ON Satoshi: Truque de mestre

O sol vai surgindo no horizonte, lançando seus raios dourados sobre a cidade, anunciando o raiar de um novo dia, trazendo consigo os compromissos e toda a agitação do vai e vem de pessoas.

Talvez não fosse um hábito, mas o fato que é havia acordado cedo. Curtindo um pouco da preguiça, parte das benesses de se morar sozinho, pensou se deveria aproveitar e se virar para o lado e dormir mais um pouco.

- Crás, crás, crás, crás... – O som estridente do grasnar de Jackie enche o quarto e então Satoshi se lembra que faz um tempinho que já não mora tão sozinho assim

Quem sabe tivesse ímpetos de tacar um travesseiro no pássaro se soubesse que aquilo adiantaria alguma coisa.

Levanta da cama e se arrasta pela casa. Talvez um café da manhã o ajudasse a “despertar” para a vida. Provavelmente um pensamento irônico.

A caminho da cozinha ele liga a tv e minutos depois uma reportagem chama sua atenção, o que o faz se aproximar e prestar atenção ao que o repórter dizia

... “Três vítimas. Todos exibiam sinais de serem usuários da nova droga, porém o que chamou a atenção das autoridades foi que eles tinham ferimentos espalhados pelo corpo, indicando que a morte pode ter sido provocada por uma luta... Os policiais continuam investigando, agora tentando conseguir imagens de câmeras de segurança próximas ao local onde os corpos foram encontrados”

A reportagem exibia fotos das vítimas e do local onde os corpos foram achados que Satoshi reconheceu como sendo perto da loja de seu mestre.

Jackie voa até ele e pousa na cabeça do homem, bicando o local algumas vezes.

Satoshi havia entendido o recado. Ele e seu mestre já havia sentido alterações substanciais no mundo espiritual e sabia que o comportamento estranho dos rapazes não era devido a uma simples droga.

O dia transcorre sem mais problemas ou novidades e quando a tarde cai, Satoshi, como combinado, se dirige até a loja de antiguidades de seu mestre sendo seguido de perto por Jackie que sobrevoava a cidade.

Após uma caminhada considerável ele finalmente para em frente a porta da loja. Uma pequena plaquinha de boas-vindas pendurada no vidro dizia que o local ainda estava aberto e pelo cheiro que podia sentir dali mesmo na rua, sabia que o “Tio”, forma como seu mestre gostava de ser chamado, devia estar fazendo algum de seus rituais mágicos de proteção.

Abrindo a porta ele caminha até o fundo da loja, seguindo a voz do Tio.

Afastando uma cortina de continhas ele podia se sentir satisfeito, afinal não havia errado. Lá esta o tio, pulando em uma perna só enquanto recitava seu mantra de poder e proteção




- Umo buga fei di tal – O senhor repetia enquanto pulava.

Satoshi se aproxima para falar com seu mestre quando sente uma mão tocar o seu ombro.

- Satoshi Hasegawa! Quanto tempo não nos vemos, rapaz... Será que podemos trocar umas palavrinhas – Ouve uma voz conhecida

Ao se virar, Satoshi vê Koenma, um dos líderes do mundo espiritual, em sua forma adulta.

Ele conheceu Koenma depois que Botan o encontrou vagando pelo rio Sanzu. Tendo sido ele o responsável por apresenta-lo ao seu mestre

"Sen,

você me escreve que eu reclamo demais de tudo, mas a verdade é que você é responsável por quase tudo de que reclamo, e você sabe disso. Nem dormir até tarde eu consigo mais desde que você me mandou o Jackie, que era uma das minhas coisas favoritas - além de escrever pra você reclamando da vida e bolinho de polvo, claro.

Também é por culpa sua que já não tenho mais prazer nenhum em fazer minhas consultas paranormais. Quando eu fazia usando meu puro talento teatral e investigativo, era divertido à beça! Hoje à tarde porém, quando fui atender a Dona Honda, eu conseguia sentir a droga do marido morto dela voando ao meu redor! E se eu tentava me concentrar nela pra fazer uma leitura, bám, vinha um monte de pensamento triste de velhinha viúva na minha cabeça, misturado com a lista de compras que ela tinha pra fazer. E nisso tudo o Jackie RINDO da minha cara, pousado no poleiro novo dele.
Eu sei que você diz que corvo não ri, mas o Jackie faz questão de me fazer saber que está rindo de mim.

Não consigo mais ver uma notícia na TV também que já fico paranoico. Antes, quando eu via essas estória de droga e gente doida na minha cabeça eu só pensava "ah, lá, a juventude perdida... provavelmente vou ter que atender a mãe de algum desses semana que vem." Agora sempre que eu ligo o jornal fico na nóia de saber se tem espírito ou demônio envolvido nas esquisitices que aparecem. E eu que achava que não tinha nada mais esquisito que a raça humana!

Por fim, se não fosse você e seu corvo, não ia estar metido em mais essa enrascada: fiquei de ir hoje no fim do dia ver o Tio, meu mestre - aquele da lojinha de antiguidades que você sempre quis me levar. Pois bem, fui lá, pensando que ia ser mais um dia 'normal' de cantos, pulinhos e uns croques na cabeça quando eu faço besteira.

Mas chegando na loja, quem eu encontro? Ele mesmo, o Koenma. Aquele cara com a chupeta, peixe-grande do Mundo Espiritual, você lembra dele, não? Te escrevi sobre ele naquele email lá do Rio Sanzu, é só olhar lá.

Enfim, eu entro na loja achando que vai estar tudo tranquilo, até que sinto um puxão no ombro. Dei um pulo, porque não percebi que era o cara, e você sabe que eu me assusto fácil. Mas assim que eu me acalmei o Koenma solta:

- Satoshi Hasegawa! Quanto tempo não nos vemos, rapaz... Será que podemos trocar umas palavrinhas?

- Oh, senhor Koenma, boa tarde - se tem uma coisa que aprendi é que nunca é boa ideia ser desrespeitoso com essa turma do mundo espiritual - como que o senhor vai? Da última vez que a gente conversou você me encaminhou pra esse meu mestre aqui, se a conversa não for sobre trocar de mestre eu acho que estou topando.

Eu gosto muito de ser aluno do Tio apesar das esquisitices todas, Sen, e eu vou te dizer o porquê: o velhinho parece que conhece todos os feitiços de proteção que existem por aí! Agora que eu sei que existem espíritos, eu só saio do pé daquele velhinho depois que meu corpo estiver completamente fechado contra essa bicharada do além!

Enfim, o que eu dizia? Ah, é, o buraco era mais embaixo. Depois que eu falei aquilo pro Koenma, (...)"

Ao ouvir as palavras de seu discípulo, Tio interrompe o que estava fazendo, parando apoiado em um pé só, enquanto estreita os olhos na direção de Koenma.

- Haha... Não, não... Nada a ver! Não foi para isso que vim aqui não... – Koenma sorria sem graça, enquanto coçava a nuca com uma das mãos, olhando de Satoshi para o Tio e de volta para Satoshi.

Tio estreita mais os olhos em direção ao líder do mundo espiritual antes de bufar e voltar ao seu ritual de proteção.

- Umo buga fei di tal – Tio volta a entoar e pular sobre um pé só.

Koenma, que parecia ter segurado a respiração por alguns instantes, solta o ar dos pulmões de uma vez e se aproxima de Satoshi, inclinando um pouco na direção dele, colocando uma das mãos na lateral da boca e sussurra para que Tio não ouvisse.

- Ufa... O velhinho até que é gente boa e sabe bem o que faz... Mas também é bastante esquisito... As vezes ele me assusta... Melhor não contrariar.

Koenma dá uma última olhada na direção do Tio antes de endireitar a postura e apoiar a mão no ombro de Satoshi, sorrindo.

- Rapaz, sabe que na verdade eu estou tendo uns probleminhas... – Koenma começa explicando e empurrando de leve o ombro de Satoshi, para que se afastassem um pouco mais do Tio. – Acredito que você deve estar por dentro dessa confusão toda de drogados agindo de forma estranha, né? – Ele sorri enquanto dá dois tapinhas no ombro de Satoshi para então levar as mãos as costas – Tu é malandro que eu sei... Já deve ter sacado que isso não é efeito de drogas e sim de demônios que resolveram causar problemas por aqui...  Rapaz, você não faz ideia da papelada que isso está rendendo pra assinar. – Nesse momento Koenma estreita os olhos para Satoshi e levanta uma sobrancelha – E por falar nisso... Se bem me lembro semana passada eu assinei uma papelada sobre um dos seus trambiques ao enganar um senhorzinho com falsas evidências espirituais... Pensei que já havíamos nos entendido sobre esse assunto. Sobre você não usar seus dons para enganar os humanos...

Koenma para e fica de frente para Satoshi e ergue a mão, impedindo que o rapaz continuasse qualquer explicação.

- Não diga mais nada... Eu poderia te dar uma punição? Com certeza – O líder espiritual dá uma última olhada para Tio, se certificando que ele estava entretido em seu ritual, antes de prosseguir – Mas como eu disse, estou com uns probleminhas e tô precisando de uma forcinha para resolve-los... E é aí que você entra – Koenma sorri – Você vai usar os seus dons e sua... magia... para ajudar alguns dos meus detetives a pegar esses demônios e assim botar ordem na casa.

Toc, toc, toc

Eles ouvem uma batida no vidro da janela e Koenma, que estava de costas, se assusta com o barulho inesperado.

- Ai, diabo! Que susto! – Se virando e olhando para a janela eles viram que era Jackie que bicava o vidro, pedindo para entrar.

"(...)
Isso, Sen, você não leu errado! Demônios! A chefia do mundo espiritual quer me botar junto com um "detetive" deles pra sair por aí caçando demônios e botando "ordem na casa". Como se a minha casa já não estivesse uma bagunça de alpiste e pena desde que o Jackie se instalou lá. E como se sentir espíritos andando por aí já não estivesse acabando com meus nervos.

Mas eu não tinha muita opção. De alguma forma, o Koenma ficou sabendo do meu golpe pra cima do Massahiro, e tá me dizendo que se eu não fizer esse favor pra ele minha ficha vai ficar suja no mundo espiritual. Mas o que que eu ia fazer, Sen? O Massahiro é metido com essas coisas de máfia! Ia dizer pra ele que a mãe dele morre de vergonha, que não queria aparecer pra conversar nem com ele pintado de ouro e incenso? Claro que não, eu ia amanhecer boiando no rio! Dei uma amenizada, fiz uns malabarismos com luzes e pá, e pra cobrir as despesas tive que pedir uma doação, em nome do espírito da mãe dele, pro meu consultório espiritual. Vai dizer que você não faria o mesmo?

Enfim, como eu dizia, antes que eu tivesse tempo de concordar ou discordar, o Jackie usou o senso dramático dele pra espantar outra pessoa além de mim, pra variar.

- Oh, menino! - eu corri pra abrir a janela - Não assusta assim o sr. Koenma! É um bichinho muito esperto, mas tem suas manias, sabe? - tentei mudar de assunto enquanto deixava o Jackie entrar, mas eu tinha a sensação de que o Koenma não ia esquecer essa estória de caçar demônios muito fácil, e eu estava certo!
(...)

Jackie bica a janela mais uma três vezes até que Satoshi a abre.

O pássaro dá dois passinhos no parapeito da janela, parando “no meio do caminho” e olha de Satoshi para Koenma. Poderia parecer estranho, mas poderiam jurar que ele havia suspirado fundo e balançado a cabeça antes de estufar o peito e entrar na sala, dando um voo rasante por todo o lugar antes de pousar sobre a cabeça de Satoshi.

- Crás, crás, crás – A ave grasna antes de bicar a cabeça do rapaz, puxando alguns fios.

- Ai, aaaai!– Eles ouvem o Tio gritar.

O velho para seu ritual e pega uma espécie de raquete que começa a abanar enquanto se aproxima do seu discípulo e do pássaro.

- Quantas vezes vou ter que dizer que não quero esse pássaro na loja? – Ele abana a raquete próximo a cabeça de Satoshi, tentando espantar Jackie – Já disse que esse pássaro trás mau agouro para as vendas – Jackie começa a sobrevoar, mas sempre voltando a pousar na cabeça de Satoshi – Xô, xô, xô

Koenma que observava tudo parecia tentar conter o riso, quando por fim o velho senhor repara mais uma vez no líder espiritual, estreitando os olhos para ele.

- Não pense você que não ouvi o que disse – O velho dizia para Koenma enquanto ainda tentava espantar Jackie – Mandar ele atras de demônios, você está ficando louco?

Aproveitando que ainda usava a raquete tentar espantar Jackie, Tio acerta o objeto com alguma força na cabeça seu discípulo

- E você? Quantas vezes vou ter que repetir que usar dons e magia espiritual para enganar os outros trás má sorte. Tá vendo o que você arranjou – Tio diz irritado – Xô, pássaro! Xô! Vamos... Quer fazer o favor de tirar esse pássaro daqui...

- Fica calmo aí, velhinho... Satoshi não estará sozinho correndo atrás dos demônios, mas é um fato que se ele não tivesse brincado com os poderes dele eu não poderia pedir esse favor – Koenma volta a pôr ambas as mãos nas costas e sorrir de forma quase sádica – Nós inclusive já sabemos quem é um dos sete líderes entre os demônios que estão por trás dessa arruaça e é por aqui que você vai começar a me ajudar. – Ele diz se voltando totalmente para Satoshi – Diz ai, rapaz... já teve a oportunidade de ver um desses possuídos de perto?

OFF:

"(...)
No meio desse pandemônio, Sen, eu só conseguia pensar em duas coisas. Mentira, três coisas: a primeira, é que eu acho que nunca na minha vida eu tomei tanta pancada na cabeça desde que o Tio e Jackie entraram nela. Eu acho que se fizer um gráfico, o pico de vassouradas, croques e bicadas do último mês deve superar o total de topadas e batidas que eu dei por aí ao longo de mais de vinte anos! Você sabe que eu não era nem de arrumar briga, nem de fazer nada perigoso, e que sempre gostei da integridade do meu rosto - mas nenhum dos dois está interessado nisso; e pelo visto o Koenma também não!

A outra coisa que eu pensava era em pedir desculpas para o Tio e enrolar o Koenma um pouquinho mais: tentar conhecer melhor meu futuro parceiro ou parceira, pra saber se era o tipo de pessoa que era grande o suficiente pra eu me esconder atrás dela em caso de perigo. Mas mais urgente que essas duas coisas, para mim, no fim das contas, era o Jackie. Ainda não consegui entender direito essa ligação que temos - e o Tio se recusa a deixar ele ficar dentro da loja o suficiente pra analisar o que pode ser - mas eu conseguia perceber, não só pelos puxões na cabeça, que alguma coisa estava deixando ele muito agitado.

- Sr. Koenma - eu disse - se você puder me dar só um minutinho para fazer o que o Tio pediu e botar o Jackie lá pra fora, eu agradeço muito. Mas já digo que não acho que vi um desses ao vivo não... Sò na TV. Se bem que teve uma vez, antes de eu te conhecer, veja bem!, que eu atendi um rapaz cujo irmão estava com uns sintomas parecidos... Mas que fim ele levou eu não sei, que ele nunca voltou pra consulta seguinte...

Enquanto eu dizia essas coisas eu me afastava pra janela. Tentei incentivar o corvo a pousar na minha mão, como ele fazia às vezes quando eu tentava me alongar de manhã. Me apoiei na janela e disse pra ele:

- O que houve camaradinha? Tem alguma coisa te deixando preocupado, é?

Tentei limpar minha mente e me concentrar. Com um pouco de silêncio, talvez eu conseguisse entender um pouco melhor o que estava na cabeça do Jackie. Pelo menos, era o que eu esperava (...)"

Off:

Entendendo a intenção de Satoshi, o pássaro dá pequenos pulinhos pelo braço do rapaz até parar confortavelmente empoleirado em sua mão.

- Se continuar fazendo tanta força vai acabar com dor de cabeça – Satoshi consegue “ouvir” Jackie se comunicar com ele. – Preocupado? Só com sua língua grande. Preocupado de você dedurar as últimas “enrolações” suas para a chefia do mundo espiritual. Não esqueça, sou seu familiar... O que acontece com você eu sinto e eu tenho amor as minhas belas penas – Nesse momento Satoshi podia jurar ver Jackie estufar o peito em um suspiro profundo e balançar a cabeça negativamente – Por enquanto ele está querendo mandar você “caçar” demônios... Se fica sabendo do que você anda fazendo vai te mandar morar com eles – Jackie grasna mais uma vez quanto o tio faz um novo movimento com a raquete para espantá-lo – Faz Favor? Avisa ao velho que ele é chato

Crás, crás, crás – Jackie grasna alto mais algumas vezes antes de sair voando pela janela e ir pousar em um galho próximo, mantendo os olhos na janela do antiquário.

Koenma assiste curioso a interação de Satoshi com o pássaro e o Tio suspira aliviado quando vê que finalmente Jackie havia saído da loja.

- Juro que consigo imaginar o porquê de a pessoa não ter voltado, não é mesmo Satoshi Hasegawa... – O líder do mundo espiritual estreita os olhos de forma acusadora para o rapaz antes de endireitar a postura e prosseguir – Mas vamos ao que interessa. Essas pessoas na verdade estão sendo dominadas pela aura demoníaca de uma poderosa líder dos demônios, chamada Lady Ema... é preciso que se junte aos detetives porque são poucos que tem o dom de ver e se conectar com o mundo espiritual como...

- Espera! Você disse Lady Ema? – A voz estridente do Tio interrompe a explicação de Koenma – Mau, mau... Isso é muito mau! Você vai precisar de uns amuletos – O velho diz saindo e sumindo por uma porta nos fundos da loja

OFF:

"(...)
Pra você ver, Sen, que nem o Jackie me dá folga! Se eles soubessem o tipo de golpe que eu dava ANTES de despertar, iam achar meu comportamento atual exemplar! E eu sinceramente não sei se vou conseguir continuar pagando alpiste premium praquele corvo de padrões morais elevados sem poder inventar umas meias verdades a mais pra justificar uma cobrança extra pra clientela... Peralá que ele sentiu que eu estou pensando em alpiste e já veio me pedir comida.

Enfim, onde eu estava? Ah, é, a parte que fica tenso de verdade! Sabe quem que o Koenma quer que eu saia caçando por aí? A LADY EMA! Aquela que eu te escrevi semana passada, quando o Tio me falou dos demônios comedores de alma, que eu fiquei três dias sem dormir depois! Pois bem, depois que eu voltei do meu "papo" com o Jackie ele me puxou e disse:

– Mas vamos ao que interessa. Essas pessoas na verdade estão sendo dominadas pela aura demoníaca de uma poderosa líder dos demônios, chamada Lady Ema... é preciso que se junte aos detetives porque são poucos que tem o dom de ver e se conectar com o mundo espiritual como...

Nisso o Tio interrompeu ele, e achei que ia me safar! Mas nada, ele só foi atrás de uns amuletos pra me dar.

- Escute, senhor Koenma - eu disse, usando meu tom mais charmoso - você sabe que eu estou, né?, sempre à disposição do Mundo Espiritual pro que der e vier e tudo mais, mas que chance eu tenho de encarar uma demônia que come a alma dos outros? Eu só tenho uma alma! Eu não consigo correr muito rápido! O Tio já me falou que vocês tem detetives que explodem youkais e demônios com as mãos e não-sei-o-quê... Como é que eu vou poder ajudar num negócio desse? Eu ia acabar ficando no caminho! Agora eu sei que você tem aquele escritório bonito e bem guardado pros lados de lá do Rio Sanzu, se você quiser eu posso ir lá prestar uma consultoria de vez em quando, por um preço módico... Enquanto isso continuo ajudando o Tio aqui, que, coitado, já não tem mais idade também pra ficar tocando a loja sozinho...

Mas pelo visto isso não ia colar tampouco.
(...)"

Off:

Koenma ouve atentamente os argumentos de Satoshi. Ele uma das mãos ao queixo.

- Hum... Me diga rapaz, já tem um tempinho que você está treinando com o velhinho. Afinal o que você anda fazendo por aqui? – Koenma levanta uma das sobrancelhas – Diz aí o que ele te ensinou até agora... Alguma magia das boas, algum golpe? – Olha em volta, se detendo alguns segundos na porta por onde Tio havia saído, antes de continuar – Porque se ele não te ensinou nada vou ter que providenciar mais um mestre para vocês. Sabe como é, né... Sempre bom saber uns golpes para se defender quando se lida com demônios...

A porta abre com um estrondo e eles veem Tio surgir carregando alguns objetos, caminhando até Satoshi, ficando entre seu discípulo e Koenma, quase como se ignorasse o líder do mundo espiritual, que estreita os olhos para o velho.




- Vamos, segure! – Tio diz, entregando para Satoshi o corpo ressecado de uma lagartixa e um graveto com algumas folhas secas – Você se lembra do feitiço de proteção que te ensinei? – Sem esperar pela resposta o velho da um cascudo no jovem – Pois deveria! Quantas vezes terei de dizer para prestar atenção no que o Tio diz? – O velho se afasta e começa a vasculhar alguns lugares da loja sob o olhar atento de Koenma que claramente achava a atitude do senhor peculiar – Você viu onde deixei aquele baiacu? Ele é muito bom para aquele feitiço que te ensinei para espantar auras demoníacas como a que Lady Ema usa em suas vítimas...

Koenma olha intrigado para Satoshi e levanta uma das sobrancelhas enquanto sorri torto

- Não sabe como vai ajudar... Só vai ficar no caminho dos detetives, não é? Ora, ora... Parece que alguém aqui está escondendo o jogo – Koenma se aproxima de Satoshi e põe um dos braços sobre o ombro do rapaz – Sabe que essa habilidade de ver o mundo espiritual e de conseguir expulsar auras demoníacas vem muito a calhar para nós agora, menino? – O líder fala de forma pausada, denotando que havia percebido a tentativa dele de enrolá-lo – Eu até que ia adorar ter uma mãozinha com toda aquela papelada, mas acredite... Tô mais a fim de uma mãozinha com os demônios e tenho certeza de que o velhote ali vai ficar bem durante suas ausências, eu mesmo vou me certificar disso – Diz se virando com Satoshi na direção onde Tio continuava a vasculhar a loja e completa com escárnio na voz. – Não seja modesto, tenho certeza de que você será de grande ajuda, nem que seja ajudando os detetives a atrair os demônios... Talvez faça bem para a saúde começar a praticar algum exercício. Quem sabe começar a correr pela manhã, só para manter o corpo em forma... – Koenma alarga o sorriso

- Eu avisei – Era a voz de Jackie em sua mente

Ao menos parecendo alheio a tudo isso, Tio continuava sua busca pelo item mágico em sua loja.

OFF:

"(...)
- O baiacu você levou pro quartinho dos fundos faz uns dois dias, mestre... Você falou que um dos espinhos estava desalinhado ou alguma coisa assim, eu anotei na planilha. Ou você tá falando do baiacu novo, que aquela sua sobrinha te trouxe semana passada? Esse você me mandou pendurar no sol ontem, pra ver se melhorava o cheiro.

Eu estou tentando convencer o Tio a catalogar todos os itens da loja em uma planilha bonita que eu fiz no computador pra ele, mas ele não quer saber disso. Diz que a memória dele está melhor do que nunca, e que não precisa nem de tabelas no papel nem na máquina maldita - como ele chama meu computador, que realmente é meio ruim. Mas já estou fugindo do assunto! Como se esse email já não estivesse longo o suficiente. Enfim, nisso, o Koenma emendou:

- Não sabe como vai ajudar... Só vai ficar no caminho dos detetives, não é? Ora, ora... Parece que alguém aqui está escondendo o jogo... Sabe que essa habilidade de ver o mundo espiritual e de conseguir expulsar auras demoníacas vem muito a calhar para nós agora, menino? Eu até que ia adorar ter uma mãozinha com toda aquela papelada, mas acredite... Tô mais a fim de uma mãozinha com os demônios e tenho certeza de que o velhote ali vai ficar bem durante suas ausências, eu mesmo vou me certificar disso Não seja modesto, tenho certeza de que você será de grande ajuda, nem que seja ajudando os detetives a atrair os demônios... Talvez faça bem para a saúde começar a praticar algum exercício. Quem sabe começar a correr pela manhã, só para manter o corpo em forma...

Eu estava com poucas esperanças de escapar desse rolo. Mas, se era pra jogar o jogo dele, eu queria pelo menos tentar ajustar as regras:

- Olha, senhor Koenma - apesar do meu charme natural, era fácil parecer triste e patético segurando uma lagartixa em uma mão e um graveto na outra - a verdade é que eu aprendi com o Tio a espantar auras demoníacas na teoria, mas na prática a teoria é outra, né? E sim, consigo enxergar as coisas do mundo espiritual, e estou ficando muito bom em tirar moedas das orelhas das pessoas sem precisar esconder elas na minha manga de antemão, mas eu nunca fui muito bom de briga, e não acho que vai ser um mestre a mais que vai me ensinar isso... - eu nunca fui bom de briga porque eu morro de medo de briga, Sen, como você bem sabe, mas isso vou deixar o Koenma deduzir por conta própria.

Enfim, eu continuei:
- Então tudo bem, eu topo ajudar o senhor com essas coisas de demônia devoradora de almas e... - eu quase engasguei nessa hora, mas sabia que não ia ter pra onde escapar - e... devoradora de almas e... ajudar a espantar auras demoníacas e ver o mundo espiritual e o que seja. E eu sou bom de investigar e descobrir as coisas, é verdade! Mas daí você tem que me dizer quanto tempo isso vai me tomar, porque com menos horário pra consulta - e sem chance de inventar uma ou outra coisa a mais pra cobrar mais caro a consulta, mas essa parte eu não falei - vai ficar difícil pra mim pagar as minhas contas e tudo mais. O mundo espiritual tem orçamento pra me ajudar com elas? E outra coisa: eu preciso saber se os parceiros que o senhor vai me arranjar são bons de briga, e se não vão sair correndo diante do primeiro perigo; porque se eles correrem, eu morro, ou pior, me comem a alma! E eu só tenho uma, e gosto bastante dela, ainda mais agora que descobri que ela existe mesmo!
(...)"

Tio interrompe a procura e o olha desconfiado, se aproximando e dando um cascudo na cabeça de seu discípulo.

- E por que não me avisou antes? Claro que estou falando do novo... – Satoshi recebe um novo cascudo – Ai, aaaaai! Você não presta mesmo a atenção no que seu mestre te ensina. Como você quer que use um item mágico se ele está com os espinhos desalinhados? Parou para pensar que ao invés de proteger, se usar aquele lá você pode acabar atraindo a aura de Ema? Se bem que eu deveria deixar, pra ver se boto um juízo nessa cabeça de vento e você passa a me ouvir. – Tio estreita os olhos para Satoshi e por fim dá de ombros, se rendendo a informação – Devo estar ficando velho mesmo... Não lembrava disso. Mas se está lá fora desde ontem, creio que já esteja bom para o uso. Vou lá pegar e já volto.

Quando o velho sai por uma porta lateral, Koenma o observa e sorri torto

- Está “ficando” velho? Pensei que ele já estivesse... – O líder do mundo espiritual volta a prestar atenção em Satoshi, ouvindo atentamente os questionamentos do rapaz. – Hum, eu entendo. Só depois não diga que te coloquei em furada sem dar a chance de aprender a se defender – Ele dá de ombros – Sim, eles são bons de briga... Ou pelo menos tentam, né – Ele levanta uma das sobrancelhas enquanto parece pensativo – Mas além dos detetives, os mestres deles, que também já foram detetives tempos atras, vão dar uma mãozinha vez ou outra, então relaxa. – Koenma dá um passo para trás - Quanto ao tempo você não precisa se preocupar muito com isso, terá tempo para se dedicar ao seu... trabalho – Ele estreita os olhos na direção dele em um claro sinal de aviso – Até porque todos tem compromisso que também precisam cumprir. Mas me deixe dizer que fico feliz que goste da sua alma. Isso significa que irá se empenhar para não prede-la – Koenma estica uma mão em direção ao rapaz para selar o acordo – Nós iremos lhe dar o suporte que precisar e você nos ajuda com sua habilidade... E eu desconsidero os trambiques que sei que anda fazendo... Estamos combinados?

Jackie pousa na janela e se mantém quieto enquanto observa a conversa dos dois.

"(...)
– Nós iremos lhe dar o suporte que precisar e você nos ajuda com sua habilidade... E eu desconsidero os trambiques que sei que anda fazendo... Estamos combinados?

Jackie, aproveitando que o Tio estava nos fundos, já veio pra janela ver o que estava rolando. Mas o que eu ia fazer? Tenho medo de demônios me devorando a alma, mas também não gosto nada da ideia da burocracia do mundo espiritual vindo fiscalizar os meus negócios - que eu nunca tive muito tino pra um trabalho mais respeitável.

– Não sei o que você tá olhando, Jackie... Se não fosse você – eu disse – eu nem ia saber que tinha dons espirituais pra começar; e foi você quem teve a ideia de me levar pra passear no rio dos mortos! – me dirigi então para o próprio Koenma – Bom, se vamos ter uma equipe assim, acho que minhas chances de sair com a alma no lugar aumentam, né? Estamos combinados, sr. Koenma... Er, desde que meu mestre ache os amuletos e bichos secos todos de que eu preciso, claro...

Fui atrás do Tio pra ver se ele tinha achado o baiacu certo. Às vezes eu tinha medo que ele se perdesse entre as prateleiras de produtos mágicos desconjuntados.

(...)"

Talvez fosse loucura, mas podia jurar que o corvo havia feito uma careta para ele. Se fosse humano talvez fosse algo como erguer uma sobrancelha, talvez...

Jackie estufa o peito e abre as asas, saltando do parapeito da janela para dentro da loja novamente. Vê a ave dar um pequeno rasante ante de mais uma vez pousar sobre sua cabeça e bicar, puxando alguns fios.

- Uhum... Só falta eu dizer que te coagi a entrar naquela canoa. Ninguém manda ser curioso. – Satoshi ouve nitidamente a voz de Jackie falar com ele

- Muito bem, rapaz. Senti firmeza! Sabia que você não ia ser besta de perder uma chance dessa de fazer a coisa certa e limpar um pouco a sua barra. Acredite, dando uma olhada na sua ficha ela tá quase tão suja quanto o poleiro desse aí... – Koenma sorri e dá três tapinhas no ombro de Satoshi – Claro, claro! Você vai ver que o pessoal sabe o que está fazendo... Pelo menos na maior parte do tempo – Ele sorri – Olho vivo, porque devo mandar a Botan ou algum dos detetives vir atras de você ainda hoje para começarmos logo com essa parada...

Quando Satoshi faz menção de ir atras do Tio, Jackie mais uma vez dá um rasante pela loja até ir pousar na cabeça de Koenma, que arregala os olhos e pisca algumas vezes com a atitude inesperada do pássaro.

Antes que conseguisse chegar à porta que dava para os fundos da loja ela se abre abruptamente e Tio aparece carregando mais alguns itens mágicos, dentre eles o que ele havia ido buscar.

O velho para e estreita os olhos na direção de Koenma e Jackie enquanto se aproxima de seu discípulo e “joga” nos braços dele o que tinha em mãos.

- Quem deixou esse pássaro entrar? Quantas vezes vou ter que dizer que não quero ele aqui dentro? – Tio diz pegando e abanando no ar uma raquete de tênis, avançando em direção a Koenma que passa a fugir pela sala – Xô pássaro, xô!

Talvez fosse mais uma loucura, mas podia jurar ver uma expressão de satisfação em seu familiar de penas negras e reluzentes.

OFF:

Off:

"(...)
Enfim, nisso eu já tava amarrado, né? Depois que o Koenma foi embora o Tio foi duro na queda: fiquei treinando o jeito certo de usar o baiacu seco até ele ficar satisfeito, mas isso foi demorado! Ele ainda arranjou tempo pra me botar pra ler uns pergaminhos antigos e varrer atrás de umas prateleiras - ele diz que varrer é parte do treino, que espantar energias demoníacas é como varrer o pó do chão, precisa de cuidado e prática e não-sei-o-quê. Pode até ser que sim, mas desconfio que, antes de o Koenma me mandar pra lá, o Tio não gostava muito de fazer o "treino da vassoura" por conta própria não...

Agora estou aqui, Sen, na minha casa esperando um enviado do mundo espiritual me mandar por aí pra caçar demônios. Eu podia estar de boa, vendo um filminho ou lendo alguma coisa depois de um longo dia de "trabalho", mas é o que tem, né? Já alimentei o corvo, já te escrevi esse monte de palavras, já tentei me distrair de tudo quanto é jeito, mas sei que assim que ouvir um barulho lá fora, eu vou é ter sorte se for realmente alguém do nosso lado, e não um dos demônios que, gostaria de te lembrar, estou caçando por aí agora por sua causa!

Enfim, acho que tem alguém lá fora. Se eu não te escrever mais, é porque morri hoje, ou porque minha alma foi devorada.

Satoshi"

A noite abraçava de vez a cidade. A lua cheia despontava no céu por entre os prédios e em uma modesta loja de antiguidades, já fechada aos clientes, um pequeno fio de fumaça podia ver vista saindo discretamente por uma das janelas laterais localizadas mais ao fundo.

- Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal – A voz do Tio repetia incansavelmente enquanto ele segurava um baiacu ressecado em uma das mãos e na outra um graveto.

O velho estava sentado no chão, totalmente concentrado no que fazia. A sua frente um pequeno pote começa a brilhar em um tom esverdeado bem claro enquanto o ar a volta parecia ser sugado para dentro do recipiente com força. Com um último movimento o pote se eleva no ar, flutuando, e uma tampa juntamente com um selo de proteção são conjurados, fechando o recipiente.

O pote cai no chão, mas não quebra, oscilando por alguns instantes antes de parar.

- Viu? É bem simples! – O Tio volta a atenção a seu discípulo que observava tudo enquanto mantinha a vassoura em mãos e varria chão. – Você que complica as coisas. Essa vai ser sua última tentativa de hoje e o Tio vai descansar. Tô ficando velho e minhas costas doem...

O velho senhor se levanta e gesticula para que Satoshi ocupe seu lugar no chão, em frente ao pote, mas antes que isso fosse possível um barulho chama a atenção dos dois.

Toc, toc, toc

Vinha da porta dos fundos, parecia que alguém estava batendo a porta.

Indo verificar, ao abrir a porta Satoshi dá de cara com uma pequena menina de cabelos de um tom de azul esverdeado que flutuava do lado de fora.




- Olá! – A menina sorri enquanto inclina a cabeça de lado – Você é Satoshi Hasegawa, certo? Eu vim a mando do Sr Koenma. Está pronto? Já podemos ir? Sua ajuda já está sendo solicitada... – A menina leva as mãos as costas e olha para Satoshi com expectativa.

OFF:

"Olá, Sen, estas são notas automáticas que estou programando meu celular pra enviar para o caso de eu morrer hoje, ou de comerem a minha alma (especialmente de comerem a minha alma, na verdade, porque se eu só morrer eu garanto que, depois de tudo que já aprendi, vou arrumar um jeito de te assombrar da forma mais incômoda que puder). São menos elegantes que emails, eu sei, e você detesta mensagens curtas, mas quem mandou me enfiar nessa?
S.H."

"Bateram à porta dos fundos, Sen, os postes da rua já estavam acesos e tudo, e tinha uma criança de cabelo azul lá. Meu primeiro impulso foi perguntar: menininha, você tá perdida? Cadê sua família?, mas daí eu percebi que ela estava FLUTUANDO por aí, coisa que menininhas, na média, não fazem, e consegui segurar minha língua. Antes que eu conseguisse achar alguma coisa pra dizer que fizesse sentido naquela situação, ela soltou um 'Você é Satoshi Hasegawa, certo? Eu vim a mando do Sr Koenma. Está pronto? Já podemos ir? Sua ajuda já está sendo solicitada...'

Eu não sei se TODOS os mensageiros do mundo espiritual tem cabelo esverdeado e voam, mas parece valer pontos extras na hora da contratação... De qualquer forma, tentei me concentrar pra captar se havia alguma energia espiritual suspeita ao redor daquela carinha de criança. Você sabe que eu sempre fui desconfiado com criança, mesmo as que não voam. Pra tentar ganhar algum tempo, e ver se o Tio já conhecia a figura, eu disse 'Opa, olha só! Você me deixa só ver com meu Mestre se o peixe e as outras coisas que ele queria que eu levasse já estão no jeito, ok?'

Voltei sorrindo para onde o Tio estava - você sabe que eu consigo parecer simpático como ninguém, ou não teria metade dos meus clientes! - e dei uma cutucada nele pra ver o que ele já conhecia a figura. Se ele me desse o ok, eu não teria alternativa: era embrulhar os amuletos e bichos secos que fossem precisos e partir pra "noitada"..."

Off:

- Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal, Umo buga fei di tal – O Tio ainda repetia seu mantra de evocação quando Satoshi se aproxima, interrompendo o velho senhor.

Tio para o que está fazendo e olha para o seu discípulo, uma expressão impaciente no rosto, quando Satoshi percebe que o homem inclina levemente o corpo para o lado como quem olhasse para algo atras dele.

- Olá, Tio! – Satoshi escuta uma voz vindo de trás dele, tão perto que estava praticamente junto ao seu ouvido. Era a voz da menininha. – Como o senhor está? O Sr Koenma me mandou para buscar ele... – Saindo de trás dele a menina flutua praticamente ao seu lado, sorrindo amigavelmente para o Tio. – Nós identificamos a presença de uma yokai causando problemas... Precisamos da ajuda dele... É a Mio... Fazia anos que ela não aprontava por aqui.

- Pequena Sayaka – O velho senhor se levanta do chão e faz uma breve reverência para a menina, que sorri mais abertamente. – Quanto tempo não vem visitar o velho Tio aqui... As coisas na loja estão bem, estou cheio de itens raros e vendendo que é uma maravilha...

Com certeza Satoshi poderia dizer que nunca vira o Tio ser tão gentil e amigável com alguém assim antes. Bem da verdade, aqueles dois conversavam de forma tão descontraída que parecia que ele não estava ali.

Mas o que chama a atenção do rapaz é a reação do velho quando ele ouve o nome “Mio”.

- MIO? – O velho diz em voz alta. – Mau, mau... Isso é mau! Vou pegar os amuletos que você vai precisar – Tio ergue o dedo indicador na direção de Satoshi e começa a juntar em uma pequena bolsa alguns dos amuletos mágicos.

- Ele é mesmo muito prestativo – Sayaka diz olhando para Satoshi

- Aqui, pegue! – Terminando de juntar o que precisava ele entrega tudo a seu discípulo – E não esqueça, aconteça o que acontecer se concentre no que está fazendo seu cabeça oca – Tio dá um coque na cabeça do rapaz e volta a erguer o dedo indicador para ele – Satoshiii... Mais uma coisa... Evite olhar muito para Mio... Ouça o Tio... Evite – O velho diz de forma incisiva. – Agora vá, vá, vá.

Tio segura Satoshi pelo ombro, virando o rapaz em direção a porta e o empurra de leve, fazendo movimentos com as mãos para ele seguir com a menina Sayaka que apenas observava e se despede do velho senhor com mais uma breve reverência.


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A noite ainda estava agitada na cidade quando eles saíram da loja. Muitas pessoas ainda estavam nas ruas, se movendo de seus trabalhos de volta para casa e em meio a essas pessoas Satoshi e Sayaka abriam passagem em direção ao local onde a ajuda do rapaz era solicitada.

A pequena menina, que seguia na frente, flutuando, e para acompanhá-la ele tinha que praticamente correr.

- Desculpe se tudo parece meio corrido – A menina diz olhando para trás vez ou outra. – Nem me apresentei direito, mas você deve ter ouvido seu mestre me chamar de Sayaka, certo? – A menina flutuava por entre as pessoas que definitivamente nãos podiam vê-la, uma vez que ninguém demonstrava espanto por ver uma menininha voando. – Sou uma inspetora do mundo espiritual, mas com tantos problemas ocupando a maioria dos guias espirituais dos detetives, o Sr Koenma me pediu ajuda e aqui estou.

Avançando por entre as pessoas eles dobram em uma rua que parecia menos movimentada, parando por alguns instantes enquanto Sayaka puxa algo que se assemelhava a uma bússola, consultando rapidamente o aparelho, decidindo por uma direção e voltando a avançar.

- Como anda seu treinamento com o Tio? – A menina volta a falar. – Mio é uma Yokai bastante poderosa e persuasiva, espero que você tenha conseguido aprender os feitiços de proteção do Tio – Ela diz ao dobrar mais uma rua, alcançando bem beco estreito e pouco iluminado. – Mas não se preocupe, você terá ajuda de uma detetive... Ela também está a caminho...

Saindo do beco eles dobram a esquerda entrando em um parque.

Crás, crás, crás – Nesse momento ele percebe a presença de Jackie que voava logo acima deles.

Eles avançam por entre as árvores quando ouvem um som estranho que parecia uma voz estrangulada.

Seguindo esse som até que alcançam uma área mais aberta e se deparam com uma bela mulher com longas, pontudas e peludas orelhas, olhos levemente avermelhados e algumas caudas em suas costas, segurando um homem pelo colarinho enquanto o beijava com volúpia.

MIO:

Rompendo o beijo, conforme a boca da mulher se afastava eles puderam ver que ela sugava a alma do rapaz, enquanto uma névoa vermelha entra no corpo pela boca e o homem cai desacordado, com o corpo apresentando sinais de possessão conforme a aparência dele mudava.

A mulher percebe a presença dos três e olha para eles. Ela sorri com malícia e morde os lábios, analisando Satoshi de cima a baixo.

- Essa é a Kitsune conhecida como Mio. – Satoshi ouve Sayaka dizer em voz baixa. – Ela uma Yokai que usa o encantamento de sedução para cativar suas vítimas, sugando suas almas e colocando no lugar sua energia maligna, transformando-os em soldados dela. – Ela olha para o rapaz – Mas enquanto a transformação não se completar ainda poderemos tentar salvar o rapaz, revertendo os efeitos da possessão usando sua magia.

Além deles e de Mio, Satoshi não via mais ninguém. Fosse quem fosse a detetive que Sayaka mencionou não havia chegado ainda.

- Por que será que eu acho que você tá lascado? – Satoshi pode ouvir a voz de Jackie quando o pássaro pousa em seu ombro.

OFF:

"... Nunca vi o Tio ser tão educado com uma pessoa. Mesmo os fregueses mais frequentes e mais cheios de grana, parece que até gostam da rudeza e do jogo duro na hora da pechincha... mas isso não é meu problema agora! O problema é que o Tio parece estar assustado à beça com essa tal de Mio.

Me entregou alguns apetrechos - inclusive o baiacu seco - que eu coloquei na minha bolsa à tiracolo. E me mandou não ficar olhando muito pra ela. Eu até disse: "Tio, é só você pedir pro Koenma me liberar que eu não olho pra ela nem uma vezinha hoje nem nunca!", mas a cara que ele fez me deixou bem claro que isso estava fora de questão.

Consegui acabar de escrever isso daqui antes de sair atrás da menina flutuante pra caçar uma demônia pra quem eu não posso olhar muito. Se eu morrer, já sabe.

S."

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"Estou te escrevendo de novo, Sen, o que pode querer dizer que eu sobrevivi à noite, ou que encontrei um jeito de mandar mensagens mesmo morto. Vai lendo que você descobre:

Onde eu estava? Ah, é, o corre corre da cidade grande, tanta gente estranha, e eu seguindo uma menina voadora atrás de uma demônia, trombando em todo mundo e pedindo desculpa a cada cinco segundos... O Jackie pelo menos parecia estar se divertindo, Sen, se isso te agrada. Enfim, eventualmente a minha guia resolveu quebrar o gelo:

- Desculpe se tudo parece meio corrido. Nem me apresentei direito, mas você deve ter ouvido seu mestre me chamar de Sayaka, certo? Sou uma inspetora do mundo espiritual, mas com tantos problemas ocupando a maioria dos guias espirituais dos detetives, o Sr Koenma me pediu ajuda e aqui estou.

- Oi, prazer, Sayaka. Eu sou o Satoshi, caso o Sr. Koenma tenha te mandado me buscar sem falar meu nome... - do jeito que as coisas são no mundo espiritual, eu não duvido nada de eles terem algum jeito de identificar humanos sem se preocupar com nomes. Algum dia a gente conversa sobre isso, Sen. Agora tenho uma conversa pra continuar contando pra você: - É... pois é, não duvido nada que vocês estejam com o pessoal em falta, se estão mandando até alguém como eu pra caçar demônios!

Eu sinceramente espero que isso seja só muita gente de férias ou, sei lá, uma epidemia de gripe entre os funcionários do mundo espiritual, Sen. Se essa falta de pessoal for aposentadoria por invalidez ou engolimento de alma, eu não acho que eu vá durar muito tempo. Mas antes que pudesse pensar muito nisso, Sayaka continuou:

- Como anda seu treinamento com o Tio? Mio é uma Yokai bastante poderosa e persuasiva, espero que você tenha conseguido aprender os feitiços de proteção do Tio. Mas não se preocupe, você terá ajuda de uma detetive... Ela também está a caminho...

- Eh, meu treinamento tá daquele jeito... Eu sou bom com guardar informação e teoria, sabe? Mas o Tio ainda não me ensinou nenhum jeito de não ficar morrendo de medo de morrer, então isso pode ser um problema. Mas que bom que temos companhia! Ela é grandona? Acha que dá pra me esconder atrás dela em caso de necessidade?

Não deu tempo de responder nada. Nesse momento, nós encontramos, entre as árvores de um parque, uma cena terrível. Uma kitsune, bonita como eu nunca vi ninguém, sugando a alma de um ser humano! Ela acho que faz mais o seu tipo que o meu, Sen, mas mesmo assim eu não conseguia tirar os olhos dela, e não sabia se ia sair correndo dela ou na direção dela. Minha cabeça voltou a funcionar um pouco quando Sayaka começou a falar, e confirmou o que eu já imaginava. Aquela era Mio, a inimiga que fomos chamados pra caçar. E não havia sinal da detetive que ia nos ajudar.

Abri minha bolsa pra pegar o baiacu, mas sentia dentro de mim que não ia ter coragem pra levantar os olhos de novo. Se eu encarasse aquela mulher mais uma vez, tinha certeza que ficaria ou aterrorizado ou enfeitiçado. Até que reparei em outra coisa que o Tio tinha colocado na minha bolsa: um par de óculos escuros. "Velhinho genial!"

Tentando recuperar a cena, fiz o cálculo mental de passos e direção em que tinha que andar pra chegar ao corpo do homem caído. Pus os óculos escuros e quando olhei na direção da raposa, ela era só uma sombra no meio de outras sombras na noite. Ergui meu baiacu galantemente e gritei.

- Sayaka, Jackie, se eu estiver indo na direção errada, ou se meu feitiço não der certo, me avisem pelo amor do Koenma!; Umo buga fei di tal, umo buga fei di tal, UMO BUGA FEI DI TAL!!

Minha esperança era o feitiço repelir ela o suficiente pra conseguir me aproximar do homem caído, e impedir que ela sugasse a alma dele até o fim. Mas não fazia ideia se isso ia dar certo - nunca tive que usar esses feitiços em demônios de verdade antes!..."

Off:

Recitando o mantra de proteção ensinado por seu mestre, Satoshi avança na direção onde julgava que Mio e sua vítima estavam, uma vez que os óculos escuros, apesar da vantagem de evitar a beleza e encantamento da kitsune, atrapalhavam que ele visse com clareza por onde seguia.

Em contrapartida Sayaka e Jackie olhavam a cena de boca aberta diante da coragem repentina exibida pelo rapaz.

A pequena inspetora do mundo espiritual, sem ter tido tempo de responder sobre a detetive que viria ajudá-los ou mesmo de fazer qualquer outro comentário sobre a inimiga que iam enfrentar, piscava os olhos seguidas vezes enquanto o corvo, após sair do ombro de Satoshi, se acomoda sobre o ombro dela.

Levantando uma das asas e levando a frente do bico, Jackie balançava a cabeça negativamente e fechava os olhos como quem não acreditasse na atitude do rapaz.

Do outro lado Mio levava o dedo indicador a boca, mordendo a unha pontuda, enquanto sorria com malícia e olhava com curiosidade o rapaz que parecia destemido ao se aproximar dela.

Ela conhecia muito bem aquele mantra, a muitos anos atrás havia se deparado com um humano que havia utilizado ele para repelir seus encantos de sedução e posteriormente selá-la em um pequeno vaso que ficou esquecido por anos em um templo antigo até que seu mestre a encontrou e libertou.

- Cara, você ficou maluco! Sai daí! Sai daí agora! Essa não é uma inimiga para se enfrentar sem uma estratégia – Satoshi podia ouvir a voz de Jackie diretamente em sua mente.

Mio olha de relance para o homem caído ao chão e percebe que claramente o mantra o estava afetando uma vez que a transformação dele em yokai havia parado, mas algo estava diferente.

Talvez fosse os movimentos que o rapaz fazia com aquele amuleto esquisito, mas ela não se sentia afetada por aquele mantra como acontecera anos atras.

Quando finalmente o rapaz está próximo o suficiente para que estivesse a seu alcance, Mio retira o dedo da boca e morde os lábios enquanto usa uma de suas caudas para enlaçar o jovem rapaz e trazê-lo para junto do corpo dela.

- Ora, ora, ora... O que temos aqui... Se não é um belo exemplar humano – A voz soa melodiosa ao ouvido de Satoshi que poderia até sentir um arrepio percorrer seu corpo – O que pensa que vai conseguir com esse mantra, meu querido? – Mio passa a língua pelos lábios de forma que por milésimos de segundo, com o movimento, ela tocasse o lóbulo da orelha de Satoshi – Vamos, não se faça de difícil... Tire esses óculos e olhe para mim... Tenho certeza de que você irá gostar do que vou te mostrar... – A voz dela era lânguida, quase como um feitiço irresistível, enquanto uma de suas caudas acariciavam as pernas de Satoshi.

OFF:

"...
- Cara, você ficou maluco! Sai daí! Sai daí agora! Essa não é uma inimiga para se enfrentar sem uma estratégia. - telepatou pra mim o Jackie, aquele corvo impertinente.
- Jackie, eu sou um gênio e um covarde! Se eu parar pra pensar na atitude mais inteligente pra enfrentar essa coisa, a conclusão lógica é obviamente sair correndo daqui! - eu telepatei de volta. - Mas tem um maluco tarado por raposas morrendo ali, então vou fingir na minha cabeça que só estou sacudindo um peixe e cantando, sem pensar muito na existência do monstro sexy devorador de almas, pode ser? Só me diz se o feitiço está fun...

Antes que eu pudesse terminar a telepatagem, senti meu corpo ser agarrado por um negócio felpudo e forte à beça. Olhei por baixo das lentes, e percebi que a raposa tinha me enlaçado com sua cauda, e me erguia com a maior facilidade! Agora moiô, eu pensei. Não tenho nem força nem habilidade pra me desagarrar disso. E não tinha mesmo! Pra piorar, quanto mais perto eu chegava dela mais eu ficava tonteado pelo perfume e pelo calor.

Você sabe que eu sou tão sexual quanto uma panqueca, Sen, mas aquela raposa tem feitiços que... Eu não vou ficar me submetendo a suas mensagens dando risada da minha cara depois, mas a história é o que é: alguma coisa me fez ficar caidinho nela, Sen! Então quando ela me disse:

- Ora, ora, ora... O que temos aqui... Se não é um belo exemplar humano O que pensa que vai conseguir com esse mantra, meu querido? Vamos, não se faça de difícil... Tire esses óculos e olhe para mim... Tenho certeza de que você irá gostar do que vou te mostrar... - eu tinha certeza que iria tirar meus óculos! Era inevitável.

E a real é essa, Sen: eu não sabia se o que me motivava a ficar com os óculos era mais o aviso do Tio, de não ficar olhando pra ela, ou só meu medo desgraçado de olhar na cara de uma raposa demoníaca. Mas pouco a pouco meu medo ia sendo derretido por aquela voz dela, ou pelo feitiço, ou pela cauda boba dela que já estava, tenho que dizer, se esfregando de um jeito muito saliente pro meu gosto - ela nem pra me levar pra jantar antes!

Eu sabia que ia tirar meus óculos escuros, e assim ficar mais vulnerável aos encantos da Mio, e conforme minha mão direita ia subindo até meu rosto os poucos neurônios que eu ainda tinha estavam a todo vapor. Minha bolsa com os amuletos e selos que o Tio me deixou ainda estava a tiracolo. Eu não seria capaz de escolher nada com muito cuidado, mas sabia que se usasse minha prestidigitação eu teria uma chance de desviar a atenção da Mio, para que ela só olhasse para minha mão direita subindo pros meus óculos e se esquecesse da minha mão esquerda escarafunchando na bolsa atrás de alguma coisa. Parecia ser a minha única esperança, a menos que a tal detetive resolvesse aparecer logo.

Então, esse era o plano: usar meu Truque para que Mio olhasse só pra tremedeira da minha mão direita indo em direção aos óculos, e com a mão esquerda, puxar de dentro da bolsa alguma coisa com jeitão de selo que o Tio pudesse ter deixado pra mim, e colocar isso rápido entre o corpo da raposa e o meu. Com sorte eu conseguiria mais algum tempo, até alguma ajuda mais combativa chegar até nós."

off: