Sob o Manto dos Uivos

"Então, de repente, num chamado grave, uma poderosa corneta soou, e seus clangores golpearam as colinas e ecoaram nas concavidades, erguendo-se num grito poderoso acima do rugido da cachoeira.
- A corneta de Boromir!

[...]

Conforme corria, os gritos iam ficando mais nítidos, mas a corneta soava mais fraca e desesperada. Ferozes e agudos, cresciam os urros dos orcs, até que de repente a voz da trombeta calou". (Tolkien, O Senhor dos Anéis)

“Temos que removê-lo, rápido!”, concluíra Axcelandria frente à gravidade dos cortes. As cruéis presas dos Lobisomens não eram de conter venenos, complementara, mas a situação não era nada boa “Rossengwen, tente estancar o sangramento. E peça por Estë. Só ela pode por nós agora”. Acabavam de receber uma benção dos Valar, mas precisavam de outra naquela hora de desespero. Era difícil, por outro lado, ignorar que a própria elfa fora também lesionada. “Não o deixe desistir!”.

A ideia de Arthur fora boa e, com mais cabeças pensando, improvisar uma maca não seria difícil. “Aqui. Meu cajado pode ajudar. Arcos! Cada um ganhou um. Usemos o de Bergil e o meu, caso ainda encontremos algum mal pelo caminho. Deve ser suficiente. Peguem a capa dele. E a minha, se for necessário!”.

Precisavam lutar, correr para salvar o caído. Uma espada a mais ou a menos poderia ser a diferença naquela última guerra.
- Ignastácia! Por Ilúvatar! Veja se as águias trouxeram algo que possa nos ajudar!

A mulher ainda parecia confusa com aqueles nomes, mas adiantou-se em recolher tanto o pássaro quanto o volume. “É um tecido preso por uma corda. Podemos usá-la para a maca. Talvez o pano também, se for grande o suficiente”.

Começou a desenrolar o embrulho, mas, apesar da urgência, agia com apreensão. Soldados perecendo em campo vira aos milhares. Um presente dos deuses era algo único. Além, poderia haver ali algo que mudasse os rumos da guerra.

Era uma longa peça de tecido leve e cinzenta, lembrando seda ao toque. A corda não era grossa, mas parecia resistente e particularmente leve.

Desdobrando o pacote, uma luz jorrou, tomando todos os olhares de assalto. Era de um azul sobrenatural, místico e misterioso. Por um segundo, ninguém pôde deixar de ver observá-la.

A mulher ergueu-a lentamente, suspensa que estava por uma fina rede de corrente. Parecia um casulo de cristal, dentro do qual uma chama fantasmagórica dançava, da cor do céu de antes, indiferente à chuva. Boquiaberta, a senhora reconheceu a dádiva. “Uma lanterna fëanoriana!”. E, em resposta, algo sutilmente acendeu-se no interior das pupilas dela. Mas tivera que voltar rapidamente a si: “Isso será útil, mas não faz mais que iluminar. Precisamos nos concentrar no ferido. A corda!”.

E assim foi feito, porém Ignastácia prosseguira.

Encontrara lá ainda um cantil, aparentemente vazio, e uma corneta singela. “E isso? A quê serve?”. “Ora, não sei!”, retrucara a senhora, impaciente. “Sopra!”.

De certo, havia duas opções: ou era um instrumento simples, e tal ato não traria consequência alguma, ou teria propriedade fantástica, de efeitos inesperados. Como não receberam instruções de “só usar em emergências”, era natural que o tentassem.

O som era belo, algo raro naqueles tempos, e parecera mexer com o interior de cada um, uma esperança que ao mesmo tempo acalmava e impelia a seguir. Porém não parecera ter nenhum efeito mais imediato. “Talvez eu tenha feito errado", concluiu a guerreira, dando os ombros.

E, por fim, havia um anel.

Aquila visão deixara Axcelandria ao mesmo tempo entusiasmada e apreensiva. Tais objetos não tinham um bom histórico na Terra-Média, mas o Oeste não os mandaria uma armadilha. Era algo a se verificar depois, não sendo algo que ajudasse Bergil. Ou não? “Vamos, me dê o pano”.

Era bem mais extenso do que imaginaram ao início, de modo que foram necessárias várias voltas até que ficasse do tamanho necessário para a cama móvel.
- Reconhece isso? - perguntou a Rossengwen.

"Hithlain. Fibra de mallorn". Eram árvores gigantescas de Valinor, as quais fizeram o caminho de lá à ilha solitária, Tol Eressëa, e depois a Númenor, chegando finalmente ao Leste. Eram os poderosos sustentáculos das construções em Lothlórien, conhecidas por variarem na coloração das folhas durante as estações: verdes na parte superior e cinza-prateadas no verso à primavera e ao verão; no outono e no inverno, um amarelo dourado. “Daí o nome de ‘Árvores Douradas’ dado à antiga casa da senhora Galadriel”.
Esquecera, porém, que ela não era de tal época. O nome da poderosa senhora, entretanto, já era escutado muito antes.

De toda a forma, mesmo apenas ecos pálidos da Duas Árvores, a visão delas, agora perdida, costumava ser de uma beleza inesquecível. A corda, igualmente, não parecia ser comum. “Uma corda élfica, vê? Do mesmo material”. Havia um gancho preso numa das pontas.

A marcha precisava começar o quanto antes. Com a armação pronta, Ignastácia colocou-se numa das pontas."Me ajude, Arthur. A moça também está ferida e não pode fazer força". Antes que ele o fizesse, interrompeu-o. "Tome. É sua. Será de melhor auxílio. Você a mereceu". Com isso, trocara com ele o arco.

A distância não era curta, mas deveriam fazer o máximo possível. "Aguente, Bergil", sussurrara a idosa ao ouvido dele, trazendo ela a águia ao colo. Afora isso, apenas Mandos podia dele saber o destino.