Quebec, Quebec, Canadá
5th Police Station - 7 de Janeiro de 1920, 3:35am
O que se seguiu foram uma série de barulhos distintos. Primeiro, a voz de Arturo, mas sem uma identificação exata do que ele dissera, estava mais para um gemido atônito. Depois, o bater de um objeto caindo ao chão, junto com outro objeto, maior, logo na sequência. Em seguida, um arrastar de cadeira contra o chão, de maneira súbita. E por fim a voz do policial Erl, muito assustada, saindo quase num grito.
- QUEM ESTÁ AÍ??
O breu ainda era pesado, e não dava para ver nada além do corredor. Foi nesse instante que Ludovic acendeu sua lanterna. Ela estava mirada para frente, e iluminou primeiro o corpo de Allan, que imediatamente virou o rosto em resposta ao incomodo que a luz causou aos olhos acostumados com o escuro. O detetive lançou a iluminação da lanterna primeiro para o lado direito, rapidamente, para averiguar que não tinha nada do lado menos óbvio, e de fato não tinha. E logo em seguida, apontou na direção da sala principal, fonte de todo aquele barulho. O faixo de luz atravessou o cômodo, iluminando diretamente uma pessoa que se encontrava de pé no limite do hall de entrada, próximo às cadeiras de espera onde Arturo havia se deitado. Era um homem alto e de bom porte físico, vestido de roupas pesadas, com um sobretudo preto sobre um casaco marrom escuro. Sua calça social pesada, também de cor preta, brilhava ao reflexo da luz, indicando que haviam alguns respingos de água em sua superfície. Da mesma forma, a botina pesada que usava estava molhada e ainda carregava algumas partículas de neve condensada. As mãos estavam cobertas por uma grossa luva de couro. O rosto estava parcialmente coberto por um cachecol também preto, além de um chapéu preto no estilo clássico, ornado com um belo distintivo dourado da força policial de Québec. Ele ergueu uma das mãos para proteger os olhos contra a luz. Nesse momento, o jovem Arturo se erguia do chão, mas com alguma dificuldade, parecia não entender direito onde estava. A voz de Erl voltou a preencher o ambiente, ainda um pouco esgoelada.
- Por Deus, McCam! Que diabos!? Que susto que me deu, homem! O que faz aqui? E por que está tudo escuro?
A voz rouca do homem veio levemente abafada no início, mas logo começou a retirar o cachecol, se fazendo entender mais claramente.
- Vim trabalhar, oras. A cidade inteira está no escuro. Precisamos buscar Robert Clamp e ir até a subestação de energia. - se voltou agora para Ludovic, que estava apontando a luz da lanterna para ele. - Poderia abaixar a lanterna e a arma, por gentileza? - falou num tom ameno, quase descontraído.
Ele lançou a mão em ajuda a Arturo, puxando-o do chão.
- Desculpe se o assustei, tentei te acordar sutilmente, mas parece que estar nesse escuro não ajudou muito.
Com a iluminação proporcionada por Ludovic, foi possível ver a mala de Arturo deitada no chão próximo a eles. Ele devia ter recuado e tropeçado na mala, o que o fez cair ao chão junto dela. Erl se desloca pelo ambiente, sorrindo nervosamente.
- Céus, McCam, quase tive um infarto. Senhores. - cumprimentou Allan e Ludovic enquanto passava por eles, indo até o final do corredor e virando à esquerda.
Dois ruídos altos de algum dispositivo mecânico puderam ser ouvidos antes de um som contínuo e alto de um motor à gasolina vindo dali de dentro. Lentamente a iluminação na delegacia foi sendo restaurada, apenas uma lâmpada no centro do hall principal, mas já era suficiente para todos os presentes se enxergarem.
O detetive McCam se aproximou a passos lentos da mesa onde se encontrava a garrafa de café, pegando-a e se dirigindo para a copa. Agia com estrema naturalidade. Enquanto andava, falou aos cavalheiros.
- Sejam bem-vindos à nossa humilde estação, senhores. - aumentou o tom da voz quando entrou na copa, a fim de se fazer ouvir por todos. - A notícia boa é que a nevasca se foi, poderemos transitar por aí. A notícia ruim é que existem árvores caídas por toda a parte. Imagino que alguma tenha caído sobre uma linha de transmissão. Vamos percorrer os postes a partir daqui até a subestação de energia que fica na saída norte da cidade. Se for algo simples de resolver, nosso engenheiro elétrico dará conta do serviço para restaurar a energia. - voltou da copa com um copo simples de vidro em mãos, experimentando um gole do café e fazendo uma leve careta. - Merda, está frio. Sei que ainda é madrugada e talvez os senhores quisessem descansar um pouco mais ainda, mas se puderem me acompanhar nessa empreitada, conversaremos sobre o caso pelo qual vocês foram convidados para conduzir. Acho uma tremenda bobagem, mas tenho juízo o suficiente para não contrariar os superiores. O que me dizem?
A tensão que havia anteriormente por conta de todo aquele ocorrido ia se amenizando. Arturo, entretanto, se sentou de volta no banco onde estivera dormindo, parecendo muito pálido. Não respondeu nada de início, mas logo retrucou ao homem.
- Acho que não estou em condições de acompanhá-los. Estou me sentido mal.
Erl voltava nesse exato momento, circulando pela sala e ligando as outras lampadas da sala principal da delegacia. Notou o estado do jovem Madero e resolveu buscar um copo d'água para o rapaz.
Ludovic, agora mais calmo, relembrava dos momentos seguidos logo que acordara. Sua mente não havia conseguido lhe responder sobre o que poderia ter sido aquele som que ouvira e o deixara um tanto perturbado.
McCam se sentou na cadeira onde antes Erl estava, à frente da estação de rádio, manipulando o equipamento e tentando um contato.
- Quinta para patrulha móvel, copia?
A única resposta que teve foi a estática. Ele se levantou, terminando de beber o café no copo de uma vez só, fazendo uma careta quando terminou. Agora que a sala estava mais bem iluminada e ele parara virado para os estrangeiros, puderam ver melhor suas feições. Era uma homem caucasiano, de aparência agradável. O nariz era reto, tal como o queixo, fazendo sua face lembrar um elmo dos antigos gladiadores, emprestando um semblante imponente ao homem. A pele da face era lisa, desprovida de pelos. Os olhos, um pouco baixos, eram de um azul profundo e os dentes eram brancos e bem alinhados.
- Então, senhores? Vamos dar uma volta? Podemos tomar café da manhã na Molly`s antes de buscar Robert, nosso engenheiro.
Se aproximava das 4h da manhã no relógio pendurado na parede da delegacia. Ali dentro ainda estava frio, mas bem menos do que jamais estivera. Porém eles podiam imaginar que do lado de fora estaria muito pior, e com certeza o chão estaria coberto de neve.