por Wordspinner Qui 30 Dez 2021 - 17:25
O lugar era sala em um prédio comercial nada glamuroso no Corona, uma relíquia do começo da industrialização local. Fachada antiquada e interior sem imaginação nenhuma. O lugar cheirava a desinfetante forte e um leve perfume de lavanda para disfarçar. Quase vazio, lojas as moscas. Mas ele ouvia a música através da porta. A música suave de um eletrónico e a música descompassada de corações batendo juntos.
A porta branca abre bem rápido, mas só um pouco. Um rosto emoldurado pela luz intensa de dentro o analiza como uma mancha escura. A porta se abre assim como o sorriso da menina na porta. Mas ela coloca um dedo na frente da boca assim que dá espaço para Axel entrar. O cheiro de incenso era suave demais para sentir do outro lado. Nenhuma cadeira. As pessoas estavam no chão. Vestidas de forma despretensiosa e relaxada na sua maioria, mas Axel via outros no meio desses. Pequenas ilhas de formalidade, asseio exagerado e até uma garota que claramente poderia ser uma fitness model. Um rapaz vestido todo de preto com piercings e tinta segurava a mão de um homem forte vestido com calça social e camisa de botões. Eles tinham acabado de fazer alguma coisa, dizer alguma coisa para o grupo. Os dois pareciam emocionados e diferentes demais um do outro.
"É só sentar e ouvir..." A voz dela era um sussurro confortável e caloroso. Aceitação sem perguntas. Ela aponta um monte de almofadas de formatos diferentes em um canto. Elas eram coloridas e estampadas e também em confortáveis tons pasteis ao lado delas umas cadeiras de dobrar.
Nessa hora os dois se abraçam, o que é engraçado já que o homem é uma especie de neandetal enorme e o rapaz é magrelo e desajeitado. Mas as pessoas ali sentem aquilo de verdade. Ele percebe a emoção quase como algo palpável. Os dois se separam e voltam às suas respectivas almofadas. Os símbolos que tinham trazido Axel até ali estavam pintados na parede branca com tinta escura, um cinza quase preto. A música baixa vinha de mais de um lugar na sala. Pequenas caixas de som discretamente posicionadas tocando o mesmo instrumental.
Uma caixa cheia de celulares numa prateleira em cima das almofadas. Ninguém pediu nada. Nenhuma instrução. As luzes ficavam escondidas e iluminavam o teto fazendo a iluminação difusa e sem linhas duras. As sombras eram quase todas devoradas pela luz que vinha de outra direção.
"Bem vindos! Bem vind..." O magrelo que vestia uma mistura de hippie, grunge e padre quase engasgou quando olho para ele. O cabelo cheio de trancinhas cobre o rosto quando ele põe a mão na cara. Tinha acabado de entrar por uma porta lateral e tinha uma faixa com os três simbolos no ombro. Ele tosse uma vez. "Temos mais gente do que nunca hoje." Ele olha aqueles sentados nas almofadas ignorando Axel. "Eu sei que seus corações estão mais leves. Sei que o caminho tem melhorado as suas vidas. Mas sei também que a muito o que percorrer. Sei que ainda há sombras. Ainda há medo. " Ele tira de um bolso um bloquinho de notas simples e amarelo. "Por favor Lizandra." A menina da porta dá um pulo e corre até ele com um monte de finos pedaços de carvão. "Alguns de vocês já sabem o que fazer. Alguns de vocês já não tem o que escrever. Mas saibam, todos, que o mal deve ser exposto. O medo desnudo. Mesmo que só para si mesmos. Escrevam e pensem bem no que os aflinge. Não tenham medo dos detalhes. Não tenham medo dos porques. Olhem para dentro e escrevam." Ele arranca uma folhinha do bloco e o passa a diante pegando um carvão. "Eu vou começar."
Ele rabisca alguma coisa e dobra o papel. O sacerdote estranho se concentra levando o papel até o rosto magro de olhos fechados. Olhos que ele só abre quando a menina dá porta, Lizandra, está na frente dele com um brazeiro de ferro escuro. As chamas alimentadas por pavio e cera. Axel sabia pelo cheiro. Cera de abelha perfumada. Incenso também. Ele coloca o papel contra as chamas e sorri aliviado quando todo o amarelo se torna negro e cinza, queimado. Logo alguns dos outros fazem o mesmo. Outros incentivam. Ele espera e assiste com uma expressão de tranquilidade e orgulho. Talvez satisfação verdadeira.