhavam a gigantes acionando pederneiras que a tempestades de verdade, deixavam tudo mais claro; e havia fogos. Às vezes grandes clarões ininterruptos à distância, como um fundo vermelho para as montanhas, às vezes chamas visíveis nalguma clareira à distância. Mas mais ainda, encontraram fossos que cuspiam pedras que não paravam de queimar por um bom tempo. Acompanharam o como Ignastácia usara a armação da tocha anterior, cuja ponta era uma armação metálica grosseira, para “fisgar” uma delas – garantia de algumas horas a mais de iluminação direta sobre o solo.
Essa uma das partes mais complicadas. Andavam muito e por um terreno acidentado. Não ver dificultava o saber onde pisar e, vez por outra, tropeçavam em pedregulhos ou viam-se escorregando após colocarem o peso sobre uma pedra solta. "Não é longe", comentara sobre a distância que percorreriam. "É o único da região", completara, pontuando a ocupação daquelas terras. Essas instruções minguadas preenchiam as poucas vezes em que abria a boca, mostrando-se uma pessoa pouco afeita a conversas, variando entre silêncios e monossilabismos. Ao menos se dispusera a ensinar a identificar as partes menos perigosas dos “wargs”. Agradeceram quando a paisagem mudou, terreno tornando-se mais liso. Atravessaram algumas ruínas que, infelizmente, não ofereciam abrigo algum.
Tomavam apenas curtíssimos goles de água do cantil antes que esse acabasse completamente e a única refeição que fizeram fora uma espécie de massa de gosto ruim e da qual a guerreira não explicara a feitura. “Melhor que terra”, resumira num resmungo. Sobrevivência.
Continuaram até que começaram a divisar pegadas. Inicialmente rarefeitas, aumentavam de intensidade até virem-se na direção de uma reentrância nas montanhas.
Vozes e outros sons chegaram a eles de forma tímida, que, com um fraco tilintar metálico, formavam a canção do retorno a um lar que não era de Arthur ou Bergil. Ao menos chegaram ao destino deles, o acampamento no qual pretendiam encontrar respostas.
Não era, entretanto, nem de longe o que poderiam esperar.
A veterana não havia efetivamente falado num assentamento militar e ela era de fato a única ali equipada daquela maneira. A decepção era composta por mulheres e homens de aparência abatida, apesar de absorvidos em atividades variadas, algumas difíceis de identificar naquelas condições. Gente velha e crianças quase não viram, vítimas primeiras de situações como aquelas.
O martelar aumentava.
Esparsas labaredas, assim como velas pontuais, eram pequenos sóis às necessidades manuais. No fim, não passava de um amontoado de carroças sem cavalo, barracas precárias e camponeses numa caravana mirrada. Qualquer trabalho que conseguissem seria um mero paliativo em troca de abrigo e comida. Isso é, se tivessem espaço pra mais bocas.
Algumas faces detinham momentaneamente os serviços para saudar a “dama de Argoliath” naquele dialeto curioso, ao mesmo tempo aparentado e estrangeiro. Mas a curiosidae maior parecia ser aqueles selvagens semi-nus, despertando cochicos por todo o caminho. “E o cavalo?”, soltou alguém numa expressão que exibia comiseração. “Cadê a velha?”, retrucara, deixando de escanteio a pergunta. Com um gesto de mãos, indicara um ponto mais ao fundo do ajuntamento. Para lá seguiram.
Seguiram naquela marcha ingrata, mas sem mais conflitos, somando uma longa caminhada a um período de revezamento de sono que lhes parecera bem inferior ao da andança; e uma repetição de tudo isso. Não havia diferença efetiva entre avançar de dia ou de noite, noções abolidas e irrelevantes àquela vida ao limite do fim.
O olhar se acostumara mais ao escuro, o qual a eles não se apresentava mais tão denso. Ou melhor, variava como uma maré sem ritmo: algumas nuvens eram mais acúmulos de vapores quasi-luminescentes, fracos demais para produzirem sombras efeitvas; às vezes sequências curtas de relâmpagos, que mais se assemelhavam a gigantes acionando pederneiras que a tempestades de verdade, deixavam tudo mais claro; e havia fogos. Às vezes grandes clarões ininterruptos à distância, como um fundo vermelho para as montanhas, às vezes chamas visíveis nalguma clareira à distância. Mas mais ainda, encontraram fossos que cuspiam pedras que não paravam de queimar por um bom tempo. Acompanharam o como Ignastácia usara a armação da tocha anterior, cuja ponta era uma armação metálica grosseira, para “fisgar” uma delas – garantia de algumas horas a mais de iluminação direta sobre o solo.
Essa uma das partes mais complicadas. Andavam muito e por um terreno acidentado. Não ver dificultava o saber onde pisar e, vez por outra, tropeçavam em pedregulhos ou viam-se escorregando após colocarem o peso sobre uma pedra solta. "Não é longe", comentara sobre a distância que percorreriam. "É o único da região", completara, pontuando a ocupação daquelas terras. Essas instruções minguadas preenchiam as poucas vezes em que abria a boca, mostrando-se uma pessoa pouco afeita a conversas, variando entre silêncios e monossilabismos. Ao menos se dispusera a ensinar a identificar as partes menos perigosas dos “wargs”. Agradeceram quando a paisagem mudou, terreno tornando-se mais liso. Atravessaram algumas ruínas que, infelizmente, não ofereciam abrigo algum.
Tomavam apenas curtíssimos goles de água do cantil antes que esse acabasse completamente e a única refeição que fizeram fora uma espécie de massa de gosto ruim e da qual a guerreira não explicara a feitura. “Melhor que terra”, resumira num resmungo. Sobrevivência.
Continuaram até que começaram a divisar pegadas. Inicialmente rarefeitas, aumentavam de intensidade até virem-se na direção de uma reentrância nas montanhas.
Vozes e outros sons chegaram a eles de forma tímida, que, com um fraco tilintar metálico, formavam a canção do retorno a um lar que não era de Arthur ou Bergil. Ao menos chegaram ao destino deles, o acampamento no qual pretendiam encontrar respostas.
Não era, entretanto, nem de longe o que poderiam esperar.
A veterana não havia efetivamente falado num assentamento militar e ela era de fato a única ali equipada daquela maneira. A decepção era composta por mulheres e homens de aparência abatida, apesar de absorvidos em atividades variadas, algumas difíceis de identificar naquelas condições. Gente velha e crianças quase não viram, vítimas primeiras de situações como aquelas.
O martelar aumentava.
Esparsas labaredas, assim como velas pontuais, eram pequenos sóis às necessidades manuais. No fim, não passava de um amontoado de carroças sem cavalo, barracas precárias e camponeses numa caravana mirrada. Qualquer trabalho que conseguissem seria um mero paliativo em troca de abrigo e comida. Isso é, se tivessem espaço pra mais bocas.
Algumas faces detinham momentaneamente os serviços para saudar a “dama de Argoliath” naquele dialeto curioso, ao mesmo tempo aparentado e estrangeiro. Mas a curiosidae maior parecia ser aqueles selvagens semi-nus, despertando cochicos por todo o caminho. “E o cavalo?”, soltou alguém numa expressão que exibia comiseração. “Cadê a velha?”, retrucara, deixando de escanteio a pergunta. Com um gesto de mãos, indicara um ponto mais ao fundo do ajuntamento. Para lá seguiram.
Do interior duma tenda maior, porém bastante aberta, viam a fonte daquele rítmico chocar de ferro contra ferro. À frente dum forno improvisado, insuficiente para uma fundição de qualidade, uma senhora de constituição firme trabalhava nalgo, a roda de um dos transportes.
Não era corpulenta quanto se esperaria de alguém trabalhando como ferreira e a idade parecia incondizente com a atividade, mas lá estava ela, concentrada na função que a ela cabia.
- Senhora? – Chamara a soldada à porta do abrigo.
- Humm?!
Não era corpulenta quanto se esperaria de alguém trabalhando como ferreira e a idade parecia incondizente com a atividade, mas lá estava ela, concentrada na função que a ela cabia.
- Senhora? – Chamara a soldada à porta do abrigo.
- Humm?!