Cristina Deevin – [zignon]

Você acorda com a luz do do dia passando por uma fresta da cortina e atingindo-a diretamente nos olhos. O ar está um pouco empoeirado e a poeira em suspensão está brilhando nesse facho de luz. Ao seu lado estão dormindo Greg, Robert e Dan. Os outros companheiros de trupe estão dormindo no cômodo ao lado, num sótão que Natalie conseguiu para que a trupe pudesse se abrigar em Amsterdam. O lugar tem uma calefação ruim e durante a noite você sentiu bastante frio, mas pelo menos é um lugar seguro e a água é bastante quente para o banho.

Você começa a se perguntar onde estará Ny, pois ela sempre está por perto quando você acorda, mas ela logo entra pela porta aberta dando passinhos de bailarina. “Já era hora!”, ela diz. “Vocês são todos uns dorminhocos!”.

A fala de Ny desperta Greg, que é capaz de ver e ouvir a quimera, mas Robert e Dan continuam adormecidos e ressonando. “Diabo! Que horas são!”, diz Greg com sua particular voz estridente que lembra tanto a de um papagaio. “Acordem, seus vagabundos”, ele continua, fazendo com que Robert e Dan também acordem.

Lentamente vocês vão despertando e começam a se revesar no único banheiro disponível, enquanto o restante da trupe também vai se levantando no cômodo ao lado. Vocês já estão razoavelmente acostumados com essa rotina e não demora muito para que todos estejam de pé e prontos para partir.

“Era para estarmos na Rembrandtplein em 20 minutos”, diz Natalie, um pouco afobada. “Dormimos demais, vamos tomar o café na rua”.

Um por um os membros da trupe vão descendo pelas escadas estreitas, desde o quinto andar até a rua. Há uma padaria do outro lado da rua onde vocês tomam a metade de seus cafés da manhã e é exatamente para lá que vocês se dirigem. Todos começam a comer e a conversar, animados, mas com alguma pressa, sobre a apresentação que tem programada para a praça Rembrandt.

Enfim vocês se dirigem à praça, onde chegam mais de meia hora atrasados. Há cerca de uma dúzia de pessoas, com crianças, já esperando pelo espetáculo, o que não é muito costumeiro. Em geral o público vai crescendo durante a apresentação, já que o grupo é itinerante e a maioria das pessoas não sabe que estarão se apresentando até se deparar com vocês em cena.

Sem perder tempo vocês se organizam e iniciam o espetáculo. Somente quando já estão se apresentando é que você começa a reparar no público que se avoluma ao redor. Boa parte deles são turistas. Um grupo específico de jovens entre 18 e 20 anos parece um pouco distraído. Eles conversam entre si, segurando suas latas de Heineken, um pouco alheios ao espetáculo. A exceção é um rapaz de aspecto tímido, que não está bebendo e nem participando da conversa deles. Você nota que ele não tira os olhos de você, mesmo quando seus outros companheiros estão mais em evidência. Assim que ele percebe que você reparou na atenção dele, seus olhos se distanciam e ele passa a não olhar mais em sua direção diretamente.

Quase no fim do espetáculo você vê um homenzinho, com orelhas de rato e uma longa cauda preta se aproximando entre os espectadores. Ele fica um pouco ao fundo, mas presta bastante atenção na apresentação. Claramente se trata de um outro changeling e um pooka.

Quando o show termina já passa um pouco do meio dia. O publico vai se dissipando lentamente após os aplausos. O grupo de jovens que estava bebendo segue caminhando para o outro lado da praça, com o rapaz tímido acompanhando relutante vários passos atrás deles. Já o homenzinho com orelhas de rato permanece exatamente onde assistiu o espetáculo e continua observando vocês enquanto desmontam tudo e se preparam para deixar o lugar. Ny se aproxima de você dizendo “Roubando corações como sempre, hein? E aí, que vamos fazer agora?”

Sua apresentação foi satisfatória, você se lembrou perfeitamente de todas as suas falas e marcações e seu desempenho foi bom.

Quando você pede a Ny para avisar a Greg sobre o pooka da platéia, seu semblante muda do brincalhão para um mais sério e ela espia o pooka com o canto dos olhos. “Sim. Reparei nele também. Pode deixar comigo”, ela diz, se afastando em direção à Greg.

Você chama Robert e então muda o alvo para Natalie. É tarde demais e você já atraiu a atenção de seu fiel sonhador, que percebendo que não era com ele, disfarça meio sem jeito.

Natalie se aproxima, um pouco a contra-gosto, porque ainda está ocupada preparando a partida do grupo, mas então ela escuta o seu pedido e dá um meio sorriso matreiro. A uma pouca distância Robert tenta sacar o que está havendo, ao mesmo tempo em que ajuda Dan a enfiar umas roupas numa mala.

“Ok, mas você vai ficar me devendo essa”, diz Natalie, dando uma piscadinha e sem dizer mais nada começa a caminhar resoluta em direção ao rapaz que você indicou.

Você não perde tempo e parte atrás dela. Uma parte de você acha que ela está avançando rápido demais e você chega a ultrapassá-la temendo que ela tente uma abordagem muito direta ou desastrada antes que você possa fazer qualquer coisa. Ela entende a deixa e ajusta o passo ao seu, deixando com você a iniciativa.

Quando vocês já estão a uns 10 passos do rapaz, ele se vira para trás, em direção ao local da apresentação, e dá de cara com as duas caminhando para perto dele. Com um pequeno sobressalto ele arregala os olhos e então dá meia volta, continuando a seguir seus amigos.

O rapaz tem um novo sobressalto e então olha para você, corando. “Autografo?!”, ele pergunta desconcertado. “Me desculpe, é claro!”, ele sorri, mais vermelho que nunca.

Um pouco mais a frente um de seus amigos se dá conta de que ele parou e avisa aos demais para que parem também.

O rapaz apalpa os bolsos de uma maneira um pouco abobalhada e diz “Não sei se tenho papel e caneta...” e então olha para os amigos, ensaiando dizer alguma coisa, mas se mantém calado.

“Mas assim, tudo bem… não tem necessidade disso. Mas eu gostei mesmo da apresentação… talvez vocês pudessem me dizer seus nomes ou onde posso assistir outro espetáculo?”, ele pergunta, se voltando mais para Natalie do que para você, talvez para disfarçar a timidez.

Os amigos dele mais a frente começam a conversar entre risinhos, provavelmente surpresos de ver o companheiro nessa situação. Um deles começa a se aproximar, com um ar confiante, mas um outro o segura pelo ombro.

Natalie percebe que eles podem atrapalhar sua abordagem e caminha na direção deles dizendo “Vocês rapazes gostaram do que viram? Também vão querer um autógrafo?”

O rapaz tímido finalmente encontra um panfleto turístico em um dos bolsos e fala “Só não tenho nenhuma caneta...”

Enquanto Natalie se aproxima dos demais jovens distribuindo panfletos e distraindo eles com conversa trivial de produtora de eventos e agente, você continua sua interação com o mais tímido. Os outros garotos são pessoas ordinárias e banais e Natalie nunca se disporia a se relacionar com eles – conversar já está de bom tamanho.

Você tenta deixar seu interlocutor envolvido e percebe que está funcionando bastante bem. A excitação faz com que ele até mesmo deixe parte da timidez de lado. Você sente que ele é extremamente inseguro, mas ficou claramente interessado, porém tem algo nele que foge à sua compreensão. É como se ele não estivesse plenamente na conversa com você, e sua cabeça estivesse divida com algum outro pensamento.

“Meu nome é John”, ele diz, já acompanhando você em direção ao restante da trupe, com um ar um pouco mais confiante. “Sou turista. Eu e meus amigos viemos de Londres”. Uma sombra passa pelo olhar dele quando ele fala da cidade de origem, mas nada demais. “Nós chegamos ontem e meus amigos só querem saber de beber, fumar e farrear, mas acho que não estou no mesmo clima que eles… queria conhecer a cidade e às pessoas, mas…”, ele gesticula movendo a mão em círculos em frente a boca sem encontrar às palavras. “Acho que não vim com a companhia adequada”, ele sorri amarelo e dá de ombros, sem disfarçar a frustração.

“O show de vocês é bem legal, vocês deviam levar ele à Londres um dia. Se fizerem isso você pode me procurar por lá. Eu te passo meus contatos quando tivermos a caneta”, ele diz, claramente e sem pausar, e de repente você não tem mais certeza se ele é tímido ou estava apenas angustiado.

Vocês já estão quase no local onde a trupe se encontra. Greg está conversando com o pooka-rato, com Ny apoiada em seu ombro, com olhos atentos. Os demais membros da trupe já estão terminando a arrumação e se preparando para partir e do outro lado da praça Natalie parece estar se despedindo dos outros rapazes. Pelo visto ela deu um jeito de convencê-los a deixar o amigo que está com você para trás.

Em cima da pilha com os pertences da trupe há uma prancheta de anotações das arrecadações e uma caneta. Sem esperar por você o rapaz cumprimenta a todos com um “Bom dia.”, sem mais delongas, e pega a caneta voltando-se novamente para você. “Agora sim: seu autógrafo.”

Você não deixa de achar curioso o modo como ele foi mudando de atitude no trajeto. É seguro que você o deixou atraído e cativado, mas ainda assim ele parece estar fazendo algum esforço pessoal para entrar na sua e se divertir. Sua intuição te diz que ele está angustiado com algum outro assunto.

John dá uma sonora risada ao receber seu autógrafo estilizado. “Felina, hein?”, ele comenta, e então recebe o panfleto que você entrega para que ele anote seus contatos. Ele recebe bem o seu toque, como se já estivesse acostumado a esse tipo de intimidade com você.

Os olhos dele ficam um pouco arregalados de surpresa quando você pergunta sobre o que o está afligindo, mas antes que ele possa responder qualquer coisa você já o está apresentando ao restante da trupe. “Olá, pessoal, eu sou o John. Parabéns pelo espetáculo.” Os outros retribuem o cumprimento gentilmente e Ny te lança um olhar malicioso dizendo “Danadinha… esse aí já foi fisgado”.

Quando você segura a mão dele, ele a aperta, como se precisasse disso. Em seguida você oferece suas costas para que ele possa escrever seus contatos, o que ele faz rapidamente, antes de pegar novamente na sua mão, com um olhar romântico e um traço de ingenuidade.

“Você está lendo a minha mente?”, ele pergunta em tom de brincadeira. “Porque você acertou em cheio. Estou aqui, mas uma parte de mim continua em Londres… é que...”, ele olha para os outros membros da trupe um pouco sem graça. “Eu deixei uma pessoa lá que é muito importante pra mim. Não tão importante quanto eu pra ela...”

“Cuidado, garoto”, diz Greg. “Essa aí vai partir seu coração de novo!”. Todos riem do comentário, inclusive John, talvez porque a voz incomum de Greg torne tudo que ele diz mais engraçado.

A essa altura Natalie já está chegando a vocês e perguntando “Vamos?”, ao que a maioria do grupo acena concordando e pegando as malas e equipamentos.

“Nós vamos deixar tudo em casa e fazer algo pra almoçar. Você pode trazer seu amigo ou dar uma volta com ele e nos encontrar depois”, diz Natalie, dando uma piscadinha para John.

Ny se aproveita de que ele não pode vê-la ou ouvi-la e diz “Aquele pooka que você apontou para Greg pelo visto é uma figura importante. Ele alega ser amigo da princesa e disse que seremos bem-vindos no palácio real esta noite! Claro, que pode ser só um mentiroso pregando alguma peça...”. Ela faz um gesto lento, de levar a mão até a cabeça, e então simula uma expressão pensativa. “Nós devíamos praticar algumas falas… estou pensando que você pode deixar uma boa impressão com uma súbita declamação de Walt Whitman ou um outro...”. Tysha então dá um tapa na bunda dela e diz a você “Comporte-se!”.

John parece julgar que esse comentário foi direcionado a ele e fica muito vermelho. Ele olha para você e diz “Ah, você pode ir com eles para casa se quiser. Eu acho que era melhor eu não ir… mas se quiser almoçar alguma coisa podemos ir a algum lugar?”, ele olha ao redor da praça, como que procurando um restaurante. “Você bebe?… aliás… quantos anos você tem?”

Sua trupe começa a partir. Caso você decida não ir com eles, todos se despedem, combinando de encontrá-la em algumas horas, exceto Ny, que pergunta “Alguma missão para mim ou posso ficar bisbilhotando enquanto você se aproveita desse pobre rapaz?”

Sua trupe se despede de você e de John. Robert te surpreende, despedindo-se com indiferença e limitando-se a lançar um olhar zombeteiro para você e seu novo amigo, parecendo achar alguma coisa divertida.

Você volta suas atenções à John, que responde “Não, não!”, quando você pergunta sobre suas intenções. “Eu só queria saber se você pode beber. Um lugar interessante?… Bem, eu sou o turista aqui. Se bem que vi um lugar bem diferente vindo pra cá. Num barco. Você conhece?”

John começa a caminhar em direção ao tal restaurante, divertindo-se com sua dança ao seu redor e até arriscando alguns passinhos.

“Vamos lá então, se você não conhece nenhum melhor”, ele ri de si mesmo completando com “Sou péssimo dançarino! Vamos sem ser atropelados.”

Vocês seguem direto por uma rua até dar em um canal onde está atracado o ‘Aryanna’s Food Boat’. Você já ouviu falar no restaurante, comandado pela boggan chamada Aryanna e muito frequentado pelos kithain locais, mas com a rotina de apresentações e o pouco tempo na cidade, nunca teve a oportunidade de entender sua rotina e comer lá.

Ny fica impressionada e comenta com empolgação “Esse rapaz é sensacional”, e então se apruma como que tentando subitamente parecer elegante. “Já vamos ter algum assunto hoje quando formos ao palácio.”

Vocês chegam ao barco, que está mais ou menos na metade da lotação, e sentam-se em uma mesa dupla com quatro cadeiras. Há um cardápio sobre a mesa e um grupo de trolls sentados em um canto. Em pouco tempo uma boggan rechonchuda com aparência de uns 30 anos aparece para atendê-los.

“Boa tarde!”, ela diz sorridente e então puxa uma das duas cadeiras restantes, fazendo um gesto para que Ny se sente, o que a quimera faz apressadamente e com um olhar profundamente agradecido.

“Temos enguias, lula, arenque defumado, linguiça de ganso, croquetes e waffles”. Parece que ela vai dizer mais alguma coisa, mas então ela dá uma longa olhada no rapaz e não fala nada. Ela apenas sorri esperando pelo pedido.

“Lula!”, responde John animado.

Quando você pergunta se pode fazer uma apresentação de dança a boggan responde prontamente e com um grande sorriso que “Isso pode ser combinado, mas não agora”, e então, percebendo que você não sabe quem ela é, se identifica. “Muito prazer, eu sou Aryanna. E vocês quem são?”

Ny se apressa em se apresentar, dizendo seu nome completo e não o apelido; mas pelo menos isso te poupa de ter que falar de sua amiga invisível aos olhos de John.

O rapaz, por sua vez, fica calado, deixando a você o papel de apresentá-lo.

Após essa conversa breve ela desaparece pela porta que dá na cozinha e você volta à sua conversa com John, pegando em suas mãos.

Ele faz uma cara triste, mas algo resignada, suspira e responde “Eu deixei a mulher da minha vida. Fui deixado.”

Ele suspira novamente e continua “Eu acredito em predestinação e essa era a mulher predestinada para mim, mas ela não pensa mais do mesmo jeito e… bom… ela não me ama mais.”

Ele fica subitamente calado e Ny se aproveita disso para dizer num tom grave que ela raramente utiliza: “Esta é a sina do Pierrot. Amar alguém, que ama outrém”.

Você tem tempo de conversar mais um pouco e então Aryanna retorna com os pedidos e corre para atender outra mesa.

Vocês comem com vontade, entendendo porque a comida de Aryanna é tão conhecida e recomendada.

John também parece gostar do que escolheu, mas não perde em nenhum momento o interesse em você.

"Se a cura de um amor é outro como você pretende me ajudar sem compromisso?", ele pergunta, mas emenda com "Estou só brincando com você. Acho que entendi o que você está propondo...", ele dá um sorriso animado e provocador.

"Agora... não se chateie comigo, mas é um pouco difícil não te achar oferecida!", ele dá uma sonora gargalhada e pega em suas mãos. "Mas não tem problema, porque se não fosse assim nem estaríamos aqui almoçando juntos e já que você não quer mesmo compromisso, então qual o problema em se oferecer? Podemos ir ao hotel onde estou ficando. Acho que os rapazes vão ficar na rua até de noite."

Aryanna pergunta se vocês estão satisfeitos e querem a conta. Ny fica apenas assistindo a conversa entre vocês como se fosse um teatro. Ela ri da ousadia do rapaz ao te convidar para o hotel e se limita a comentar "Só não vamos nos esquecer do nosso compromisso hoje a noite, hein?"

Não há muito espaço entre as mesas para dançar, então você leva John ao convés do barco. Ele te acompanha na dança, mas um pouco sem jeito, talvez porque não haja música. Ele parece um pouco confuso com a sua mudança de atitude, parecendo não entender o que a desagradou.

“Não sou muito bom dançarino”, ele diz, mas persiste tentando acompanhar você, “eu disse algo errado?”, ele pergunta.

Ny começa a parecer entediada com esse programa e a ficar ansiosa pela festa da noite. Enquanto vocês dançam ela começa a falar. “Guarde esses versos de Robert Frost. Podem servir para causar uma boa impressão no palácio”, e então, mudando um pouco de atitude para a recitação ela começa “Duas trilhas divergiam num bosque amarelo, e lamentando que eu não podia percorrer a ambas, e ser um único viajante, longamente me detive, e olhei por uma delas tanto quanto pude, até que se curvava pelo mato baixo”.

John continua dançando e diz “Vamos fazer assim... você guia e eu acompanho, assim como na dança. Fazemos o que você preferir”.

Ny continua, parecendo irritada que ele a tenha interrompido: “Então tomei a outra, sendo apenas justo, e tendo, talvez, o melhor apelo, pois tinha mais grama e era preferida, embora aqueles que passassem ali, as tivessem deixado muito semelhantes”.

É muito difícil prestar a atenção em Ny e em John ao mesmo tempo e ainda dançar com ele sem música.


Logo o grupo de trolls que estava no restaurante passa por vocês, de partida. Um dos trolls te olha de alto abaixo e a cumprimenta com um meneio de cabeça, sem sorrir. John olha para ele com uma expressão aborrecida.

Ny interrompe a recitação e decide perguntar “O que você espera conseguir com esse rapaz, afinal?”