- Quero ajudar da melhor maneira possível. O que a senhora acha que eu posso fazer para ser mais útil por aqui? Há alguma família ou jovem em especial da comunidade que a senhora me aconselha a oferecer auxílio?
Míriam respondeu a Remy com uma mistura de gratidão e pragmatismo:
- Remy, fico feliz em saber que você está disposto a se envolver. Há várias maneiras de ajudar por aqui.
Ela fez uma pausa, pensando cuidadosamente antes de continuar.
- Muitos dos jovens que atendemos estão em situações de risco, especialmente aqueles que têm familiares envolvidos com gangues ou que vivem em áreas muito vulneráveis. Algumas dessas famílias estão tentando desesperadamente sair desse ciclo, mas precisam de mais apoio do que podemos oferecer com nossos recursos limitados.
Míriam então destacou uma situação específica.
- Se você está pronto para um desafio, há uma família que eu gostaria que conhecesse. Eles se mudaram recentemente para cá, fugindo de um ambiente ainda mais perigoso. A mãe, Rose, está criando dois filhos sozinha, e o mais velho, Samuel, de 16 anos, está em um ponto crítico. Ele é um garoto esperto, mas está sendo aliciado por uma das gangues locais. Se não conseguirmos ajudá-lo a encontrar um caminho melhor, temo pelo futuro dele. Rose está exausta e precisa de alguém em quem confiar.
Ela finalizou a mensagem com uma nota de encorajamento.
- Remy, sua presença pode fazer a diferença, mesmo que apenas como alguém que os ouça e ofereça orientação. Se estiver disposto, posso te colocar em contato com eles. Estou aqui para te apoiar no que for preciso.
- Dr. Harris, eu quero ajudar a proteger essas pessoas, antes que sua intervenção como médico seja necessária. Existe algum padrão específico nos casos que chegam até você?
Dr. Harris, um homem com um semblante sério, mas uma voz que carregava a experiência de anos de serviço na linha de frente, refletiu por um momento antes de responder.
- Infelizmente, sim, há padrões que começam a surgir, e eles são preocupantes.
Ele organizou seus pensamentos e continuou:
- A maioria dos casos de violência que tratamos envolve jovens, geralmente do sexo masculino, entre 15 e 25 anos. Muitos deles estão ligados a gangues, mas o que mais me preocupa é a crescente violência doméstica que temos visto. Muitas vezes, os mesmos jovens que chegam aqui com ferimentos de brigas de rua também estão envolvidos em conflitos dentro de suas próprias casas.
Dr. Harris fez uma pausa, olhando diretamente para Remy.
- Outro padrão que notamos é o aumento de overdoses. Muitos desses jovens estão se automedicando, usando drogas para lidar com o estresse e a pressão de suas vidas. E essas substâncias só aumentam a violência, tanto nas ruas quanto em casa.
Ele suspirou, a preocupação evidente em sua voz.
- Remy, se você puder ajudar a quebrar esse ciclo, seja oferecendo um caminho diferente para esses jovens ou ajudando as famílias a se fortalecerem, poderia fazer uma diferença real. A intervenção precoce é crucial. Se pudermos impedir que eles entrem nesse ciclo de violência, talvez possamos evitar que eles acabem aqui, nas emergências, ou pior.
- Essas gangues, vocês sabem se elas sobrevivem principalmente de roubos, tráficos ou há outras fontes de financiamento? Empresários, políticos...
Sandra, sempre cuidadosa em suas palavras, respondeu com um tom sério, mas controlado:
- Remy, essas gangues não se limitam apenas ao tráfico e roubos, embora essas sejam suas principais fontes de renda. Elas também estão envolvidas em extorsão, lavagem de dinheiro e contrabando de armas. No entanto, o que torna tudo mais complicado é o fato de que algumas delas têm laços com figuras influentes.
Ela fez uma pausa antes de continuar, escolhendo suas palavras com precisão.
- Não vou entrar em detalhes específicos, mas sim, existem empresários e até alguns políticos que, direta ou indiretamente, se beneficiam dessas atividades. Eles usam as gangues para fazer o trabalho sujo, mantendo suas próprias mãos limpas. Esses indivíduos fornecem financiamento, proteção legal e, em troca, as gangues executam favores ou mantêm o controle em certas áreas.
Sandra olhou para Remy com uma expressão grave.
- É uma teia complexa, e é por isso que qualquer informação que você possa reunir ou qualquer ajuda que você possa oferecer é valiosa. Para realmente desmantelar essas operações, precisamos entender como essas conexões funcionam e quem está por trás delas. Cada pedaço do quebra-cabeça que conseguimos juntar nos aproxima de uma cidade mais segura.
- Eu agradeço muito a oportunidade, dona Laura. Vou me esforçar ao máximo para que minhas atividades extras não influenciem negativamente no trabalho.
Laura sorriu calorosamente ao ler a mensagem de Remy e respondeu com um tom encorajador:
- Não se preocupe, Remy. Sabemos que suas responsabilidades como Garou são importantes, e valorizamos o equilíbrio entre o seu trabalho aqui e sua missão. O mais importante para nós é que você esteja presente e faça a diferença quando estiver disponível. Se precisar de alguma flexibilidade, não hesite em me avisar. Estamos todos do mesmo lado, e sua contribuição, seja grande ou pequena, é valiosa para nós e para a comunidade. Bem-vindo à equipe!
Norman suspirou, um toque de preocupação surgindo em sua expressão antes de responder:
- Infelizmente, já ouvi falar de alguns moradores que tiveram problemas, especialmente os mais jovens. A maioria tenta manter distância, mas tem alguns que acabam se envolvendo, seja por necessidade ou por falta de opções. O caso mais recente foi com o filho da senhora Kim, que mora no segundo andar. O rapaz tem apenas 18 anos e parece que se meteu com as pessoas erradas. Ela está preocupada, mas não gosta de falar sobre isso. As gangues são sorrateiras e sabem como pressionar os mais vulneráveis. Se você puder dar uma mãozinha e evitar que outros sigam esse caminho, seria uma grande ajuda para todos aqui.
Norman então deu um leve tapinha no ombro de Remy, como se quisesse transmitir alguma esperança naquelas palavras.
Remy saiu de seu apartamento, fechando a porta atrás de si com um leve clique, e desceu as escadas que rangiam sob seus pés. A noite caía sobre Vancouver, e a cidade começava a se transformar, revelando um lado mais sombrio e intenso à medida que as sombras se alongavam e as luzes dos postes se acendiam. O jovem garou ajustou o capuz de seu moletom, não tanto para se proteger do frio, mas para se misturar melhor com a paisagem urbana, como se quisesse observar sem ser notado.
As ruas de Downtown Vancouver estavam cheias de vida, mas não era exatamente a vida vibrante que se via nas áreas mais turísticas da cidade. Havia uma energia crua e quase opressiva, com pessoas se movendo rapidamente, algumas sozinhas, outras em grupos pequenos. Rostos marcados pelo tempo, pela luta e, em muitos casos, pelo desespero. Remy sentia uma empatia natural por essas pessoas, talvez pela influência de sua tribo ou simplesmente por sua natureza compassiva.
Ele caminhou devagar, seus olhos atentos captando os detalhes da vizinhança. Notou como as lojas de conveniência tinham grades de proteção nas portas e janelas, os grafites que adornavam as paredes de tijolos desgastados, as sirenes que soavam à distância, misturadas com as vozes roucas das pessoas que passavam. A atmosfera era carregada, mas não o assustava. Pelo contrário, isso apenas reforçava sua determinação.
Depois de caminhar por algum tempo, Remy avistou a cafeteria de que Norman havia falado, um pequeno oásis em meio ao caos da cidade. A placa de néon piscava, sugerindo que o lugar ainda estava aberto. Ele entrou, sentindo o calor agradável do ambiente e o cheiro de café fresco que pairava no ar. O local era modesto, com poucas mesas, e o movimento estava tranquilo. Algumas pessoas estavam sentadas em silêncio, bebendo café ou mexendo em seus celulares.
Do lado de fora, a Princess Avenue estava viva com a atividade noturna. Carros passavam lentamente, pessoas se reuniam nas calçadas, e, ao longe, ele podia ver os faróis das bicicletas de entregadores se movendo rapidamente. A cena era uma mistura de pressa e espera, de ruído e silêncio, como se a cidade estivesse em constante batalha consigo mesma.
No café, Remy foi atendido por uma jovem de cerca de vinte e poucos anos, com cabelos castanho-claros presos em um rabo de cavalo. Ela usava um avental azul sobre uma camiseta preta, e seus olhos castanhos tinham um brilho caloroso, apesar das olheiras que denunciavam uma rotina cansativa.
Ela se aproximou da mesa de Remy com um sorriso profissional.
— Boa noite, o que posso trazer para você? — perguntou ela, a voz suave, mas firme.
Remy pediu um café simples e um muffin de mirtilo. A garçonete anotou o pedido com rapidez e, enquanto fazia isso, olhou rapidamente para o lado de fora, como se estivesse acostumada a ficar atenta ao movimento nas ruas.
— Você é novo por aqui, não é? — perguntou ela, enquanto guardava o bloco de notas no bolso do avental. Havia uma curiosidade genuína em seu tom — Bem, só um conselho, tome cuidado à noite. Downtown pode ser um pouco imprevisível, especialmente nas ruas próximas. Se precisar de alguma coisa, estarei por aqui — disse, antes de se virar e ir buscar o pedido dele.
Seu tom era amigável, mas havia uma seriedade implícita em suas palavras. Era como se ela soubesse que as ruas de Vancouver guardavam segredos e perigos dos quais os recém-chegados não estavam cientes.
Remy estava terminando seu café, os olhos fixos na rua enquanto a cidade seguia seu curso noturno. De repente, algo no movimento do lado de fora capturou sua atenção. No início, foi apenas um grupo de homens se aproximando do outro lado da rua, perto de um beco escuro que a iluminação precária dos postes mal conseguia penetrar. Ele notou, com um arrepio de alerta, que havia uma tensão palpável no ar, como se o próprio ambiente estivesse retendo a respiração.
O grupo de homens era composto por orientais de aspecto sério, todos vestindo roupas escuras, movendo-se como uma unidade coesa. Eles estavam em formação, suas feições duras e determinadas. Remy percebeu que eles estavam indo na direção de outro grupo, esse composto por homens de feições mais comuns em Vancouver. Era claro que não era um encontro amigável. Os dois grupos pararam a uma curta distância um do outro, e o silêncio da rua foi quebrado por palavras duras e gestos agressivos.
De onde estava, Remy não conseguia ouvir o que estava sendo dito, mas o tom de voz e a linguagem corporal dos homens deixavam claro que aquilo não acabaria bem. De repente, a tensão explodiu em violência pura. Os dois grupos se moveram com uma rapidez assustadora, como predadores em um ataque coordenado. Remy piscou, mal acreditando no que via; os movimentos eram tão rápidos que ele mal conseguia acompanhá-los.
Os orientais, ágeis e precisos, avançaram como um trovão. Um deles desferiu um golpe que derrubou um dos locais instantaneamente, enquanto outro o seguia com uma série de chutes e socos em um padrão implacável. A luta era brutal e curta, com os orientais dominando com facilidade. Em questão de segundos, o grupo nativo estava em desvantagem. Remy podia ver a força e a disciplina nos ataques dos orientais, cada movimento deles parecia ensaiado, como se fossem máquinas de combate perfeitamente treinadas.
Um dos locais, percebendo o perigo iminente, tentou recuar, mas foi interceptado com um golpe mortal na garganta, que o fez desabar, o sangue jorrando de forma grotesca. O segundo homem lutou desesperadamente, mas foi rapidamente imobilizado por dois dos orientais que o atacaram simultaneamente, derrubando-o no chão com golpes rápidos e letais. Em questão de segundos, o homem estava imóvel, seu corpo ensanguentado formando uma poça na calçada.
Remy observou, sentindo o coração acelerar, enquanto os orientais se afastavam rapidamente, deixando os corpos de seus inimigos na calçada. Tudo havia acontecido tão rápido que parecia surreal, como se fosse uma visão momentânea de um pesadelo. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor, quebrado apenas pelo som de sirenes à distância, provavelmente alertadas pelo breve caos.
Ele ficou paralisado por um momento, a cena ainda se desenrolando em sua mente. Aquela não era uma simples briga de gangues; havia algo mais naquele confronto. Remy sentiu um calafrio, não só pelo que acabara de presenciar, mas também pela certeza de que aquilo era apenas a ponta de algo muito maior e mais perigoso. Ele sabia que Vancouver era um lugar complicado, mas agora, ao ver a brutalidade tão de perto, sentia-se ainda mais comprometido com sua missão.
Ele precisava descobrir mais sobre essas gangues e a violência que estava corrompendo a cidade. Algo mais sombrio estava por trás disso, e Remy sabia que, de uma forma ou de outra, teria que enfrentar essa realidade.