Gregory Hale

Toda noite, a mesma coisa.

Desde que o mundo foi para o inferno, a vida de Greg se transformou numa mistura horrorosa de desejo por vingança e culpa. Vingança sobre os malditos Puros, que mataram sua alcateia e destruíram sua vida. Culpa por ter sido fraco perante eles, por não ter se preparado o suficiente, por não ter sido forte o bastante para proteger os seus - culpa por ter sobrevivido enquanto todos os seus irmãos jazem debaixo da terra. Saber que Wendy está viva é uma faca de dois gumes: é bom saber que ela escapou, mas é doloroso demais olhar em seus olhos e ver ali o reflexo de sua falha.

Depois do sonho, ele acorda e descobre que ferrou mais um colchão. Precisa urgentemente fazer algo a respeito disso ou vai acabar tendo que dormir no chão. Seca o suor do rosto, então vai até o banheiro e joga um pouco de água na cara, tentando trazer uma sensação mínima de frescor e espantar os pensamentos ruins. Uma vez de volta ao quarto, abre a janela e olha para fora sentindo a brisa da noite. Todo dia, gente chegando de Willow Crest, todos refugiados como ele. Muitos Uratha desalojados e seus parentes. Enquanto pensa no tamanho da desgraça, acende seu inseparável cachimbo e dá uma baforada. A fumaça perfumada logo enche o quarto, dando uma sensação de familiaridade. Do outro lado da parede, dá para ouvir a respiração de Wendy. Pelo menos, ela está viva. Greg não gosta de pensar no que seria dele se ela também estivesse entre os mortos.

Então a porta se abre. É Billy, com sua costumeira calmaria.

Billy escreveu:"Noite difícil, garoto? Pode vir comigo? Estamos conversando e aposto que você poderia ajudar o pessoal."

"Sem sono", ele mente descaradamente, sem se importar se Billy vai ou não acreditar. "Me dá só um minuto. Já chego lá."

Ao menos, a noite não vai ser um tédio completo, cheio de tentativas falhas de dormir novamente. Logo depois que Billy sai, ele sopra mais uma nuvem de fumaça para cima e se levanta. Antes de descer até o pátio, Greg vai até o quarto de Wendy e abre a porta. Qualquer um bateria antes, mas eles não precisam disso há muito tempo. Anda devagar até sua cama e se abaixa para ver se ela está dormindo. Ajeita sua coberta, coloca a franja no lugar e por último, deposita um beijo em sua testa. Wendy é praticamente a única pessoa do mundo que recebe demonstrações de afeto mais explícitas, e Greg acha que precisa ser mais presente agora que tudo foi pelos ares.

Fumando seu cachimbo, ele desce as escadas, deixando um rastro de fumaça atrás de si. As mãos nos bolsos do moletom, os chinelos fazendo barulho enquanto caminha.

"Boa noite", cumprimenta, assim que chega no local. "Obrigado por me chamarem para a conspiração. Ando enjoado de ficar sem fazer nada o dia todo."

Ele observa atentamente cada integrante da reunião, à procura de detalhes que lhe digam quem são.

OFF:

Greg observa os três por alguns segundos, absorvendo as informações. Billy, Nestor e Rail. O primeiro, totalmente limpo e apresentável, apesar dos pés descalços. Provavelmente acostumado com a vida ao ar livre. O segundo, alguém que provavelmente trabalha com veículos ou possui um gosto grande demais por eles, exalando cheiro de combustível e fumaça. A terceira, vestida apenas com lã e cheirando a terra, lobo e mato - muito mais rústica que Billy, e muito mais arredia. Greg a encara por um pouco mais de tempo que os outros, apenas para se certificar que aquele tipo de recepção era típico dela. Sopra mais uma nuvem de fumaça no ar.

Uma série de notícias. Alguns nomes que Greg não conhece. E a pergunta que se repete várias vezes enquanto três pares de olhos o encaram. E a tal bruxa que voltou. Ainda é difícil dizer se isso é algo bom ou ruim. Mas, ultimamente, só tem recebido notícias ruins.

"O que acha, senhor Hale?"

"Acho bom", responde, a voz inalterada. "Preciso de um novo lugar, uma nova casa para mim e Wendy. Uma nova alcateia seria bom também. Se tudo isso que vocês acabaram de dizer significa alguma coisa para fazer além de esperar e sentir minha mente atrofiando, eu topo. Mais ainda se isso foder a vida de algum Puro no processo."

Bafora mais um pouco, então se aproxima mais um pouco do trio. Está visivelmente mais interessado na conversa.

"Detalhes, por favor", pede. "Que bruxa é essa?"

Greg ouve tudo, sem parar de fumar. A fumaça do cachimbo fica mais densa na medida em que ele se interessa pelo assunto, fumando mais rápido. Não demora nada e ele acaba com todo o tabaco lá dentro, quase de forma compulsiva.

"Ok. Direto e reto", ele repete, mecanicamente. "Vou com vocês. Deixa só eu dar uma olhada na Wendy antes."

Ele volta para o quarto e olha novamente para a garota. A pior parte é lembrar que há pouco que ele possa fazer - é tarde demais para tentar reverter a situação. O pai dela, a quem ele também tinha como pai, está morto e enterrado. Assim como todos os outros.

"Eles vão pagar, Pimentinha", sussurra. "Eu juro."

E que Skolis-Ur o devore se isso não se cumprir.

***

Com os pés enfiados num par de tênis velhos, mas quentes, Greg acompanha Billy pelo trajeto, olhando o mundo da janela do carro. Não é muito afeito à conversa fiada, e o papo antes da partida acabou com o seu já péssimo humor.

Billy escreveu:"Aquela garota." A voz corta o silêncio. "É tudo que sobrou?"

Ele deixa a conversa morrer por alguns segundos, como se não fosse responder. Respira fundo.

"Sim", responde. "O pai dela era meu mentor. O cara foi o pai que eu não tive."

Dá dois tapinhas no ombro esquerdo, onde qualquer um poderia ver a runa da Sagacidade. A marca que os Lunos imprimiram na noite em que ele teve sua Primeira Mudança. Em geral, ele não costuma falar muito. Mas Billy é bom em fazer as pessoas falarem, e ele se deixa levar por isso.

"Foi ele quem me achou", conta, apenas para preencher o vazio da conversa. Foi um tempo remoto, quase outra vida. "Depois que um namorado escroto dela resolveu levantar a mão. Só sobraram as tripas do maldito. Minha carreira na polícia acabou depois disso, mas não me arrependo nem um pouco."

***

Rail escreveu:"Nestor falou que tinha que ver uma coisa. Que viu uma coisa. Sei lá."

Greg não espera que Billy saia. Abre a porta e encara a garota por alguns segundos, depois olha para onde ela aponta. Aperta os olhos, tentando enxergar alguma coisa. Em geral, ele tem sentidos mais aguçados.

"Acho que vale uma olhada", diz, por fim. Então olha para ela. "Você vem?"

Ele não espera pela resposta e, enquanto se concentra, anda na direção que ela apontou.

OFF:

Billy escreveu:"Pra mim foi meu irmao. Não Daniel, Nestor."

"É estranho como a Mudança fode com a sua vida, pra depois te levar a criar outros laços", comenta. "Eu só tinha uma mãe viúva do Woodstock antes daquela noite. Depois, ganhei uma família. Perder esses laços é que é uma merda. Foi pior que enterrar minha mãe, que Deus me perdoe."

Então ele ouve sobre a fúria, sobre o descontrole, sobre a sensação de caçar.

"Cara, eu sei como é isso", responde. "E quer saber? Ficar sem caçar me deixa puto. Puto pra caralho. Muita gente pensa que é um negócio assustador quando você sucumbe ao instinto. Mas eles não conseguem entender que, lá no fundo, a gente espera que isso aconteça. Você só está procurando pela desculpa mais decente pra deixar tudo ir pro inferno. Tipo o que eu estou fazendo agora."

Billy escreveu:"Então você cuida dela. Não deixa ninguém chegar perto?" Olhos na estrada. "Tarefa ingrata se for."

Greg o encara por alguns segundos, em silêncio. A testa franzida em sinal de incompreensão.

"É, por aí", responde, incerto sobre o que diz. "Nunca precisei me esforçar muito, se quer saber. Os caras me detestavam logo de cara. Tudo bem: minhas namoradas nunca suportaram ela. Então acho que, no fim das contas, ficamos quites.

No mato, a coisa vai ficando cada vez mais macabra. O vento trouxe cheiro de carne podre, outros Uratha e uma silhueta estranha. Uma cabeça humana presa num galho pelos fios de cabelo, encarando os visitantes.

"Um aviso", constata o óbvio, depois encara os dois. "E agora? A gente continua ou não?"

Antes de continuar, ele se abaixa, procurando por sinais que denunciem a presença de outros no lugar.

Billy escreveu:"Eu conhecia Mark, eu conhecia quase todo mundo de lá." Ele ainda olha para a estrada. "Vão fazer muita falta."

Greg olha para fora, quieto por alguns segundos.

"Você não faz ideia do quanto", e decide que não precisa dizer mais sobre o assunto.

Billy escreveu:"Quites. Quites é um bom começo."

Com a testa franzida, ele encara o outro por alguns segundos. Tem um quê de ironia na voz, o sorriso de quem quer dizer algo sem realmente ser direto.

"Não estou entendendo", fala. "Perdi alguma coisa na piada?"

A situação vai ficando mais tensa na medida em que, junto com aquela cabeça, Greg vê pegadas de humanos e lobos. O cheiro que enche suas narinas lhe trás lembranças recentes e horríveis demais. Ele se lembra da última vez que farejou aquilo: quando seus irmãos e irmãs foram assassinados pelos malditos puros.

"Puros", sussurra, a voz quase gutural. Controla o impulso de mudar de forma. "Não sei quantos são, mas são muitos. Pelo menos um deles estava presente quando ferraram meus irmãos."

Ele olha para Nestor, procurando pela resposta. Sua vontade é rastrear o maldito e rasgá-lo em pedaços, mas se contém e procura pela figura que claramente está dominando a situação. É uma pena que eles não sejam uma alcateia. É pior ainda que as alcateias deles não estejam presentes.

"Vamos caçar esses malditos?", indaga.

Greg respira fundo, contendo a raiva. Não perder o controle. Não ceder. Não demonstrar fraqueza.

Billy escreveu:"Se lembra do juramento? Você disse as palavras não disse?" Era a voz de Billy. Carregada de julgamento.

"É claro que eu lembro, Meia-Lua". retruca. "Mas esses caras cometeram crimes. O simples fato de serem Puros já justifica. Agora olha em volta. E depois explica pra cada um dos meus irmãos que os infratores são eles. Ah, não, espera. Eles estão mortos."

Um segundo de silêncio, e ele sente que está quase virando Dalu. Concentra-se ao máximo para não colocar tudo a perder e segura-se por um fio para não foder com tudo. Lembra-se da promessa que fez para Mark - a que cuidaria de Wendy a qualquer custo. É a única coisa que o faz se acalmar.

Nestor escreveu:"Não foi esse o único crime deles. Olhem em volta."

Greg faz exatamente isso. Depois de constatar o tamanho da desgraça, encara Billy.

"Lunos", propõe. "A gente pega esses caras e entrega pra eles. Exatamente como manda o costume. O que acha?"

Greg não hesita em sair na frente, perseguindo os rastros. Sua mente se apaga por um momento, enquanto ele deixa que o lobo o guie para seu alvo. O cheiro de um dos malditos não saía de sua cabeça, assim como a lembrança da alcateia morta. Então para quando chega na cerca, onde o rastro se divide. O desgraçado foi justamente para o centro, onde seria mais difícil chegar.

Uma coisa não sai de sua cabeça: os Puros querem ser encontrados. Do contrário, não estariam deixando rastros tão grosseiros assim. Mas não pode deixar a oportunidade passar.

Olha para Nestor e Rail, já se encaminhando para o lado de Billy.

"A gente toma uma cerveja quando isso acabar.", diz, com o sangue quente em suas veias.