“I want to hide the truth
I want to shelter you
But with the beast inside
There’s now here we can hide
No matter what we breed
We still are made of greed
This is my kingdom come
This is my kingdom come”
Imagine Dragons - Demons
I want to shelter you
But with the beast inside
There’s now here we can hide
No matter what we breed
We still are made of greed
This is my kingdom come
This is my kingdom come”
Imagine Dragons - Demons
Bray era uma cidadezinha pouco interessante em muitos aspectos: não era tão charmosa como Dublin, que ficava a algumas horas dali – e nem tão famosa –, mas era um bom lugar para passar desapercebido, para somar a multidão e deixar-se levar pela maré. Bray não era sua casa – na verdade, ultimamente nenhum lugar era sua casa –, mas por enquanto servia, por enquanto ainda não sentia uma estranha e quase pungente vontade de correr dali, de deixar tudo para trás e ganhar o mundo. Talvez fosse se acostumar a Bray, quem sabe? Era uma possibilidade. Haviam muitas possibilidades das quais tomou posse quando resolveu fugir. Sua vida era um mar de possibilidades, igual ao litoral do qual gostava tanto de olhar.
Ali era o mais próximo ao que podia se considerar ‘centro’ de Bray, onde estavam os bares, restaurantes, lojas, hotéis e todo o movimento de inda e vinda. A maior parte do resto da cidade eram bairros residenciais, dos quais Samuel costumava evitar perambular; aquelas pessoas tinham uma postura meio negativa com sua presença perto das casas delas, era como se ele fosse tóxico, às vezes, na maior parte do tempo, preferia se sentir invisível, porque era menos irritante se sentir invisível do que se sentir como se possuísse alguma doença contagiosa. Alguns eram mais gentis, outros simplesmente o ignoravam. Tinham os rudes. Não era nada tão drástico como em outras cidades que tinha passado. Samuel aprenderá que quanto maior a cidade, mais invisível ele se tornava. Dublin tinha sido uma prova disso. Agora Bray tinha um pouco dos dois. O centro tinha aquele ar de ‘cidade-quase-grande’, onde as pessoas se misturavam, festejavam e eram mesquinhas como só as pessoas sabiam ser, mas também tinha o clima agradável e a gentileza de cidades pequenas.
Bray era boa nesse sentido, e estava ali apenas há alguns meses. Talvez acabasse ficando, talvez não. Como é que ia saber? Às vezes se perguntava se ainda procuravam por ele. Era possível, mesmo que achasse que não com tanto afinco como da primeira vez. Mas não queria pensar nessas coisas, pelo menos não agora. E foi ai que ela cortou seus pensamentos pela metade.
”- Hei.” – A voz lhe chegou, enquanto ele observava o litoral. ”- Você está me ouvindo?” – Era Emma. Ela era uma garota legal, ele achava. Emma parecia realmente preocupada com muitas coisas que a maioria das pessoas não se preocupavam. Eles tinham se conhecido em um momento esquisito, quando ele tentou furtar sua carteira, mas Emma parecia mais esperta – e atenta – do que a maioria das pessoas e o pegou no flagra. Mas em vez de gritar, chamar a polícia e qualquer coisa assim, ela lhe convidou para tomar um café, e eles sentaram perto do litoral, igual hoje, e conversaram e começaram a ficar amigos. Ou algo próximo a isso. Ela lhe encarou com aqueles olhões azuis, Emma usava pouca maquiagem, sua beleza era natural e espontânea. “- Eu tenho que ir trabalhar.” – Avisou ela, segurando um copo de café, Emma lhe trazia um sanduíche e um copo de café todo dia, antes de ir para o trabalho. Ela trabalhava como veterinária, ele sabia disso por que às vezes Emma o pagava para fazer serviços pequenos no seu consultório. Ele sabia que Emma poderia fazê-los sozinha, mas também sabia que ela fazia isso para lhe dar algum dinheiro e alguma esperança de que as coisas poderiam mudar.
Mas as coisas nem sempre mudavam, não era? Emma talvez não compreendesse isso. “- É bom você ficar longe de confusão. – Falou ela, arrumando a bola no ombro. “- Sean não anda de muito bom humor ultimamente, viu?” – Sean era outro sujeito engraçado que ele tinha conhecido ali. Ele era um policial. Mas um policial esquisito, Sam tinha ouvido a respeito da esposa de Sean, e achava que talvez esse fosse um dos motivos pelo qual o cara sempre parecia deprimido ou simplesmente fora do ar. Era como observar um boneco de cera, às vezes, mas Sean era um sujeito legal, apesar de ser um policial, tinha livrado a cara Sam uma ou duas vezes, mas era bom não forçar a barra, era? Nunca era.
“- Sam, você foi ver aquele cara que te falei? No centro de acolhimento? Você prometeu que ia, Sam e é bom você ir. Não vai querer me ver irritada.” – Emma piscou um dos olhos, era difícil para Samuel imaginar aquela mulher irritada. “- Não estarei aqui hoje na hora do almoço, tenho que ver uns cavalos lá pros lados Roundwood, então vê se procura o Sean pra ele te dar alguma coisa para comer ou passa no centro de acolhimento.” – Ela suspirou, os olhos passeando pela praia deserta por um momento, Samuel se perguntava se ter uma irmã mais velha seria mais ou menos daquele jeito. Por fim, Emma olhou para ele e depois acenou se despedindo.
Então Samuel começou refletir mais uma vez.
Ultimamente ele andava tendo uns sonhos esquisitos. Não eram exatamente pesadelos, por que não tinha nada de assustador naqueles sonhos, mas parecia que era o mesmo sonho todos os dias, sem muitas mudanças. Ele sonhava que estava andando numa estrada, mas não conseguia ver o que tinha dos lados – eram borrões que pareciam árvores – e quando olhava para trás não via nada, assim como não via nada na frente. Constantemente, durante o sonho, Samuel ouvia o barulho de asas batendo, mas quando olhava para cima, o céu era escuro, sem lua e sem estrelas. Então uma coruja piava e Samuel acordava.
Ele teve aquele sonho mais uma vez, na noite passada, a diferença era que dessa vez a coruja parecia mais perto do que de todas as outras vezes em que tinha sonhado com aquilo e agora, mesmo acordado, tinha a sensação esquisita de que alguma coisa estava olhando para ele. Igual no sonho, como quando ele olhava para cima, depois de ouvir as asas, mas não via nada.
Emma já tinha se afastado e ele quase não conseguia mais vê-la, enquanto a jovem atravessava as ruas em direção ao seu carro estacionado do outro lado. Aquele papo de centro de acolhimento não lhe agradava nem um pouco. E se fosse igual ao orfanato? Ou pior? Mas Emma tinha garantido que eles só iam tentar arrumar um lar temporário para Samuel, talvez uma escola e um emprego de meio período, para ele aprender alguma profissão…
Bom, ele meio que tinha uma profissão, não era? Não era? Mas Emma era uma garota legal, talvez tentar… Talvez não fosse tão ruim, e se o cara que ela tinha dito fosse legal igual a ela as coisas poderiam ser melhores do que ele esperava que fosse e de qualquer modo, se nada desse certo, provavelmente descolaria no mínimo um almoço. Era uma das muitas coisas para se pensar naquele início de dia.