☆A FORASTEIRA☆ | Mi'larhys ☆VÊNUS☆ Mila Rhys |
Quando decidiu que seu período de formação fora de casa deveria se dar em Mi'wan, ninguém entendeu muito bem. Era um planeta bonito, certamente. Um bom destino de férias, para os que gostavam de atividades aquáticas. Mas morar lá por um tempo? O que ela poderia tirar de bom dessa experiência?
Nenhum mi'wanish havia pisado em Lynn — e era verdade que seus corpos frágeis seriam esmagados pela gravidade, mesmo no topo de Crna Gora, a grande montanha da qual os governante presidiam o planeta. Apesar disso, os lynnish sabiam o que esperar: os habitantes da Estrela Azul eram rudes e barulhentos, fediam como gorens e dedicavam suas vidas a um esforço inútil para acasalarem com os de melhor estética. Tinham cinco sentidos, mas só valorizavam a visão. Quando dormiam, tinham "sonhos", que era a forma das suas mentes primitivas correrem livres por um terço de suas breves vidas.
Mas Mi'larhys não os percebia assim. Sabia que os mi'wanish pareciam atrasados — como irmãos mais novos daquele Sistema Solar, mais próximos dos ke'tanish do que dela mesma. Porém, ela confiava que havia lições poderosas a serem vivenciadas na "Terra". Os habitantes da Estrela Azul eram capazes de grande nobreza, coragem e alteridade. Eles podiam ser resilientes e valorosos. Ela os estudou por mais de 15 raknas e estava convencida de que nada em Andor ou Valorean poderia agradá-la mais do que aquilo que a esperava em Mi'wan.
... como ela pôde estar tão errada?
As coisas degringolaram tão rápido que era difícil colocar os eventos em ordem. Primeiro, Kima a tinha acusado de querer agredir Alex — como se Mi'larhys não fosse a que estivesse chorando ali. Depois, Alex havia se desculpado — mas deixando claro que não sabia pelo quê, de modo que se percebia inocente de tudo e não estava verdadeiramente arrependido de nada. Mi'larhys quase teve pena de Kima: lidar com Alex em um relacionamento não seria fácil. Mas a garota parecia boba o suficiente para achar que estava fazendo um bom negócio.
Hana falava com ela — em sua mente — e Mi'larhys acompanhava sem problema algum os pensamentos que a garota achava que poderiam ser confusos para a Forasteira. Não eram. Ela sabia o que era uma metáfora e o que "la vie en rose" queria dizer. Estava atraída pelo Hyperboy, mas não era o mesmo sobre o que Edith Piaf cantava. Mi'larhys já tinha ouvido Piaf, bem como muitas das músicas da "Terra". Só não tinha experimentado os sentimentos equivalentes, ainda.
Daquela vez, não usou palavras. Apenas transmitiu entendimento, acolhimento e bem-estar para Hana. Queria mostrar que compreendia e valorizava as sensações e lembranças que ela buscou partilhar. Mostrou um vestígio dos próprios registros mentais, cenas de seu povo: talvez Hana as visse como uma sociedade de mulheres, mas Mi'larhys buscou esclarecer que elas mesmas se viam apenas como pessoas. A ideia de gênero não existe em Lynn — que Hana percebeu ser o nome pelo qual a própria Forasteira chamava seu planeta de origem.
Enquanto isso, os garotos e Kima se lançam numa briga contra o herói que, agora, descobriu se chamar Sentinel. Hana queria vê-lo sem roupas. Talvez o pensamento tenha desviado de um e chegado ao outro, meio atravessado, porque foi Jack quem, do nada, tirou a camisa. Pablo tropeçou e caiu, todo dundi, e Kima não fez muito melhor: estava insegura. Será que ela percebia que Alex tinha ido longe demais? O próprio Hyperboy estava irritado e assustado — agindo também como um dundi. Jack havia tentado algo? Difícil dizer.
Sentinel se cansou daquela loucura, aparentemente, e saiu pela janela. Hana foi consolar os garotos e começou a lidar com os destroços do enfrentamento. Mi'larhys poderia estender a mão para Kima e Alex, mas... eles tinham um ao outro. E não mereciam que ela saísse de seu caminho para ajudar quem só a perseguia e destratava desde que chegou àquele planeta.
Apesar disso, não queria que os eventos daquela manhã azedassem as relações entre Alex e a família. Ele era um idiota, mas a Hyperwoman era legal: não merecia ter que lidar com tantos problemas em sequência por causa do filho. E, no fundo, Mi'larhys achava que estar em maus lençóis com os pais deixaria o Hyperboy triste. E, por mais que quisesse matá-lo com as próprias mãos, não queria vê-lo cabisbaixo pela casa, sem que ela pudesse fazer nada além de ver a estabanada da Kima tentar animá-lo.
Então, sem parar para explicar — o tempo para agir se esgotava! — levantou um voo leve e saiu pela janela, mudando para sua "forma humana" antes de tocar o chão, logo a frente de Sentinel, interceptando-o antes que pudesse entrar no carro.
— Obrigada. Por ter me defendido. — ela vocalizou, olhando nos olhos. Deixou transparecer seus olhos cor-de-rosa por um instante e depois retornou-os ao castanho "terráqueo", só para ter certeza de que ele a reconheceria.
Mudando para comunicação telepática, continuou:
(Telepatia: Sentinel) — Posso falar com você assim? A vocalização é desconfortável para o meu povo. Não vou acessar seus pensamentos nem memórias. Apenas conversar. Você aceita? Basta pensar no que quer me falar e eu vou ouvir. E respondo, desse jeito. Quero só uns minutos do seu tempo. Podemos ir andando até a porta da escola. Pode ser?
Mi'larhys disse que não exploraria os sentimentos dele, e cumpriu. Portanto, não sabia se Sentinel estava disposto a cooperar. Mas, sorriu com a maior doçura possível, e completou:
(Telepatia: Sentinel) — Meu nome é Mi'larhys. Mas as pessoas da Terra me chamam de Mila.