Teirian, a "Cidade Triste"
Localização: Meolar
Os moradores de Teirian têm orgulho de dizer que sua cidade é uma das mais antigas do continente, fundada ainda nos primórdios do Império Oldera. Mas sua história recente pode ser dividida em duas fases: antes e depois do Cerco das Sombras, que aconteceu há 122 anos.
Antes das Sombras, a área urbana de Teirian ocupava o terço mais alto de uma colina suave que dá nome à cidade. No topo, ficava a Praça Central, rodeada pelos edifícios mais importantes: a Catedral de Teirian, dedicada à Deusa da Ordem, a Casa da Sabedoria e o Centro Comunal, que é a sede política do município. Em volta desses prédios, ficavam as casas das pessoas mais importantes e, um pouco mais afastadas do centro, as "Vilas" onde moravam os artesãos (ruas fechadas por portões). Essa área era cercada por uma muralha com dois portões, o do Norte e o do Sul, sendo que, perto do Portão Norte, ficavam o quartel da Guarda e o presídio. Da muralha até a base da colina, havia um bosque verdejante, que já não existe mais. Ao redor da colina, estendiam-se os campos cultivados por cerca de 5 mil famílias camponesas, as quais eram vassalas da Igreja da Ordem. Cada família cultivava uma parcela de terra pertencente à Igreja e morava numa casa localizada dentro da própria parcela, de modo que os camponeses deviam pagar à Igreja com dinheiro e/ou serviços para poderem cultivar e residir ali. Mas, embora servos da Igreja, era-lhes permitido cultuar qualquer deus do panteão divino, e cerca de metade dessas famílias adorava realmente outros deuses.
Então, vieram as Sombras. Criaturas mágicas surgidas não se sabe de onde e nem por quê. Elas só podem existir na escuridão, e se evaporam durante o dia. À noite, vagam pelos campos ao redor da colina Teirian e matam todas as pessoas e animais que encontram, com exceção de insetos e aracnídeos. Heróis vieram de todos os lados (muitos deles, contratados pela Igreja da Ordem) para livrar aquelas terras do problema. No entanto, apesar de centenas de Sombras terem sido mortas, elas sempre retornavam, em quantidade igual ou talvez até maior. A hipótese provável para explicar isso é que tais criaturas são oriundas de outro Plano de Existência, de sorte que a destruição de suas formas físicas apenas as faz voltar para seu Plano de origem, não as impedindo de ressurgir aqui já na noite seguinte.
Mas por que as Sombras não atacam a cidade na colina, apenas os campos em redor? Porque, no topo da torre da Catedral de Teirian, o ponto mais alto da cidade, existe um grande cristal fixado num mastro. Durante o dia, o cristal é escuro como ônix, mas, à noite, brilha radiosamente com uma luz branca mais intensa que a da lua cheia. A luz mantém as Sombras afastadas, mas o alcance da proteção não vai além do sopé da colina.
Assim, a cidade mudou muito após a chegada das Sombras, pois os camponeses se refugiaram no bosque da colina. A princípio, acreditava-se que seria um abrigo temporário, mas, conforme o tempo foi passando, tiveram de construir habitações permanentes. Então, embora a parte central e mais alta de Teirian tenha continuado como era, nos outros dois terços da colina as habitações foram construídas segundo um padrão típico de cidade medieval, com ruas muito estreitas, tortuosas, sem calçadas e com moradias de madeira ou de pedra com pouco ou nenhum espaço entre si, frequentemente erguidas parede com parede. Foi assim que surgiu a "cidade baixa" em volta dos muros que cercam a "cidade alta". Portanto, os moradores da "baixa Teirian" são camponeses que, ao amanhecer, têm de se deslocar até suas respectivas parcelas de terra para trabalhar e retornam antes do pôr do sol para se protegerem das Sombras. Pela falta de espaço, há bem poucos animais de criação na cidade, então a grande maioria dos camponeses segue a pé até a roça. A produção agrícola diminuiu porque já não é possível contar com muitos animais para puxar arado e produzir esterco. A maior parte do leite e da proteína animal tem de ser comprada fora da cidade, encarecendo o custo da alimentação. Os camponeses empobreceram, mas a religiosidade se exacerbou diante das dificuldades enfrentadas e também por causa da proteção do "Divino Cristal".
A Igreja da Ordem reduziu só um pouco o valor do arrendamento da terra, embora pudesse ter reduzido mais, visto que sua principal fonte de renda é a Casa da Sabedoria: uma instituição de ensino que educa desde a infância até a universidade e que possui longa história e tradição. A Casa recebe filhos de nobres e de comerciantes endinheirados de toda Elmíria para estudarem o trivium (retórica, lógica e gramática), além de teologia. São as famílias de perfil mais tradicionalista que enviam seus filhos para estudarem naquela instituição, que é conhecida por sua rígida disciplina.
Religião é política
Quando as Sombras surgiram, faz 122 anos, houve boatos de que um anão e um gnomo tinham sido vistos juntos nas redondezas um ou dois dias antes. Verdadeira ou falsa, a história é aceita pela grande maioria dos habitantes da cidade, que atribui a origem das Sombras a alguma maquinação diabólica dos “pequenos”. O reino de Meolar possui uma cultura xenófoba, mas o Cerco das Sombras exacerbou essa característica na cidade, como também ampliou o poder local da Igreja da Ordem. Se antes as leis municipais eram elaboradas pelo Burgomestre (uma espécie de prefeito) juntamente com o Conselho dos Dez Notáveis, agora essas leis são elaboradas pelo alto clero da cidade, formada por três sacerdotes, os quais atuam também como juízes. Os antigos conselheiros formam o corpo de jurados, mas vários deles têm receio de julgar contra a opinião dos clérigos. Hoje, embora continue não sendo obrigatório venerar a deusa da Ordem, praticamente todos os moradores fazem isso.
O Divino Cristal
A descoberta do cristal que protege a cidade aconteceu milênios atrás, e foi feita pelos fundadores da cidade. O cristal estava enterrado debaixo das ruínas de uma povoação muito antiga e primitiva, construída por um povo desconhecido. A natureza mágica e a beleza do cristal transformaram o lugar num ponto de peregrinação religiosa, e a Catedral de Teirian veio a ser edificada sobre as ruínas. Não demorou para que fossem atribuídos milagres ao cristal, que acredita-se ser uma dádiva da deusa da Ordem. Mas a adoração desse artefato foi potencializada mil vezes após o Cerco das Sombras, quando verificou-se que sua luz afastava as criaturas. Desde então, os habitantes adotaram a prática de orar cinco vezes por dia com o rosto voltado para o Divino Cristal, e a maioria das pessoas que já estudaram na Casa da Sabedoria, mesmo não residindo mais na cidade, mantém esse costume religioso.
Venerável Whudabi
A pessoa mais poderosa da cidade é Murhagan Whudabi, o Alto Sacerdote responsável pela Igreja da Ordem e pela Casa da Sabedoria. Ele é trineto de Gregoy Whudabi, teólogo que elaborou uma versão bastante purista e radical do culto à deusa da Ordem, a qual ganhou o nome de Whudabismo.
Segundo essa interpretação, toda forma de prazer conduz ao Caos, pois mina a autodisciplina das pessoas, faz com que se desviem do trabalho e da espiritualidade para perseguir divertimentos fugazes e ainda as leva a prejudicar seus semelhantes em nome dos próprios interesses, gerando conflitos. Assim, a única forma de arte aceitável aos olhos da deusa da Ordem seria a arte religiosa. Depois que o Whudabismo se tornou a teologia oficial da Igreja da Ordem na cidade, o que aconteceu 118 anos atrás, o consumo de tabaco e álcool foi proibido, assim como todas as músicas, danças e festas sem significado religioso, o mesmo valendo para pinturas, esculturas e adornos pessoais. Hoje, Murhagan Whudabi é temido pela forma intransigente como impõe a obediência a essas leis e preceitos. Quando atua como juiz de algum caso envolvendo acusações de "arte profana", a punição nunca é inferior a vinte chibatadas acrescidas de dois anos de prisão.
É por tudo isso que o famoso bardo Tailo Clavino deu à Teirian a alcunha de "Cidade Triste".