A ERA DAS MIL CIDADES
A difusão da fé menita e a derrota dos molgur permitiram uma rápida propagação da civilização através de planícies, colinas, florestas e costas de Immoren ocidental. Cada pedaço de terra fértil ou morro parcamente defendível era tomado por lordes ambiciosos. Isso foi responsável por uma era não menos dividida pelo conflito, mas que trouxe muitos avanços. Os povos colonizados desta era tinham o luxo de muita comida e abrigo, assim como o comércio com vizinhos, pelo menos quando não estavam em guerra. As batalhas desta era não eram entre a civilização e a área selvagem, mas sim entre cidades-estados rivais.
A expansão da navegação e do comércio também deu origem a novas profissões, assim como novos perigos, com mercadores influentes e piratas se aproveitando dos cidadãos. Nas cidades em crescimento, surgiam camadas variadas da sociedade, dando origem àqueles que poderiam dedicar suas vidas a ofícios que não a agricultura ou a guerra. Em todo Immoren ocidental, mil pequenos feudos e fortalezas apareceram, sendo cada um deles uma cidade fortificada liderada por um soberano que desejava unir os povoados em volta, tanto para protegê-los quanto para explorá-los. Pela tradição, esses soberanos buscavam as bênçãos dos sacerdotes menitas para legitimar suas alegações.
Logo, a conquista e a diplomacia viram os feudos mais fracos serem esmagados ou se unirem, abrindo caminho para reinos maiores, cada um competindo pela dominação. No final desta era, menos de uma dúzia de nações fortes havia intimidado e unificado a maioria das outras.
Por todas as mudanças que marcaram esta era, ela é mais lembrada pelo aparecimento dos Gêmeos: um irmão e uma irmã de Caspia que superariam os limites mortais e traçariam caminhos bem diferentes para a iluminação antes de ascenderem à divindade.
A ASCENSÃO DOS GÊMEOS
Morrow e Thamar nasceram em 1930 AR. Os eventos exatos do início das suas vidas estão envoltos em incerteza. O pouco que se sabe vem dos seus escritos combinados, que foram reunidos no Enkheiridion, o texto sagrado da fé morrowana, e dos testemunhos de seus seguidores. Independente da sua criação, Morrow e Thamar eram pensadores brilhantes e radicais cujos ensinamentos redefiniriam o mundo que veio a seguir.
No final da Era dos Senhores da Guerra, a fé menita era inquestionavelmente a dominante. Correntes de fidelidade espiritual conectavam cada ser humano ao seu Criador e a Verdadeira Lei governava todos os aspectos da vida. Os sacerdotes menitas aconselhavam reis e, às vezes, governavam suas cidades, cabendo à casta dos perscrutadores aplicar a lei. Após a morte, as almas dos fiéis seriam regidas pelos sacerdotes na Cidade do Homem. Embora a civilização tenha chegado a Immoren, para a maioria isso significava a servidão na mão de tiranos espirituais.
Morrow foi criado como menita e respeitava o Juiz pelos dons que haviam estimulado a civilização. Mesmo assim, ele questionava como a Verdadeira Lei era interpretada e, em particular, desafiava a tirania do clero. Thamar foi ainda mais extrema em seu ódio contra os sacerdotes menitas. Os historiadores supõem que os pais dos Gêmeos tenham sido executados por perscrutadores, dando origem a este sentimento compartilhado.
Seus ensinamentos se mostraram extremamente subversivos. Em 1905 AR, a influência de seus escritos podia ser vista na comunidade intelectual de Caspia e de outros locais. Morrow serviu como soldado por uma década de sua vida e escreveu sobre os horrores da guerra e os desafi os de encontrar a honra nos momentos mais sombrios. Ele era um orador incomparável, além de um líder carismático, e falava sempre que viajava, primeiro nas ruas de Caspia e, depois, em peregrinações pelo mundo. Ele usava seu tempo para ajudar os menos afortunados, especialmente aqueles que sofriam de lesões duradouras, doenças ou fome, e recebeu a reputação de curandeiro e milagreiro.
O caminho de Morrow para a iluminação — e as questões que ele deixaria para as gerações posteriores — enfatizavam a busca por um bem maior. Ele acreditava que a bondade exigia mais do que obedecer à Verdadeira Lei — exigia benevolência, misericórdia, compaixão e autossacrifício. Ele postulava que, através da reflexão e de um profundo entendimento do mundo, uma pessoa poderia transcender a carne, liberando o potencial ilimitado da alma imortal. Este poder poderia, então, ser usado para o bem de todos.
Embora no princípio Morrow e Thamar compartilhassem algumas crenças, seus caminhos se dividiram e se tornaram opostos. Ambos acreditavam em questionar a autoridade menita e em buscar iluminação, mas Thamar não concordava que isso exigia o autossacrifício. Ao invés disso, ela afi rmava que a liberação do potencial da alma humana exigia liberdade absoluta — física, mental e espiritual. Para ela, o bem para o humanidade exigia que cada pessoa encontrasse sua força individual e se elevasse acima daqueles que não tinham a vontade. Thamar tinha fome de conhecimento e passou a acreditar que a mente humana poderia perceber e moldar o próprio tecido da realidade. Em sua busca pela iluminação, ela se aprofundou no oculto, buscando o domínio do sobrenatural, incluindo conhecimentos profanos e proibidos. Ela aprendeu todos os idiomas e consumiu tomos e pergaminhos com um apetite voraz. Enquanto os ensinamentos de Morrow fi ncavam raízes e eram abraçados pela sociedade estabelecida, Thamar era procurada por pensadores radicais, párias e aqueles que buscavam se libertar da tirania.
Os respectivos cultos e escritos dos Gêmeos chamaram a atenção dos perscrutadores do sul, que iniciaram uma campanha para erradicar sua influência. Seus seguidores eram presos, torturados e, então, executados por estiramento ou queimados vivos. Ao ouvir sobre esta perseguição, Morrow e Thamar se reconciliaram e proferiram um chamado a todos que haviam sofrido sob o domínio menita. Milhares consideraram essa a oportunidade de dar o troco aos sacerdotes pelos incontáveis excessos.
Os povos reunidos se transformaram em um exército que marchou em Caspia em 1900 AR. O rei-sacerdote da cidade, o Hierarca Heletius, os encontrou com seus próprios soldados zelosos, confiantes de que o Criador estava do seu lado. Em meio à grande batalha, Morrow lutou contra o rei-sacerdote pessoalmente, o desarmando e exigindo sua rendição. Thamar interveio, empalando o sacerdote desarmado com sua lança antes que ele pudesse responder. Morrow jurou que ela responderia por esse ato após a batalha ser vencida. Este foi o início de uma divisão irreconciliável. Logo, o resto do exército menita foi eliminado e os Gêmeos conseguiram sua vitória.
O par foi recebido em Caspia como heróis. Morrow foi escolhido para liderar a cidade e guiar seu povo, uma responsabilidade que ele aceitou com relutância, esperando colocar seus princípios em prática. O Enkheiridion fala desta época como uma provação difícil, quando Morrow enfrentou dilemas para os quais não havia solução fácil. Seu primeiro desafio envolvia cimentar a paz com o clero menita restante. Morrow não desejava expulsá-los da cidade ou privá-los de sua religião. Buscando a harmonia, ele chegou a um acordo: prometeu proteger os templos menitas e homenagear o Criador do Homem — e, por último, que Thamar responderia pelo crime de assassinato do Hierarca Heletius.
Morrow ficou diante de sua irmã e disse o que havia sido acordado. Mostrando uma humildade incomum, ela implorou o perdão por suas ações imprudentes. Morrow considerou que seu arrependimento era falso e a exilou de Caspia, prometendo a morte caso ela voltasse. Assim, Thamar foi expulsa da cidade que ajudou a libertar, aumentando sua amargura em relação a todos que tinham a autoridade, incluindo seu irmão.
Como mestre da cidade, Morrow se sentiu compelido a expugnar o mal das ruas e ordenou que os seguidores de Thamar fossem presos. Ele tentou eliminar todo o crime e a corrupção, uma tarefa que se mostrou impossível e gerou medidas cada vez mais austeras. Embora a vida dos cidadãos caspianos tenha melhorado imensamente sob a orientação sábia de Morrow, muitas liberdades foram cortadas.
Vivendo no exílio, Thamar passou vários dos próximos anos nos estudos do oculto nos limites da civilização. Ela dominou os fundamentos da alquimia, procurou os xamãs da Serpente nas áreas ermas e localizou os sábios do reino sombrio de Morrdh. Ela inventou seu próprio alfabeto e um idioma chamado telgesh, o que teria sido um elemento chave para a sua ascensão. Ela também travou sua guerra particular contra os sacerdotes menitas e plantou as sementes da discórdia em Caspia de longe, ao contatar aqueles que se ressentiam do governo de Morrow.
Haveria uma reunião decisiva entre os Gêmeos em 1894 AR. Thamar voltou a Caspia e assumiu o controle de um exército que surgiu do interior da cidade, e aqueles que a haviam governado em nome de Morrow foram assassinados em seus lares ou atacados nas ruas. Thamar abriu um caminho de destruição pela cidade enquanto se dirigia ao palácio de Morrow, mostrando poderes terríveis sobre os elementos. Aqueles que tentaram impedi-la morreram, rasgados por ventos ferozes, queimados por fogos sombrios ou perfurados pela lança dela. Os prédios ao seu redor ruíram, enquanto os mortos atrás dela se levantaram e atacaram os vivos. Morrow percebeu que a única forma de evitar maiores danos à sua cidade era enfrentá-la pessoalmente. No portão externo daquilo que se tornaria o Sancteum, os Gêmeos tiveram um duelo brutal.
Enquanto Morrow tentava proteger os inocentes dos poderes profanos de sua irmã, Thamar o provocava, o acusando de se tornar o que ambos desprezavam. Ela mostrou como a cidade havia enfraquecido sob o domínio dele, com seu povo destituído da liberdade e servil demais para se defender do mundo hostil além das muralhas de Caspia. Em um frenesi de poder destrutivo, ela deixou o céu escuro e invocou uma tempestade de fumaça e fogo que ameaçava consumir a cidade. Morrow viu, nestes momentos fi nais, como suas próprias escolhas haviam causado isso, como sua relutância ao perdão havia colocado sua irmã em um caminho mais sombrio. Enquanto Thamar se preparava para destruir tudo o que ele construíra, ele percebeu que a única forma de impedi-la era se sacrificar. Ele se aproximou e aceitou o impacto total da sua fúria.
Thamar o atingiu bem em frente à multidão reunida. Todos testemunharam a carne de Morrow se transformar em espírito e sua ascensão aos céus, enquanto a tempestade sobrenatural era dissipada por uma luz mais brilhante que o sol. O poder da apoteose de Morrow acalmou os ventos selvagens, transformou os mortos-vivos em pó e protegeu aqueles que se reuniram do ódio de Thamar. Fortalecidos pelo seu exemplo e não mais temendo Thamar, as massas a subjugaram. Ao invés de usar seu poder para fugir, ela permaneceu fi el ao seu caminho, se recusando a se entregar, e foi destruída pela multidão. Em sua morte, Thamar também ascendeu, se tornando uma fumaça preta que se dispersava enquanto ela passava para Urcaen. Tudo o que sobrou dela foram as páginas negras dos seus escritos.
Um dos principais discípulos de Morrow, um homem chamado Laertes Prado, coletou a obra escrita de Thamar com a intenção de destruí-la, mas uma aparição de Morrow se manifestou e o fez parar. Morrow disse a Prado para unir seus escritos aos de Thamar. Ele insistiu que as palavras da sua irmã deveriam ser preservadas com as suas próprias para ilustrar a Volição, reunindo as duas escolhas — os escritos dela eram lições tão importantes para aqueles que viriam no futuro quanto as suas. A figura, então, desapareceu, mas seus seguidores não ficaram tristes, pois sabiam que Morrow continuaria a observá-los de Urcaen como um deus.
A PURIFICAÇÃO
Morrow e Thamar se tornaram símbolos de duas trilhas distintas para a iluminação. A fama das suas ascensões se espalhou, apesar dos esforços dos perscrutadores menitas para reprimi-la. Os menitas ampliaram suas caçadas e isso se tornou a Purificação, uma época terrível de conflito religioso, executada da mesma forma rigorosa que os menitas usaram contra os molgur. Comunidades inteiras foram excomungadas e erradicadas, enquanto os morrowanos eram forçados ao exílio.
Embora os ensinamentos de Morrow nunca tenham sido totalmente expurgados de Caspia, o Templo Menita recuperou a liderança da cidade em 1882 AR. Este foi o ano no qual o Guardião Laertes Prado foi capturado, torturado publicamente e, depois, executado pelos perscrutadores da cidade. O Enkheiridion original foi perdido e tido como destruído, embora cópias a mão tivessem feitas e preservadas pelos sacerdotes que fugiram Prado se tornou um herói do início da igreja, pois a dar os nomes dos morrowanos. Nos séculos posteriores, foi descoberto que ele havia escondido o Enkheiridion e levado o conhecimento sobre sua localização para o túmulo.
Em 1866 BR, um sacerdote chamado Nolland Orellius recebeu um presságio para fundar um mosteiro fortificado em meio às Montanhas da Muralha da Serpente e se dedicar à preservação dos escritos e dos ensinamentos dos Gêmeos. Esse foi o Divinium, com Orellius se tornando o primeiro primarca da Igreja de Morrow. Sob sua direção, a hierarquia da igreja tomou forma enquanto seus clérigos organizavam esforços para esconder os fiéis dos perscrutadores menitas.
Quando Orellius morreu, Morrow apareceu para ele e levou sua alma para a pós-vida. Orellius se tornou o primeiro Arconte de Morrow, um espírito angelical que auxiliaria o deus em Urcaen. Uma semana mais tarde, esse arconte se manifestou perante o sucessor de Orellius, como um sinal das boas graças de Morrow. Deste ponto em diante, cada primarca se tornou um arconte após a morte para se juntar ao crescente grupo que trabalha para atender à vontade de Morrow. Após a morte do anterior, cada primarca novo foi anunciado pela manifestação de um ou mais arcontes, como um sinal inequívoco da mão de Morrow. Morrow foi denominado o Profeta, pois, através dos arcontes, passava as profecias aos fiéis.
Embora a sobrevivência das suas fés fosse tênue nesses primeiros dias, os ensinamentos dos Gêmeos se mostraram duradouros. O culto de Thamar se difundiu lentamente, mesmo quando o de Morrow se tornou importante. As relações entre essas fés mostraram ser complexas e ter mudanças constantes, refletindo, talvez, as relações entre os próprios deuses.
OS PRIMEIROS ASCENDIDOS E PROLES
Morrow e Thamar foram seguidos por outros que ouviram seus ensinamentos e chegaram à grandeza, às vezes atingindo a iluminação, geralmente no momento de sua morte. Aqueles que seguiram o caminho de Morrow se juntaram a ele como ascendidos, figuras santas que supostamente incorporam os mais nobres aspectos da alma humana. Aqueles que seguiram Thamar eram as proles, considerados sagrados pelo seu culto, mas difamados pela maioria. Os ascendidos e as proles se tornaram aspectos essenciais das fés dos Gêmeos—os fiéis consideravam esses seres sagrados como patronos e oravam para eles, como intermediários de Morrow ou Thamar.
A primeira ascendida de Morrow foi uma mulher guerreira do norte gelado chamada Katrena, uma donzela escudeira de berço nobre das tribos skirov que ouviu a mensagem de Morrow e atendeu ao chamado para se juntar à nova igreja no Divinium. Naquela época da Purifi cação, sua habilidade marcial foi muito necessária e ela inspirou outros a pegar em armas e defender a fé. Katrena protegeu os sacerdotes da igreja, incluindo aqueles corajosos o suficiente para difundir seus ensinamentos, apesar dos perscrutadores menitas que os caçavam. No fim, ela morreu e ascendeu em 1810 AR ao proteger o terceiro primarca, Orestus I, de um assassinato. Ao ver sua ascensão, os pretensos assassinos largaram suas armas e imploraram pelo perdão do Primarca, se convertendo para a fé. Nos séculos seguintes, muitos que empunharam armas para defender os outros adotaram o selo de Katrena. Ela seria respeitada por aqueles de berço nobre que ouviam a mensagem de Morrow e buscavam cumprir suas responsabilidades de forma honrada.
Em vida, Thamar foi acompanhada em suas investigações do oculto por Ekris, um homem com uma mente brilhante e um apetite pelo conhecimento, que também era seu consorte e discípulo. Ao ouvir sobre sua ascensão, ele jurou seguir o seu caminho e se reunir com ela em Urcaen. Ekris passou décadas refazendo seus passos e se aprofundando nos glifos telgesh, confirmando a ligação destes com os escritos e os rituais antigos de Morrdh. Dizem que Ekris usou conhecimento proibido para barganhar com poderes infernais a extensão da sua vida mortal. Por mais de cem anos, ele se aprofundou nos mistérios do oculto e cumpriu seu juramento. Ascendeu após sua morte, em 1780 AR, para se tornar a primeira prole de Thamar. Ekris recebe orações daqueles que buscam a iluminação através do conhecimento proibido.
Outros indivíduos excepcionais chegariam à ascensão, nem sempre de forma previsível. A próxima prole foi uma bruxa chamada Delesle, que passou sua vida aterrorizando templos menitas através das artes necromânticas. Embora criticados, os ataques de Delesle serviram para proteger o início da fé morrowana. Sua ascensão negra foi em 1610 AR, causando sua própria morte ao cair sobre uma espada sombria. A prole Delesle se tornou patrona dos necromantes, assim como da rebeldia contra a tirania.
Em 1590 AR, uma mulher chamada Ellena ascendeu e se juntou a Morrow após passar décadas em viagens, difundindo a fé morrowana através de Immoren ocidental. Outro campeão altruísta morrowano, chamado Doleth, buscou a iluminação ao transpor o Meredius. Ele é lembrado por resgatar aqueles que foram pegos pelas tempestades nessas águas perigosas. Ele ascendeu em 1411 BR e teve um forte grupo de seguidores entre os pescadores, marinheiros e barqueiros, que rezavam para ele na esperança de terem viagens seguras.
A demonstração de que nem todos os seguidores da deusa eram explicitamente sinistros como Ekris ou Delesle foi a inesperada ascensão da Prole Drayce em 1400 AR, um nobre influente e de prestígio dos primeiros anos de Thuria, que elevou sua cidade para uma potência regional através da política implacável e do estímulo ao comércio. Embora seja condenado por sua corrupção, muitos soberanos seguiram o exemplo de Drayce, tratando seus escritos como um guia para um governo pragmático.
Através dos séculos, mais ascendidos e proles surgiriam para fortalecer suas respectivas fés. Acredita-se que esses emissários sagrados se manifestem periodicamente em Caen para orientar os mortais. Os ascendidos trabalham através de sonhos e visões, enquanto as proles preferem possuir os mortais e controlar seus corpos para dar continuidade a seus planos em Caen.
GUERRAS DO NORTE E A QUEDA DE MORRDH
Enquanto o surgimento dos gêmeos no sul levou a expurgos religiosos, os khards estavam em guerra no norte. Os ensinamentos dos gêmeos chegariam às terras do norte também, mas se espalhariam de forma mais gradual ao longo dos séculos, facilitando os acordos entre religiões velhas e novas.
Em 1690 AR, as terras ao sul das Montanhas Nychatha viram surtos esporádicos de confl ito armado entre os senhores da guerra dos kossitas, os skirov, e os senhores dos cavalos do sul de Khard. Kos nunca conseguiu se unificar como um reino, embora seus habitantes fossem ferozes na batalha e perigosos em sua nativa Floresta da Cicatriz. Os skirov haviam se voltado tão fervorosamente para a fé menita quanto costumavam uivar para a lua em louvor à Serpente, e eram guerreiros montanheses sem igual. No entanto, quando os exércitos skirov marcharam para as planícies para encontrar seus inimigos khárdicos, eles foram atropelados por cavalos pesados. Essas batalhas poderiam ter continuado interminavelmente caso uma terrível praga não tivesse varrido tanto os skirov quanto os kossitas, misteriosamente deixando os khards intocados. Os khards foram capazes de usar essa vantagem para tomar enormes extensões de terras. Entre as cidades conquistadas pelos khards estava Molga, que eles chamaram de Khardov em veneração a Khardovic.
O reino de Morrdh, agora em declínio, foi dilacerado por conflitos internos e as guerras externas. Uma luta interna pelo poder deixou o reino fraco e governado por loucos que antagonizaram seus vizinhos no momento em que as pessoas estavam desesperadas para reconstruir. Sem fundos para pagar por suas guerras, os senhores de Morrdh cometeram uma blasfêmia imperdoável, ordenando a pilhagem de vários túmulos no norte de Midar para reforçar seu tesouro escasso.
Isso incitou os midar contra eles e logo esses dois reinos se envolveram em uma luta amarga. Morrdh havia encolhido dentro das florestas escuras e vales do seu interior, com sua força militar sendo uma sombra do que já havia sido. Embora seus senhores possuíssem poderes terríveis, eles não eram sufi cientes para suportar uma guerra duradoura contra os midar, com suas terras férteis e população abundante. Os midar se tornariam um bastião da fé morrowana e, assim, a queda de Morrdh em 1500 AR foi vista pela maioria como um triunfo morrowano sobre um mal ancestral que havia atormentado estas terras por dois mil anos.
Os descendentes dispersos de Morrdh se tornaram os morridanos que, desde então, foram desprezados e tratados com desconfiança. A destruição de Morrdh deu aos reinos vizinhos a oportunidade de se consolidar. Lenta mas inexoravelmente, as Mil Cidades foram repartidas pelas fronteiras dos reinos em crescimento. O reino de Thuria passou a ser dominante no ocidente, inicialmente se unindo para proteção mútua contra os trolloides dos Emaranhados. Embora os midar tenham permanecido vagamente coligados e nunca tenham formalizado um reino central, suas comunidades fizeram pactos de solidariedade mútua, sendo conhecidos como Terra do Meio. As planícies ao norte de Thuria e ao sul de Khard deram origem ao reino de Tordor.
Em 1443 AR, Khardov era a maior cidade no norte e começou a exercer seu domínio sobre os territórios vizinhos. Os ganhos apreendidos dos kos e os skirov levaram o jovem embora carismático Sveynod Skelvoro a declarar-se imperador, fundando o Império de Khard. Os kos foram os primeiros a cair perante eles. O último dos nobres kos se rendeu ao imperador em 1382 AR.
Vários outros senhores dos cavalos orgulhosos que habitavam o leste de Khardov se recusaram a curvar-se ao imperador, alegando que sua linhagem descendia diretamente do Rei-Sacerdote Khardovic. Em seus últimos anos, o então idoso imperador Skelvoro provou sua perspicácia política, convencendo os senhores dos cavalos que estes poderiam se juntar ao império sem se curvar ao seu governo, os reconhecendo como príncipes em seu próprio direito. Satisfeito e com os senhores dos cavalos khárdicos unidos, o império travou uma longa guerra contra os skirov.
O sucessor de Skelvoro expulsou os skirov de suas fortalezas nas montanhas e eles se uniram ao Império de Khard em 1263 AR, trazendo a fé menita para as comunidades da montanha. O imperador sabiamente permitiu que a região fosse governada por sacerdotes menitas, liberando seus próprios vassalos para se envolverem em batalhas em outros lugares. Com o tempo, a fé morrowana obteve um excelente apoio; há muito tempo as pessoas desta região têm mostrado predileção para fé e fanatismo, não importa a divindade adotada.
Seguindo o exemplo das guerras do norte, Tordor lutou com Thuria em 1322 AR e anexou esse reino rival em 1313 AR. Thuria se manteve intacta e seus cidadãos continuaram orgulhosamente a se chamar thurianos, mesmo quando seus líderes fizeram juramentos de lealdade aos castelões tordoranos. Com a força de Thuria como apoio, Tordor se tornou uma potência em ascensão, notável pela sua frota formidável de navios, que dominou as costas ocidentais de Immoren.
Um dos últimos povos do norte que desafi aram o Império de Khard foram os senhores dos cavalos orientais que, em 1169 AR, unidos pelos Tzepesci, Umbreyko e Chardovosk, criaram o reino de Umbrey e se declararam independentes do império. Korska se tornou a capital e começou a se armar e fortificar em preparação para a guerra. A sua posição foi reforçada por laços de comércio e negócios com os povos das terras baixas que habitavam uma região fértil ao nordeste da Floresta dos Espinhos, que se tornou o reino de Rynyr em 1073 AR.
RECONCILIAÇÃO DAS FÉS
A Purificação conduzida pelos menitas contra os morrowanos foi mais brutal nos primeiros séculos da Era das Mil Cidades. Os primeiros morrowanos sabiam que precisavam venerar em segredo em qualquer lugar que os perscrutadores dominavam. Os santuários e igrejas morrowanos ficavam escondidos ou disfarçados. Os templos menitas estavam cheios de adoradores secretos dos Gêmeos. O surgimento de outros ascendidos e proles continuava a atrair convertidos. A quantidade de morrowanos em algumas regiões dificultou a repressão dos seguidores do Profeta pelos perscrutadores, com medo de uma rebelião generalizada. Isso foi especialmente verdadeiro quando a fé morrowana se enraizou entre os filhos de famílias dominantes.
Nessa época de luta religiosa, viveu um soldado e capelão morrowano chamado Solovin, um curandeiro versado em alquimia e cirurgia em campo de batalha, que sentiu o chamado para andar pelas cidades-estados de Thuria devastadas pela guerra. Ele ficou tão famoso por sua dedicação para salvar vidas que até mesmo os sacerdotes menitas se abstiveram de interferir com o seu trabalho. Em 1253 AR, após anos cuidando dos feridos dos inumeráveis conflitos, sua ajuda foi solicitada pelo protetor de um pequeno feudo ao sul de Thuria. O mestre deste protetor, o Rei Eldrin, aparentemente havia se tornado vítima de uma doença estranha.
Solovin descobriu que o Rei Eldrin tinha inadvertidamente se entregado à Prole Remel, um dos servos mais malignos de Thamar. O corpo possuído do rei servia para incubar uma terrível praga que logo seria liberada na região. Solovin tentou santificar o corpo 3 libertar a alma do rei, mas não conseguiu. Ele percebeu que sua única chance de sucesso seria atrair a Prole Remel para sua própria carne e prendê-lo lá, sofrendo horrivelmente enquanto a doença destroçava seu corpo, mas contendo-a no processo. Com sua morte, a Prole Remel e sua praga foram destruídas, enquanto Solovin ascendeu para se juntar a Morrow. Solovin tornou-se o patrono dos curandeiros morrowanos, enquanto os thamaritas, nos anos seguintes, apagaram todos os registros sobre Remel, alegando que nenhuma prole verdadeira poderia ter sido destruída desta forma.
Apesar destes e de outros milagres, o Templo Menita ainda se recusava a reconhecer a divindade dos Gêmeos. Os primeiros progressos em direção a um acordo entre essas religiões conflitantes aconteceram logo após a ascensão de Solovin, quando uma delegação menita foi convidada a se reunir com líderes morrowanos no Divinium. Embora tenham aceitado esse convite, os menitas não estavam dispostos a fazer um acordo e, na verdade, traziam entre si aqueles que conspiravam para matar o primarca morrowano. Entre eles, Khorva, a assassina infame. Uma thamarita devota, ela havia aceitado um contrato para assassinar o primarca após ter visões da gêmea sombria. Tomando o lugar do perscrutador mascarado Sicarius, ela se juntou à delegação. Em meio a essas negociações, Khorva foi capaz de chegar perto o sufi ciente do Primarca Loriachas para matá-lo.
Embora tenha conseguido assassinar o primarca morrowano em terra sagrada, isso causou uma cadeia sem precedentes de manifestações divinas. A Ascendida Katrena apareceu em uma chama de luz prateada para vingar a morte do primarca e matou Khorva. Enquanto os delegados chocados e espantados observavam, Thamar apareceu para reclamar a alma de Khorva, enquanto ela, por sua vez, ascendia. Katrena e Thamar pareciam prontas para a batalha quando Morrow se manifestou para recolher a alma de seu primarca, que havia se tornado um arconte. As divindades combateram brevemente antes de ambos os lados desaparecerem em um clarão ofuscante.
Na sequência, conselhos de visgodos se reuniram e a doutrina foi escrita em 1247 AR para explicar esses eventos de forma a satisfazer os templos menitas. Estas medidas permitiram que os menitas chegassem a um acordo relutante com a fé morrowana. Eles determinaram que Menoth permitiu a divindade de Morrow através um ajuste, no qual Morrow ajoelhou-se para Menoth, reconhecendo-o como seu Criador. Dizem que Morrow recebeu a sanção para orientar aqueles que o veneravam enquanto ele permanecesse como um guardião contra a perfídia de sua irmã. Além disso, seus seguidores eram obrigados a reconhecer o Criador, frequentar as missas menitas e pagar o dízimo ao templo. Este ajuste teológico permitiu que morrowanos cultuassem abertamente e construíssem igrejas de sua fé.
A ERA DA RAZÃO: A RENASCENÇA MECÂNICA
A consolidação de reinos fortes, embora responsável por muitas guerras sangrentas, permitiu avanços na cultura e na ciência. A reconciliação entre os templos menitas e os morrowanos permitiu a disseminação de ideias e o contato entre os pensadores através de grandes distâncias. Isso foi facilitado por estradas mais seguras e pelo tráfego fluvial em todo Immoren ocidental.
Por volta de 1100 AR, alquimistas começaram a trocar correspondências sobre métodos e fórmulas, dando grandes passos em direção à codificação sua arte. Em 1000 AR, os khards inventaram uma estrada com trilhos sobre a qual uma carruagem puxada por cavalos poderia ser movida com maior velocidade. Em cidades grandes, o avanço intelectual veio com a criação de universidades e esforços para encontrar mentes brilhantes e educá-las.
No início desta época, no reino de Rynyr, nasceu uma acadêmica, historiadora e linguista prodigiosa chamada Angellia. Uma mulher de piedade e inteligência singulares, Angellia trabalhou incansavelmente para preservar a história da região antes de voltar sua atenção para as vidas dos Gêmeos. Foi através de seus esforços que o Enkheiridion original foi recuperado de um cofre esquecido em Caspia, juntamente com os escritos do Guardião Prado que descreviam a ascensão dos Gêmeos. Esta restauração é considerada o maior ato acadêmico da época. Angellia fez a tradução definitiva do Enkheiridion para o caspiano da época, assim como escreveu dezenas de obras teológicas que guiariam a Igreja de Morrow durante séculos. Angellia ascendeu em 1027 AR.
Logo após, no sul da cidade de Mercir, um renomado reitor morrowano que se tornou relojoeiro, chamado Janus Gilder, usou sua experiência para criar a primeira máquina de impressão. Ele foi capaz de passar tinta através dos blocos esculpidos e, então, colocou folhas de pergaminho no mecanismo, produzindo várias impressões rapidamente. A prensa de bloco Janus logo evoluiu para a prensa móvel Janus e, quando a prensa móvel foi inovada e placas de metal foram colocadas em uso, o mecanismo tornou-se extremamente útil. Empregada inicialmente para copiar catecismos religiosos, a imprensa ajudou a Igreja de Morrow a disseminar suas doutrinas em locais distantes. Esta invenção levou à maior divulgação da leitura e da educação em geral, permitindo a duplicação e distribuição de uma variedade de livros.
Durante os próximos duzentos anos, mecanismos de engrenagens e outras invenções forneceram novas maneiras de lidar com problemas familiares. Isto incluiu lentes trabalhadas com especificações refinadas, permitindo telescópios de alta potência, assim como a aplicação da engenharia nas artes da guerra, tal como primeira besta de repetição mecânica. O uso de telescópios melhores e do sextante para medir a distância entre as estrelas tornou-se uma bênção para a navegação, que, por sua vez, levou a avanços na cartografia, com os esforços realizados para atualizar os mapas.
Os avanços desta era quase foram desfeitos pela Época do Longo Sol a partir de 822 AR, uma das piores secas da história. Isso causou a perda de colheitas em todo Immoren ocidental. Acredita-se que centenas de milhares de pessoas tenham morrido, sendo os idrianos tribais os mais atingidos. Desde Ord, no leste, até o sul de Khador, as temperaturas eram excepcionalmente altas e houve poucas e esparsas chuvas, causando fome e privação. Este período poderia ter sido muito pior se não fosse pelas ações de um monge morrowano chamado Gordenn. Ele dedicou sua vida a aliviar a fome e supervisionar a distribuição de alimentos, aproveitando-se dos então recentes avanços em agricultura e irrigação. Gordenn é creditado com inúmeros milagres nesta era, como a transformação de terras áridas em terras férteis e invocação da chuva através da oração. Na época de sua ascensão, em 812 AR, Gordenn havia salvado as vidas de dezenas de milhares de pessoas que, de outra forma, teriam morrido de fome.
A seca não impediu o Império de Khard de fazer valer suas pretensões contra os umbreanos, e as Guerras dos Senhores dos Cavalos começaram em 821 AR. Isso iniciaria quase um século de batalhas e conflitos intermitentes entre essas duas potências do norte. Por fim, os khards provaram que tinham os números e a vontade para subjugar os seus inimigos, não importa o custo em sangue. Os príncipes umbreanos do Anel Negro foram obrigados a render-se ao imperador de Khard em 716 AR. Korska se tornou a capital oriental do Império de Khard, enquanto Khardov permaneceu a sede primária do poder no oeste.
No sul, Caspia continuou a prosperar, especialmente porque várias de suas terras mais férteis sobreviveram relativamente intactas à seca. A Terra do Meio passou a depender de Caspia, se tornando um protetorado em tudo, exceto no nome. A Cidade das Muralhas continuou a crescer e logo foi reconhecida como uma maravilha da época, uma cidade sem igual em qualquer lugar de Immoren ocidental e, mais uma vez, um centro de educação, invenção e animado debate intelectual.
Em 712 AR, a Igreja de Morrow decidiu que não havia necessidade de seu centro administrativo e espiritual ser tão isolado. Embora o Divinium permanecesse um mosteiro-fortaleza para guardar as relíquias sagradas, o primarca e o Exordeum, seu conselho consultivo, mudaram-se para o Sancteum dentro de Caspia. Logo começou a construção da Catedral da Arquicorte, a maior obra de arquitetura da época.
A catedral foi projetada por um gênio chamado Sambert. Um homem da sua época, Sambert foi um escultor, pintor, arquiteto, engenheiro e marceneiro insuperável que dedicou seu trabalho para homenagear o divino. Apesar de ser lembrado pelas inúmeras obras de arte sacra e arquitetura, sua maior realização foi a Catedral da Arquicorte, um edifício como nenhum outro, com arcobotantes e pináculos admirados até mesmo pelos menitas da cidade. Sambert ascendeu em 605 AR, após a conclusão da sua grande estátua de Morrow, à luz da sua transfiguração ocorrendo no mesmo local onde o Profeta teve sua apoteose treze séculos antes.
Tecnologia e inovação continuaram a progredir em outras frentes - Copolius escreveu o Crucibilus Synthetatus em 753 AR, o trabalho mais detalhado sobre a alquimia em seu tempo. Aproveitando-se das máquinas de impressão, este livro foi amplamente distribuído, fornecendo uma base comum para este campo. Ainda mais importante foi o trabalho do engenheiro Drago Salvoro, que construiu o primeiro motor a vapor em 743 AR. Os avanços em motores a pistão aconteceram com o tempo. Em 698 AR, os motores a vapor moviam a maior parte dos equipamentos pesados nas minas khárdicas. Transportadoras de minério, peneiras, furadeiras e outras máquinas foram convertidas para rodar a partir de energia a vapor ao invés de moinhos de água.
Estas tecnologias seriam, com o tempo, repetidas em reinos vizinhos e aplicadas a vários usos industriais. 620 AR trouxe a primeira construção de navios a vapor feita por armadores tordoranos. Logo, essas embarcações eram construídas também em Caspia. Na mesma época, a primeira locomotiva a vapor foi construída em Korsk. Os khards estavam nos primórdios da construção de uma linha ferroviária entre Korsk e as minas na região de Skirov, quando todas essas obras foram suspensas pelo monumental desembarque de invasores hostis do outro lado do mar ocidental. Em uma das maiores tragédias da longa história de Immoren, logo quando a região estava experimentando uma época de ouro do progresso, longas sombras cruzaram o Meredius — navios negros comandados por invasores, seu objetivo a conquista.
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