C h r y s a l i s
Narração - Alicia (Celesthye)
Dentro dos padrões nos quais crescera, Alicia tivera uma infância normal. Desde de jovem, recebeu uma educação muito formal e rígida, com poucas horas de lazer (nas quais, geralmente, estava tendo aulas de violino). Não tinha muitos amigos: tirando o seu violino e o a bailarina de pelúcia que ganhara de seu pai, não conversava muito com outras pessoas. O único pensamento dela, influenciado pela falta do pai e pela obsessão da mãe com a beleza da filha, era ser perfeita. Pensava que, assim, teria o amor da mãe e conseguiria trazer o pai mais vezes para casa... Mas não fora bem sucedida em nenhum dos objetivos.
A mãe, cada dia que a garota ficava mais velha, arrumava um novo defeito na aparência dela: certa vez foram as espinhas, outra, os dentes que estavam ficando tortos; ora estava gordinha, e, muitas vezes, magra demais. E não se resumia apenas a beleza física, pois a mãe cobrava uma etiqueta impecável da filha, mesmo em situações descontraídas, e não aceitava menos que o esplendor, ao ouvi-la tocar o violino.
O pai, com o passar dos anos, ao invés de ficar mais tempo em casa, foi apenas se afastando. Viagens de negócios eram cada vez mais extensas e distantes, reuniões iam cada vez até mais tarde, acordos internacionais estavam cava vez mais difíceis, segundo ele. Isso tudo contribuía para que ele só visitasse a família em feriados importantes, chegando até a ter um loft mais próximo do trabalho. “A viagem é muito longa para o nosso bairro. É melhor ter esse tempo a mais de sono. Nos fins de semana eu compenso vocês”, foi o que ele dissera quando decidiu comprar o loft, mas, após isso, foram raros os fins de semana que realmente estava em casa.
[...]
A menina acabou se refugiando em seu próprio mundo, onde tudo era belo e simples, onde a música conseguia quebrar os corações mais duros e deixar todo mundo feliz. Seu mundinho fora construído em um lugar que tocara certa vez: uma clareira circular, dentro de bosque lindo e denso de mata, que capturava a luz do sol durante todo o período do dia e que tinha um palco aberto, parecido com um teatro grego. Sempre se imaginava lá, fazendo sua melhor performance, enquanto os pais e os amigos a olhavam e aplaudiam com verdadeira admiração.
[...]
A medida que crescia, mais se beneficiava de suas apresentações, tanto financeiramente quanto daquela “energia” que recebia ao ouvir as palmas. Era algo quente e delicioso, que a jovem não sabia o que era, mas que a fazia se sentir revigorada. Menos dependente dos pais, sentia menos necessidade de impressioná-los, mas ainda cobrava muito de si.
Quando completou 15 anos, as coisas começaram a mudar. Vez ou outra, após receber tanta energia no palco, começava a ver coisas estranhas. Via pessoas parecendo fantasiadas por aí, lugares cheios de brilho, monstros se escondendo pelas sombras... Tudo parecia loucura. Mas ela sentia que era tudo real. Parecia palpável, mesmo que essas visões durassem apenas alguns segundos.
[...]
A medida que os dias passavam, as coisas ficavam ainda piores e mais reais. Naquela noite, depois do show, tudo estava dourado. Haviam pessoas “fantasiadas” na plateia, o som do seu violino parecia dançar em cores, diante dos seus olhos e entrar no coração de cada um que a ouvia, os deixando mais belos. Era... incrível.
Quando terminou o show e de se arrumar para voltar para casa, tudo parecia bem, até começar a sentir o chão tremer . O tremor parou na porta de seu camarim e uma batida forte na porta a fazer pular.
-Senhorita Müller, o carro já está pronto – a voz de um dos seguranças ressoou, bem mais vibrante e grossa que normalmente. Quando ela abrisse a porta, veria um homem enorme, de mais de dois metros, todo azul, vestindo pouca roupa e com dois chifres saindo da testa, a esperando.
- Oh! – ele pareceu espantado, ficando prontamente sobre um dos joelhos – Senhorita, é uma honra protegê-la... – disse, mas logo, aos olhos dela, ele voltou a ter a aparência de um humano normal.