Docas próximas a Tower Bridge - 25 de dezembro de 1938, Londres, Inglaterra - 6h25min Am.
- Que horas você disse que a encontrou? - Perguntava o oficial Ian Downey, fazendo o ar quente ser expelido para fora de sua boca enquanto ia anotando as respostas em seu bloco de notas. Como sempre uma manhã fria e acinzentada em Londres. A exceção era a neve que caía nesta época do ano.
- Ás 5 e meia senhor oficial, como eu disse... - Respondia um senhor de meia-idade e barba mal cuidada.
- Sim, sim, entendi, você veio um pouco mais cedo para ajeitar as coisas em seu barco em fins de pescar sua ceia e acabou encontrando o corpo ali. - Downey o interrompia erguendo sua mão e a indicando para o um lençol branco que obviamente cobria o motivo de tal interrogatório.
- Então chamou um garoto para nos avisar deste crime, e todas essas pessoas aqui acabaram por descobrir por conta própria, não é? - Um aglomerado de pessoas se juntava, todas eufóricas cercando a entrada da escada que dava acesso para as docas do local, às margens do rio Tâmisa. Junto delas haviam alguns poucos repórteres de plantão, tentando sem sucesso tirar alguma informação dos guardas que cercavam a multidão.
- O que está insinuando? – O pescador agora parecia bem incomodado com os comentários do oficial da Scotland Yard. - E não foi um garoto, foi minha filha Susana!
- Ah, filha? O cabelo curto talvez nos possa ter passado a impressão errada, nos desculpe. - Downey ficara sem jeito com a recém descoberta.
- E então? Quando vão tirar... Isso daí? Não dá pra trabalhar com essa coisa apodrecendo aqui não! - Várias moscas “faziam a festa” no cadáver coberto por uma lona de cor branca, já obviamente manchada de sangue.
- Calma senhor, primeiro precisamos que nossos especialistas cheguem e analisem a cena, depois encaminharemos o corpo para o necrotério.
- E isso vai demorar?! Precisamos trabalhar! - Exclamava enfurecido o humilde pescador.
- Escuta aqui seu imbecil, vai demorar o tempo que - Uma movimentação forçada entre os curiosos chamava a atenção do jovem policial. – Ah, Comissário Hudson!
- Saiam da frente seus idiotas! Deixem-me passar! - Rosnava um homem de estatura baixa e com sérios problemas de calvície. O comissário de polícia, Sir. William Stuart Hudson, se aproximava dos dois já bufando, enquanto outros dois homens, vestidos com roupas típicas de médicos e carregando uma maleta cada, o seguiam.
- Downey! Mas que merda é essa!? Não te disse para não deixar ninguém vir pra cá!?
- Mas se-senhor... Eu na-não... - Downey chegava a gaguejar de nervoso. Apesar de parecer inofensivo, Hudson sabia utilizar sua posição de alta patente para intimidar seus subordinados e os fazer se sentirem inferiores.
- Ajude seus outros colegas ali atrás a conter a multidão e suma da minha frente! – Antes que o comissário pudesse apontar o dedo na cara do pobre oficial, o mesmo já corria desajeitado em direção ao aglomerado de curiosos.
- Vai demorar muito? - Perguntara novamente o pescador.
- Vou te dar cinco segundos pra dar o fora daqui. - Em um tom ameaçadoramente calmo, Hudson conseguia fazer o pescador suar frio e deixar o local, mesmo que reclamando. Os dois homens que estavam com Hudson começavam a analisar o cadáver.
- E então, mesma coisa? – Hudson parecia estar acostumado com aquela situação. Os dois acenavam positivamente com a cabeça.
- Droga, aprontem tudo e levem isso para o necrotério, eu me certificarei de finalizar a burocracia. - O tom calmo com que o comissário se dirigia aos dois os chamou atenção, que não conseguiram se conter em perguntar:
- E o que o senhor vai dizer dessa vez?
- Os abutres logo saberão disto senhor, o que devemos dizer?
- O mesmo de sempre, mais uma puta morta por falta de pagamento ao seu cafetão, ninguém se importa com elas, e amanhã, ninguém vai mais se lembrar... Vamos! Andem logo com isso! – Os dois se apressavam para terminar de embalar o corpo para poderem leva-lo até o necrotério.
E assim mais uma investigação de assassinato era finalizada sem mesmo ter começado. A neve caía sutilmente naquela manhã de natal. Mais uma vez.
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h45min Am
- Senhora Miller! Senhora Miller! – Gritava quase em desespero enquanto corria a jovem Anna, assistente/secretária da coordenadora da seção de antiguidades do famoso e imponente Museu Britânico de Londres, a Sra. Margareth Miller. Levava em suas mãos, pressionando contra seu peito, uma prancheta de madeira para as vastas e necessárias anotações. Ao alcançar sua superior, parou por um instante para fins de poder recuperar o folego, e finalmente revelou o motivo de tanta pressa e euforia:
- Senhora, ela chegou... A encomenda do Cairo chegou! – A encomenda a que Anna se referia, seria a grande atração no mês de dezembro do Museu Britânico, se já não estivesse atrasada em quase um mês, o que deixara Margareth e o resto dos funcionários do museu enfurecidos. A carga especial que vinha do outro lado do Mediterrâneo era nada menos do que uma múmia, descoberta por uma expedição de alguns arqueólogos ingleses e franceses em conjunto com as autoridades egípcias. Mas o que a fazia ser tão especial, era que seu sarcófago estaria completamente intacto, escondido no subterrâneo do que uma vez teria sido uma pirâmide. Um prato cheio para uma amante das antiqualhas como Margareth.
- Pe-peço desculpas, minha senhora, mas você precisa falar com os entregadores na seção de carga, eu tentei avisa-los para terem cuidado com as peças, mas eles não me ouviram e ainda querem deixa-las no local errado e... - Anna hesitou por um momento um tanto cabisbaixa, mas então decidiu continuar, desta vez com as bochechas avermelhadas:
- Eles me mandaram cuidar da minha vida e voltar para o fogão que era o meu lugar! A senhora acredita nisso?! – Infelizmente, a realidade do mundo nessa época ainda era bem preconceituosa em relação a gêneros, mesmo já fazendo mais de 20 anos da conquista do sufrágio feminino. A própria Margareth havia sofrido muito para chegar aonde havia chegado, tendo de provar inúmeras vezes ser muito capaz de suas habilidades como antiquária, antes que a contratassem em definitivo.
Mas Anna ainda era muito jovem, tinha apenas 19 anos e uma vida inteira pela frente. Uma vida que teria sido muito mais difícil e sofrida se não fosse, primeiramente pela sorte, e depois pela generosidade e bondade de Margareth em contrata-la como sua assistente.
A família de Anna, os Kesley, já haviam, outrora, sido umas das grandes famílias da região do Leste da Inglaterra. Mas seu pai, o Sr. Kesley, acabou jogando toda a fortuna conquistada geração a geração no lixo, em fins de sustentar seus vícios em jogos, mulheres, bebidas e uma imensa variedade de drogas ilícitas. Ao chegar ao fundo do poço, acabou se suicidando e deixando sua viúva e a pequena Anna, na época ainda uma criança, em completa miséria. Após venderem o pouco que tinham, na tentativa se saudar algumas dividas herdadas pelo suicida, acabaram se mudando para um modesto e apertado apartamento em East End, um dos bairros mais pobres de toda a grande Londres.
Sua mãe, antes acostumada com todo tipo de luxo, acabou tendo de se virar para conseguir pelo menos algum alimento para pôr na mesa. O máximo que conseguiu sem ter de se prostituir foi arranjar um emprego como costureira em uma pequena loja de roupas e tecidos. Pelo menos ficar horas e horas bordando e tricotando finalmente tinham servido para algo. Já Anna, apesar de ser ainda muito jovem, saía pelas ruas pedindo esmolas e oferecendo qualquer tipo de ajuda em troca de alguns poucos xelins.
Foi em uma dessas situações em que as duas se conheceram, quando Anna mendigava nos portões em frente ao museu. Desde então, Anna vem sendo a pessoa em que a Sra. Miller pode confiar e contar para o que for, como um misto de funcionária exemplar e amiga de confiança.
- Mas que fuzarca é essa aqui?! – Perguntava rispidamente uma voz rouca, claramente envelhecida pelo tempo. Um homem surgia diante das duas mulheres. Thomas Anderson era o curador e principal responsável por aquele museu. Ele era um senhor já com um pé na terceira idade, mas sua implicância com seus funcionários se mantinha desde sempre.
- Miller, controle a senhorita Kesley por favor... Agora, podem me dizer o que raios está acontecendo? – O Sr. Anderson havia deixado a cargo de Margareth os procedimentos sobre a caríssima encomenda, e essa era uma grande chance para ela de se destacar entre seus colegas de profissão. Mas as coisas pareciam só piorar.
- Diga-me que isso não tem nada a ver com aquela maldita múmia... – Indagava o Sr. Anderson, com uma cara de poucos amigos. Se é que ele tinha alguns.
Arthur Armstrong Jr.
***
Edifício Worth - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h00min Am
Um forte barulho de madeira sendo agredida acabava por acordar o jovem detetive da Scotland Yard.
- Olha o jornaallll!!! Olha o jornaallll!!! - Era um garoto, um entregador de jornal que batia em sua porta avisando que deixava o papel no chão em frente a mesma. Arhtur fazia questão de começar o dia sabendo das mais novas noticias, por isso assinara o "Morning News", um famoso jornal matutino do centro de Londres.
A noite havia sido difícil e fria para Arthur, pois teve de assumir a ronda do turno noturno do distrito de Westminster. O motivo era o crescente numero de assassinatos que vinham acontecendo a mais ou menos um mês. Mesmo tendo sido promovido a detetive, Arthur ainda tinha de lidar com as ordens do comissário de policia, Sir. William Stuart Hudson, que não fingia demonstrar sua opinião sobre ele. Sir. William era altamente autoritário, e a rebeldia jovial de Arthur o incomodava profundamente, apesar de reconhecer os resultados positivos que o mesmo apresentava desde que havia fardado o manto da justiça.
Arthur deveria se apresentar ao serviço as oito horas da manhã, portando ainda tinha tempo de sobra para ler o jornal enquanto tomava seu café da manhã em seu humilde e espremido kit-net, no terceiro andar do edifício Worth. Um lugar bem diferente do que já foi acostumado, mas isso não o incomodava nem um pouco, pois estava fazendo aquilo que o fazia feliz e não o que seus pais tentavam o obrigar. Mesmo em um andar relativamente alto, o penúltimo de seu prédio, o som da movimentação de pessoas e automóveis eram extremamente incômodos, e para ajudar ainda mais, no primeiro andar ficavam algumas lojas que abriam mais cedo por causa do natal.
Talvez fosse sua ideia dormir mais um pouco, afinal de contas tinha ficado acordado até de madrugada, mas alguns passos rápidos que remexiam a velha escada de madeira que ligava os andares já anunciava que não iria mais ter sossego.
- Acorda aí Arthur! Preciso que você venha comigo imediatamente! - Gritava uma voz masculina, enquanto parecia estar derrubando a porta na tentativa de chamar a atenção do inquilino do apartamento. A voz parecia de alguém que Arthur conhecia e confiava muito bem.
Juliette Frazier
***
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h15min Am
- Cuidado com essa coisa mulher! - Advertia o Dr. Mathias Parkin a sua atrapalhada assistente, a Srta. Frazier, por não manejar adequadamente um pergaminho de 200 anos antes de cristo. Dr. Parkin era o líder e coordenador da seção de restauração e armazenagem de documentos históricos e já era famoso por não ter piedade em disciplinar seus subordinados. Juliette acabou indo trabalhar para ele justamente por não se encaixar bem nas outras seções do museu.
O motivo não eram suas habilidades e seu intelecto, mas sim o seu azar quase que maldito em conseguir quebrar as coisas sem querer. Após conseguir a façanha de deixar cair uma raríssima peça de cerâmica da época da dinastia Ming ao chão e obter uma enorme dívida com o museu, o curador, Sr. Anderson, decidiu transferir a garota para uma seção menos perigosa em questões deste tipo de acidentes, explicando tal irritação e aborrecimento do Dr. Parkin.
- Com tantas almas mais capacitadas, tinham de me conceder justamente a senhorita! Eu devo estar pagando os meus pecados mesmo... - Ele se aproximava de Juliette e tentava, mais uma vez, lhe ensinar a técnica certa pra não danificar o frágil material. Apesar de parecer ser somente um velho ranzinza, Parkin realmente se importava a ponto de se esforçar para tentar passar seus ensinamentos a moça, atitude rara para a maioria dos outros "cavalheiros" do museu.
Mesmo que Juliette ficara aliviada por não precisar se relacionar muito com as pessoas em sua seção, com a clara exceção de Parkin, trabalhar dia e noite, 6 dias por semana com papeis não era lá muito empolgante, ainda mais quando não poderia "dissecar" tais documentos estando muito ocupada tentando não destruí-los. Seu alivio vinha aos finais de semana, quando podia passar o tempo que quisesse cavalgando pela enorme propriedade de seu tio e atual responsável legal.
- Ouviu a novidade Frazier? Aquela múmia finalmente chegou no porto esta manhã... Sabe o que isso significa? Mais orçamento para a viúva Miller gastar em besteiras enquanto nós ficamos com as sobras! - Dr. Parkin havia sido contra a aquisição da tal múmia egípcia, acreditava que o dinheiro seria muito mais bem gasto em outras áreas do local, como a própria seção que ele chefiava.
- Eu adquiri este raríssimo título a um tempo atrás, mas acha que alguém ligou? Não, mas visitar a tumba de um cadáver de mais de mil anos com certeza chama a atenção da massa ignorante não é mesmo? - O livro a qual Parkin se referia era um mistério para Juliette e para todos. Ele apareceu um dia contando sobre o "interessantíssimo" título literário, mas nunca deixou ninguém além de ele próprio sequer olhar para o misterioso objeto. Deixava o suposto livro trancafiado a "sete chaves" em um cofre no seu escritório. O que era muito estranho, pois ele adorava se vangloriar de ter restaurado vários dos mais antigos e valiosos títulos da grande Biblioteca Britânica, local onde algumas das restaurações mais importantes eram levadas.
- Bom, agora que você entendeu como se faz, farei uma breve visita ao Sr. Anderson e depois irei sair, não quero ter de aguentar a cara de felicidade da Miller quando aquela coisa chegar, e a senhorita mantenha tudo em ordem! Entendeu?! - Dr. Parkin retirava suas luvas brancas usadas como precaução de contaminação de documentos e deixava o local em direção ao escritório do curador do museu. Um momento de paz e silêncio muito bem vindos para a Srta. Frazier, que poderia, enfim, cumprir com suas obrigações tranquilamente.
Se não fosse por mais uma pessoa.
Após um som de porta de madeira se abrindo morosamente, um jovem rapaz, relativamente alto, com cabelos pretos muito bem penteados com produtos da época e óculos dignos de um fundo de uma garrafa, adentrava a sala onde Juliette estava.
- Ah, senhorita Frazier, que bom encontra-la aqui, e ainda mais sozinha... Sabe, preciso discutir sobre uma proposta que acho que seria de seu interesse... Gostaria de vir comigo até meu escritório? - Gerard Rather era seu nome. O Sr. Rather fazia parte área financeira do museu. Era dele a responsabilidade de, em conjunto com investidores e a coroa, angariar fundos pra futuras aquisições e expedições. E também da dívida de uma certa jovem moça azarada.
Ronnie Green
Sede do jornal North Head - Domingo - 18 de dezembro de 1938 - 21h30min Pm
Alguns cigarros e vários cafés depois, o Sr Green enfim terminava sua matéria sobre o avanço perigoso da Alemanha nazista. Mesmo que o jornal fosse pequeno e que poucas pessoas se importavam em lê-lo, sua índole de jornalista profissional e seu desejo de se mostrar capaz para os outros meios de comunicações maiores os motivava a continuar. Também precisava sempre agradecer seu chefe, o Sr. Norman Hughes por telo contratado depois de cair em desgraça a um tempo atrás.
Eram passados das nove horas e trinta minutos quando o pesado e metálico telefone de parede tocou, chamando a atenção de Green. A unica pessoa que provavelmente ligaria a essa hora talvez fosse Norman, verificando se seu funcionário não estava dormindo em serviço e atrasando as matérias. Porém o mesmo estava em seu escritório desde cedo resolvendo as famosas e irritantes burocracias que um jornal poderia ter.
- Não vai atender essa droga de telefone não?! - Gritava Norman de dentro de seu apertado e humilde escritório. Ao atender, Ronnie ouve, por um breve momento, um zunido forte, como se fosse uma interferência. Depois o zunido some e uma voz feminina começa a falar:
- Senhor Green? Aqui é do hospital psiquiátrico Bethlem Royal, estamos ligando pra avisar que seu pai não está nada bem e seria importante o senhor vir para cá o quanto antes! - A voz era de alguém que aparentava estar muito preocupada e agitada.
Margareth caminhava pelo salão do museu que receberia a nova exposição quando notou Anna, sua assistente, correndo em sua direção. A jovem parecia um pouco desesperada e carregava (como sempre) sua prancheta de madeira pressionada ao peito enquanto gritava seu nome:
- Acho melhor se acalmar srta. Kesley ou em breve se juntará ao cadáver que colocaremos aqui - disse sorrindo para a jovem.
Esperou que a mesma retomasse o fôlego e lhe dissesse o motivo para tamanho alvoroço, e quando o ouviu não pode deixar de sentir que a jovem estava certa. Já esperava aquela múmia há tantos dias que teria matado os responsáveis pelo atraso com suas próprias mãos se tivesse tido a oportunidade. Ouviu o que Anna dizia até o fim, vendo suas bochechas ficarem vermelhas devido a tamanho atrevimento dos entregadores.
- Eles o que? - Perguntou, não acreditando no que a jovem lhe dizia - Vamos resolver isso agora mesmo... Venha comigo!
Começou a caminhar novamente quando ouviu a voz, já tão familiar, de Thomas Anderson, o curador e principal responsável pelo museu, que incrivelmente tinha o costume de "aparecer" nos momentos mais inconvenientes para atrapalhar seu trabalho. Respirou profundamente, contando internamente até 10 antes de respondê-lo:
- Sr. Anderson... Perdoe-nos pela agitação. Na verdade, a "maldita múmia" acaba de chegar e eu tenho coisas importantes a resolver em relação a ela no momento. Portanto, se me permite, não tenho tempo a perder com conversas agora. Volto em alguns instantes caso queira esperar... Ou pode se juntar a nós se quiser. Com licença! - Disse, olhando-o diretamente nos olhos com firmeza e fazendo um cumprimento rápido de cabeça antes de se retirar apressada. Não queria dar tempo para ele questioná-la ou pensar a respeito da encomenda, e muito menos poderia ficar ali perdendo tempo enquanto os entregadores faziam o que bem entendiam com a "sua" múmia.
Arthur remexeu-se na cama incomodado. Não desejava deixar sua fiel escudeira e companheira e todas as noites, ele realmente desejava dormir até mais tarde. Por pura preguiça e falta por terríveis pensamentos desconexos que lhe invadiam a mente deixando-o desmotivado, ele sentia saudades de seu tempo quando morava com os pais, que a pesar de tudo, ele não precisava acordar cedo e muito menos trabalhar até tarde. Seus pais não eram milionários, mas tinham condição o bastante para mantê-lo sem suar.
Aborrecido ele puxou um dos travesseiros cobrindo parcialmente o rosto e as orelhas, mas o dever o chamava. Ele não era mais o filhinho do papai de outrora, agora era um homem responsável por si e por seus atos. Ainda sonolento ele colocou os pés no chão frio buscando suas pantufas de leão, aquelas que havia ganhado de sua mãe no último inverno. Geralmente, o jovem Armstrong dormia completamente nu, pois era o único momento em que podia se sentir livre e confortável com seu corpo, mas as vezes optava por usar uma cueca velha e confortável como daquela vez.
Ainda sonolento e escutando as batidas na porta e uma voz nada estranha ecoarem insistentemente para dentro de seus tímpanos e chacoalharem seu cérebro. Arthur buscou seu roupão, contornou a cama em direção a porta principal de seu pequeno apartamento. Em outros momentos ele perguntaria quem era, mas ainda cultivando o tão amado sonho que estava tendo e perdido em seus pensamentos, não se preocupou em abrir a porta para descobrir quem ousava atrapalhar seu sono de beleza.
- AcK!! - Juliette retesou os ombros em um sobressalto, respirando fundo e segurando firme os tubo formado pelo pergaminho enrolado antes de disparar em indignação - Se continuar a falar assim comigo vou acabar estragando! Não me mate de susto! - se o Dr. Parkin realmente quisesse que seus pergaminhos sobrevivessem à sua assistente era melhor parar com essa mania.
Juliette sempre tentava tomar muito cuidado quando manejava objetos antigos, mas às vezes parecia que o azar estava além de qualquer medida preventiva que ela pudesse tomar, quase como se fosse algo sobrenatural, muito longe do alcance da jovem para tentar controlar. Claro que esse pequeno "defeito" sempre acabava complicando a vida de Juliette! Era por isso mesmo que agora ela tinha que fazer esse trabalho, PRATICAMENTE VOLUNTÁRIO, ao Dr. Parkin.
- O Doutor deve estar com uma lista bem grande de pecado, não é? - retrucou de forma ácida, não tendo gostado nem um pouco do comentário dele, enquanto o doutor lhe mostrava como manusear o objeto frágil.
Não tinha medo de irritar seus superiores, não estava ali porque queria mesmo. Só queria pagar logo sua dívida e ir para o que realmente importava. Irritar alguém do museu era o único prazer que Juliette poderia ter para aliviar seu mau humor, além de estar cercada de grandes histórias da antiguidade graças aos artefatos do museu, mas isso qualquer um que visitasse o prédio poderia vivenciar também - talvez nem todos pudessem tocar como ela, mas a verdade é que suas mãos só encostavam em pergaminhos, de qualquer jeito. E tinha que ser justo o tipo de artefato mais fácil de se danificar!!
- A múmia? - a jovem arregalou os olhos e deixou o pergaminho sobre a mesa. Isso sim parecia algo fascinante, infelizmente o Dr. Parkins não compartilhava o mesmo fascínio por cadáveres mumificados - Mas pense comigo, Dr. Parkin, múmias atraem o grande público muito mais do que papeis antigos que eles com certeza não conseguem ler.Logo, é uma boa aquisição para o museu! - disse de modo quase arrogante, assumindo uma postura que quase fazia parecer que ela que era a superior ali - Ahem. - percebeu que estava exagerando um pouco e encolheu os ombros, pigarreando - É óbvio que esses documentos também são importantes. Só estou dizendo que as pessoas gostam de ver outros tipos de artefatos.
Era fácil para Juliette perder a noção de hierarquia ou de como se portar efetivamente como uma dama. Isso tudo poderia ser atribuído a convivência com o excêntrico tio e as raras partipacipações em eventos sociais que poderiam moldar melhor essas deficiências nela. Livros, histórias e teorias não ensinavam tudo.
- E onde se encontra esse título tão raro para que eu possa ver e ter maior interesse sobre? Sobre o que é? Onde o Doutor obteve? Se ninguém nem ver o livro, as chances são... Bem, ninguém vai se interessar mesmo. - ia continuar a falar, pretendendo dizer que se ele queria esconder o livro, então que arcasse com a consequência de ninguém acreditar que tal objeto sequer existia, mas achou melhor ficar calada. Até Juliette sabia que tais acusações e afirmações com certeza poderiam abalar o ego de alguém na posição do Dr. Parkins.
Ela podia querer irritar algumas pessoas, mas não pretendia criar uma relação de ódio e desprezo entre os dois!
- Certamente, Dr. Parkins. Eu entendi tudo e a ordem será mantida. - deu um sorriso amarelo ao doutor, tentando agir um pouquinho mais profissional apenas para que ele lhe deixasse logo em paz e Juliette pudesse se concentrar no que estava fazendo.
A jovem estava concentrada em sua tarefa, quando ouviu o ranger da porta do cômodo se abrir. Juliette imediatamente ergueu as mãos, como se estivesse se rendendo as autoridades. Isso tudo apenas para que a distração não lhe fizesse cometer mais algum dano irreparável à uma peça do museu britânico. Ouviu Gerard Rather se manifestar ao entrar a porta e, após revirar os olhos com a interrupção, os apertou na direção do homem, sem ainda baixar as mãos. Por que, pelos nove círculos do inferno, ele precisava discutir uma proposta na ausência do Dr. Parkins?
- Uma proposta? Tem algo a ver com minha soltura? - se referia ao "trabalho escravo" que estava fazendo para eles - Muito bem, Sr. Rather. - finalmente apoiou as mãos na mesa e um leve sorriso quase vitorioso se instaurou em seus lábios - Eu lhe acompanharei. Estou curiosa com tal proposta. - respondeu sem dar muito tempo para o sujeito se manifestar. Juliette levantou-se vigorosamente da cadeira e deixou o cômodo com o Sr. Rather, deixando o pergaminho em que estava trabalhando exposto sobre a mesa. A porta, pelo menos, não tinha sido deixada escancarada. A jovem teve o cuidado de encostá-la devidamente.
O dia havia amanhecido frio e cercado de expectativa por parte de Ronnie Green. Ele tinha um artigo para redigir e entregar antes do meio-dia, e Ronnie não fazia ideia de como iria concluí-lo em tão poucas horas. Era como se todo o peso do jornal estivesse sobre as suas costas naquele momento, embora North Head não passasse de um humilde tabloide local.
Ronnie levava a sua profissão a sério, e se lhe davam uma missão, ele fazia de tudo para cumpri-la. Por esse motivo o jornalista acordou cedo naquela manhã, comeu às pressas o café da manhã e mal ousou tomar banho - ele não sabia ao certo se pelo frio ou pelo tempo que não podia desperdiçar - antes de partir até a sede do jornal. Cumprimentou a recepcionista e o seu chefe com um aceno, e rapidamente sentou-se atrás de sua máquina de escrever e se pôs a redigir o artigo para o Sr. Norman.
A todo momento ele olhava para o relatório metálico para monitorar as horas, e sua ansiedade era tanta que ele se pegou fumando alguns cigarros, algo que não acontecia fazia muito tempo. Já as xícaras de café eram obrigatórias para que ele não perdesse a concentração. Ele havia tido um progresso muito bom nas primeiras horas, e estivera tão focado em sua missão que só ouvira o telefone tocando quando a voz do seu chefe gritou de seu escritório perguntando se ninguém iria atender o telefonema.
- Alô? - Ronnie atendeu o telefone enquanto colocava mais açúcar em sua xícara, mas depois de ouvir a notícia dada pela pessoa do outro lado da linha, ele percebeu que não importava o quanto de açúcar colocasse, aquele café desceria amargo em seu estômago. - O meu pai... ?! Droga, mil vezes droga... - protestou, mais para si mesmo do que para o telefonista do hospital psiquiátrico em que seu pai estava alojado.
De todos os dias em que poderia ter ocorrido isso, tinha que ser justo hoje? Ronnie ficou algum tempo lamentando a sua falta de sorte, mas ele não podia deixar o seu pai na mão. Para o Bethlem Royal ter ligado para dar essa notícia é porque o seu pai devia estar realmente muito mal, e talvez até com a sua saúde física debilitada e em risco.
- Err... - retomou com hesitação a falar com o telefonista do hospital - por favor, avisa todo mundo que estou indo imediatamente para aí! Devo chegar em 15 ou 20 minutos no máximo.
Ronnie terminou de esvaziar a xícara de café, pegou o seu chapéu que estava pendurado num cabideiro e saiu da sua sala, dirigindo-se primeiramente até a recepcionista, onde pediu que ela avisasse o Sr. Norman que houve uma emergência, mas que ainda assim ele tentaria terminar o seu artigo até a hora necessária. Ronnie apertou o sobretudo contra o seu corpo antes de encarar os ventos frios do inverno londrino e então subiu em sua bicicleta esperando que não houvesse muita neve para atrasar o seu caminho até o hospital psiquiátrico.
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h50min Am
O Sr. Anderson arqueava suas sobrancelhas para a resposta ríspida de Margareth. Talvez nada o deixasse mais irritado do que a insubordinação de seus funcionários, mas como Margareth se prontificava de resolver toda a situação junto de sua assistente, resolveu deixa-la ir sem mais delongas, acenando com sua mão para que ela prosseguisse até a área de carga.
- Passarei lá daqui a alguns instantes. - Disse, também ríspido, já dando as costas para as duas e voltando para seu escritório.
As duas iam rápidas em direção ao setor de carga. O local ficava na parte de trás do museu, adjunto às garagens dos funcionários.
O setor de carga nada mais era do que um grande pavilhão coberto. Possuía vários e grandes pilares de sustentação, várias estantes e prateleiras industriais “forradas” de caixas e artefatos, que empilhados, chegavam quase até o teto. A entrada frontal do pavilhão se dava pelos enormes portões de metal que subiam até o teto formando um amontoado de ferro enrolado quando fechados.
Por isso ao adentrarem pela porta espessa de metal que ligava o museu á aquele setor, a primeira coisa que viam através dos enormes portões abertos era o horizonte acinzentado de Londres e a neve que caía, cobrindo toda a lateral da estrada que dava acesso ao lugar. A diferença de temperatura fazia as moças se arrepiar de frio.
Logo abaixo, depois de uma escada com alguns metros de altura, um enorme caminhão estacionado poderia ser visto logo abaixo, este que estava com sua parte da carga aberta e alguns homens mal-encarados "despejando" sem nenhum cuidado seu conteúdo.
As vastas prateleiras eram separadas par cada um dos tipos de setores do museu. Haviam várias placas com dizeres para a fácil identificação das mesmas, para assim cada objeto ser cuidadosamente armazenado e posteriormente achado e levado a seu respectivo setor.
Porém, os supostos entregadores pareciam estar com muita pressa para terminar o serviço, empilhavam as várias caixas de madeira de qualquer jeito, as colocando-as junto ao setor errado, no local de armazenamento de documentos históricos. Eles gritavam o tempo todo entre eles em uma língua diferente do inglês, e aparentavam ter a pele um pouco mais escura e "dourada" do que os típicos moradores da Inglaterra e alguns até vestiam uma espécie de pano branco em suas cabeças. O mais estranho era que a própria Margareth havia contratado uma equipe conhecida de entrega da região.
- Está vendo isso minha senhora?! Deste jeito eles vão acabar danificando as peças e confundindo toda a nossa linha de armazenagem! - Esperneava Anna, completamente indignada com a atitude daqueles sujeitos.
Arthur Armstrong Jr.
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Edifício Worth - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h05min Am
Geralmente Arthur receberia o inconveniente visitante com um singelo sermão ameaçador por incomoda-lo tão cedo da manhã. Isso se não resolvesse deixa-lo falando sozinho enquanto tentaria voltar a adentrar o mundo dos sonhos.
Mas resolveu atende-lo rapidamente ainda de roupão e pantufas, por reconhecer a voz da pessoa que o acordara com tanto esmero.
Era seu parceiro Alfred, com quem Arthur havia sido alocado junto depois da morte do parceiro anterior do mesmo. Algo que ele não gostava e evitava o tempo todo de comentar. Alfred era mais velho e mais experiente do que Arthur, portanto sempre ficava com a última palavra sobre as decisões da dupla, mesmo que Arhtur não gostasse e nem aprovasse aquilo.
Ele vestia um sobretudo acinzentado por cima de seu blazer e um belo chapéu da mesma cor e possuía duas pistolas seguras nos coldres presos embaixo de seu sobretudo. Um privilégio que agora Arthur também possuía por também ter deixado de ser um oficial e ter por acabado a ser promovido ao cargo de detetive.
- Bom dia para você também, bela adormecida. - Dizia já entrando no local trombando o ombro em Arthur com um sorriso de canto de boca no rosto e segurando o jornal na mão. Alfred sempre o tratava como um novato, mesmo Arthur já tendo se provado muito capaz de suas habilidades e méritos. Pelo jeito o jovem Armstrong precisaria aguentar e respeitar a famosa hierarquia da Scotland Yard se desejasse se dar bem. Ele acomodou-se em uma cadeira e falou, fingindo ler ao folhear o jornal:
- Se arruma logo, houve um assassinato e precisamos ir para lá antes que os outros peguem o caso e a gente fique a procurar gatos em arvores. - A rivalidade era imensa entre os funcionários da Scotland Yard. Como quase todas as investigações e apreensões saíam nas grandes mídias com destaques, todos lutavam para serem relevantes e talvez se tornarem, um dia, fortes candidatos ao cargo de novo comissário de polícia.
- Anda logo cara! Eu deixei um oficial de minha confiança lá segurando a situação para a gente, mas não podemos demorar muito! E olha lá embaixo... – Ele fazia um sinal apontando com seu dedo indicador para a janela do apartamento que ficava de frente para a rua. – Consegui o 452 para nós, Hahaha! quero ver a cara dos outros depois de descobrirem que chegamos lá com ele!
O carro que Alfred se referia e que estava estacionado em frente ao edifício de Arthur, era um Cadillac V16 da cor preta, série 452-A de 1930, de onde vinha o carinhoso apelido de “452”. Era o carro mais rápido de toda a Scotland Yard e um dos mais caros, por isso todos brigavam para poderem utilizá-lo.
Cadillac 452-A
Juliette Frazier
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British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h25min Am
- Esplêndido! Vamos, tenho certeza que a senhorita não irá se arrepender. - A respondia em um tom bem animado e com um sorriso largo, digno de mostrar toda a sua "bela" arcada dentária.
Ele a levava até seu escritório, que ficava no setor financeiro, no terceiro e último andar do museu. Tinham de passar por uma sala onde algumas pessoas trabalhavam em suas mesas e faziam várias anotações e atendiam ligações frenéticas em vários documentos. Para um museu, as coisas até que pareciam bem agitadas naquele local.
Sala do setor financeiro.
Gerard guiou Juliette através de uma porta nos fundos daquela sala, esta que estava sendo guardada por dois homens altos e fortes, vestidos com chapéus e sobretudos negros. Os dois ao avistarem Gerard e Juliette acenavam com cabeça e davam passagem para os dois.
Aquilo só poderia significar uma coisa para Juliette. Havia alguém muito importante os esperando dentro do escritório. Pois duvidava muito que o Gerard tivesse como pagar dois seguranças brutamontes sendo apenas um simples contabilista.
O escritório de Gerard, apesar de simples, era bem aconchegante e maior que a maioria dos escritórios ali do museu em que Juliette já havia entrado, com a clara exceção do escritório do seu curador, o Sr. Anderson.
Escritório do Sr. Rather.
Em frente a mesa de Gerard, sentado em uma poltrona aveludada, estava um homem de feição escondida entre as sombras. Fumava um cigarro delicadamente com as pernas cruzadas formalmente. Ao perceber a entrada dos dois, ele rapidamente apagava o cigarro em um cinzeiro em cima da mesa e se levantava, estufando o peito colocando as mãos para trás em um gesto típico de um nobre.
O Sr. Rather se prontificou de apresenta-lo assim que Juliette enfim adentrava o lugar e ele então poderia fechar a porta, em uma atitude um tanto precavida, como se não quisesse que fossem interrompidos e nem ouvidos.
- Srta. Frazier, lhe apresento Sir Louis Mountbatten, 1º Conde de Mountbatten, um dos nossos maiores incentivadores aqui do museu. - O homem então se revelava. Era alto e de belo porte, não aparentando passar dos 40 anos de idade. Vestia um uniforme de um oficial do exército britânico, a patente era desconhecida para Juliette, mas poderia imaginar que fosse alta, pelas inúmeras medalhas costuradas no lado esquerdo do uniforme. O sujeito aparentava ser uma pessoa bastante poderosa e influente, o que Gerard já havia deixado claro pela empolgada entonação na apresentação.
- Ah, deixe disso homem... - O conde vinha até Juliette, se curvando e beijando sua mão, demonstrando um cumprimento bastante cordial e respeitoso, digno de um verdadeiro cavalheiro real. - Não precisamos dessas apresentações espalhafatosas, não é mesmo Senhorita Frazier? - Dizia em um tom um tanto moroso e charmoso.
- Claro senhor, como desejar, então podemos discutir a proposta? Por favor, sentem-se. - Dizia Gerard, um pouco nervoso com a presença imponente de Sir. Luis. O conde acenou com a cabeça indicando para todos se sentarem, e começou:
- Como a senhorita já deve saber, eu faço parte de um seleto grupo de investidores aqui do museu, sou um apreciador das antiquárias por assim dizer, e gostaria de oferece-la uma participação em uma expedição que estamos desenvolvendo em conjunto com o museu... Sr. Rather por gentileza... - Gerard se apressava em achar uma pasta dentro da uma das gavetas de sua mesa e a entregava com cuidado nas mãos de Juliette.
No título da pasta, estava escrito: "Expedição Caracol"
- Se a senhorita aceitar fazer parte desta expedição, e obtiver sucesso antes de nossos concorrentes, o Sr. Rather aqui dará sua dívida como paga, não é mesmo Gerard? - O conde apontava para Gerard e em seguida puxava mais um cigarro de seu condecorado uniforme.
- Sim, exatamente, na verdade sempre achei um desperdício de uma arqueóloga como você Frazier, tendo de trabalhar na seção de documentos históricos com aquele esquisito do Dr. Parkin...
Para Juliette, a oferta parecia boa demais para ser verdade. Primeiro ela teria a oportunidade de exercer de fato sua verdadeira profissão, depois poderia também saudar sua grande dívida com o museu e se ver livre de todo aquele trabalho "voluntário".
- Nesta pasta está tudo que você precisa saber senhorita, pode levar com você e nos dar uma resposta até amanhã de manhã, falando com o nosso amigo Gerard aqui. – Gerard abria novamente mais um de seus grandes e largos sorrisos, feliz com a tarefa incumbida pelo conde. - Agora me perdoem, mas preciso me retirar, ainda possuo vários compromissos para hoje... - Sir. Luis então se levantava e estendia a mão se despedindo de Gerard.
Se virou para Juliette novamente se curvando e beijando sua mão. A disse com um olhar fixo, segurando a mão da moça com as suas antes de deixar o escritório:
- Espero que possamos contar com a senhorita, mande meus cumprimentos para seu tio, já faz um tempo que não nos vemos, com sua licença.
E então ele abria a porta e seguia, deixando seus seguranças para fecha-la. Agora somente Juliette e o Sr. Rather permaneciam sozinhos no escritório.
- Então? Gostou? Fui eu mesmo que te indiquei... – Dizia todo feliz, como se estivesse fazendo algo que o deixasse verdadeiramente orgulhoso e que merecesse uma recompensa.
- Sabe...hã... Juliette, eu... Você... – Gerard parecia agora mais nervoso e atrapalhado de que quando estava na presença do conde. – Você gostaria de ir assistir a ópera comigo? Eu tenho dois ingressos se te interessar... – Essa era a primeira vez que Juliette o via assim, todo tímido e envergonhado.
Ronnie Green
Sede do jornal North Head - Domingo - 18 de dezembro de 1938 - 21h30min Pm
- Isso senhor, venha o mais rápido possível! - Concluía a nervosa atendente do Bethlem Royal. Ronnie após avisar a única recepcionista do modesto tabloide, se dirigiu até o manicômio junto de sua fiel bicicleta. O problema era que seria quase impossível chegar em 20 minutos até local de bicicleta pela quantidade absurda de neve que atrapalhava sua locomoção.
Acabou demorando mais que o dobro do tempo previsto, mas pelo menos chegando em segurança até o hospital.
(...)
Hospital psiquiátrico Bethlem Royal - Domingo - 18 de dezembro de 1938 - 22h15min Pm
O hospital psiquiátrico Bethlem Royal era o manicômio mais antigo de toda a Inglaterra, e talvez o primeiro até de todo o reino unido. Tinha sido fundado ainda na idade média, e era famoso por abrigar os mais insanos pacientes de toda a Europa em suas acomodações nada confortáveis.
Claro que as autoridades do manicômio não gostavam da fama de "casa dos loucos" que o lugar havia adquirido ao longo dos anos, e vinham tentando mudar seus métodos antiquados para atender as novas tendências e a vencer novos concorrentes, fato que acabou por convencer o Sr. Green a internar seu pai naquele lugar.
Era um prédio que possuía uma arquitetura bastante incômoda para aqueles que não gostassem de uma bela mistura de estilos. Por ser uma construção muito velha, acabou passando por inúmeras reformas que deixavam sua estrutura digna de um famoso monstro do livro da autora "Mary Shelley". Seus grandes portões de ferro negro eram relativamente novos, junto com sua fachada, recentemente reformada para dar um "novo ar" de recepção. Já os outros anexos onde ficavam os pacientes pareciam mais vindos da época medieval, com suas paredes de pedras grandes encaixadas nelas mesmas e unidos com a boa e velha argamassa de argila.
Ronnie adentrou agitado o local e assim que o fez, uma moça com roupas brancas e chapéu com uma cruz vermelha em seu centro o recebeu:
- Ah! Senhor Green! Venha comigo, vou leva-lo até seu pai... - A recepcionista de plantão já era uma conhecida de Ronnie pelas várias vezes que o mesmo vinha visitar seu pai. Seu nome era Rose, e ela aparentava ser uma mulher bastante dedicada em seu trabalho, sempre cumprindo com os máximos cuidados aos seus pacientes, pelo menos aos olhos de um leigo nestes assuntos, o que era exatamente o caso de Ronnie.
Recepção do Bethlem Royal
Ela o guiava através de um longo corredor, que acabava mudando de forma conforme o trajeto, o que indicava que estavam adentrando em outra área da construção, essa bem mais antiga que as outras, pois não possuía luz elétrica e era iluminado totalmente com a luz tochas fixadas nas paredes.
Primeiro e moderno corredor.
Segundo e antigo corredor.
Mas o que mais chamava a atenção de Ronnie era o motivo, o porquê de seu pai, que não nunca havia apresentado reações violentas antes, de repente ter sido transferido para aquela especifica ala. Rose tentava clarear um pouco suas ideias, explicando a situação ao parar em frente a uma porta grossa feita de madeira e de forma arredondada, com barras de ferro no lugar da janela:
- Não sei o que aconteceu Sr. Green, seu pai parecia estar do mesmo jeito de sempre, mas agora el - Um grito enfurecido adjunto de um barulho de correntes sendo forçadas interrompia a moça, que levava um grande susto e colocava sua mão junto ao peito em sinal de medo. Aquela voz era um tanto familiar para Ronnie, apesar de já fazer um longo tempo que não mais a ouvia.
Os gritos se repetiam em uma única frase realmente compreensível:
- Arghhhh!! Eles... Eles estão vindo! Não! Não posso deixá-los! Nãooooooo!!
Era a voz de seu pai, o Sr. Morris. Ele havia voltado completamente louco da grande guerra, e ninguém sabia qual era de fato a causa de sua demência. Mas com o passar dos anos, ele acabou entrando em estado vegetativo devido aos sérios danos mentais que sofreu. Até aquela noite.
- Nós acabamos tendo de acorrenta-lo senhor, pois nem as ataduras de couro conseguiam conte-lo e... É como se ele estivesse entrado em um estado de frenesi inacreditável! Nós nunca vimos isso antes! - Rose parecia estar realmente chocada com toda aquela situação e falava com as mãos trêmulas. Olhando entre as barras de ferro, Ronnie poderia observar um pouco o quarto, reparando que as paredes eram velhas e mofadas e que a cama de ferro parecia se contorcer tamanha a força que a remexia.
Janela de barras da porta.
- Aqui está a chave, talvez o senhor possa dar um alento a esta pobre alma, talvez ele te escute... Eu irei chamar o doutor e logo voltaremos! - Ela entregava um enorme "molho" de chaves com pressa nas mãos de Ronnie e seguia correndo de volta de onde os dois tinham vindo.
Testes:
Aumar, faça um teste de condução, dificuldade 5 por causa da neve e outro teste de estabilidade dificuldade 4 por causa da situação com o pai do Ronnie. Se você não atingir o mínimo do teste de condução, e não quiser sofrer as consequências, pode gastar os pontos faltantes para compensar.
A viagem até o hospital psiquiátrico foi mais longa do que o previsto. Ronnie Green não parava de se maldizer durante todo o trajeto barrado pela neve. Eu devia ter pedido um táxi, arquejou depois de quinze minutos pedalando com toda a sua força e disposição. Ele sabia que tinha muita distância ainda a percorrer, mas, se ele pedisse um táxi, em que raios de lugar deixaria a sua bicicleta? Vai dar tudo certo, uma parte dizia para si mesmo, enquanto a outra parte pressentia, se me ligaram do hospital, é porque alguma coisa ruim aconteceu.
Ronnie enfim chegou ao já conhecido Bethlem Royal, onde logo foi atendido por Rose, uma das mulheres que trabalhavam no local.
- O que o meu pai tem? - perguntou de imediato, mas Rose não parou para respondê-lo. O jornalista então tratou de apertar o passo para segui-la. Enquanto caminhavam por uma dúzia de corredores, Ronnie percebeu como estava cansado em todos os sentidos. Ele, então, reparou que estavam indo para a área antiga do hospital, e perguntou, confuso: - Para onde estamos indo? A ala do meu pai não fica aqui.
Foi um comentário idiota, daqueles que não sabemos porque fazemos. Era claro que Rose sabia melhor do que qualquer um onde o Sr. Morris estaria alojado, e ela tampouco se perderia naquele lugar. A mulher começou a explicar em partes o que havia acontecido, mas então ela - e sobretudo Ronnie - foram surpreendidos pelos gritos ensandecidos de um homem. Eram os gritos do pai de Ronnie. Naquele momento o jornalista sentiu medo, pois nunca ouvira o seu pai gritar daquele jeito. Ele passou a mão pelos seus cabelos, por baixo do chapéu, e os sentiu úmidos de suor. Ele mal ouvira as últimas explicações de Rose.
- Meu pai... - murmurou, ainda aturdido.
Rose não parecia em estado melhor do que ele. Ela estava trêmula quando lhe entregou o molho de chaves.
- Espera aí, Rose... você disse que o acorrentou?
Ele teve a impressão de ter ouvido isso, o que foi confirmado novamente por ela. Era difícil imaginar o seu pai acorrentado por correntes, e quando ele olhou por entre as barras de ferro e viu a cama se contorcer, um arrepio lhe subiu por todo o seu corpo. Rose havia lhe entregado o molho com as chaves e dito que ia atrás do doutor, mas Ronnie sentia que ela queria mesmo era sair o mais rápido possível dali. E Ronnie não podia culpá-la. O próprio filho do paciente tinha muito medo do que podia encontrar atrás daquela porta.
Ronnie respirou fundo umas três vezes seguidas, tomou coragem e se dirigiu até a porta. Colocou a chave na fechadura, quase que torcendo para que Rose tivesse se confundido e aquela não fosse a chave certa, porém o clique da fechadura se destrancando era inconfundível. O jornalista, então, respirou fundo uma última vez e adentrou a nova ala hospitalar de seu pai.
Margareth caminhou rapidamente ao lado de Anna em direção ao setor de carga, na parte de trás do museu. A temperatura ali estava bem mais baixa, o que a fez lamentar por alguns segundos a ausência de um casaco. Lá fora, a neve caia cobrindo toda a cidade cinzenta de Londres de um branco pálido e natalino. Respirou fundo por um momento, lembrando que aquele seria o primeiro natal que passaria sem o marido, porém voltou à realidade ao ver o caminhão e os homens que descarregavam seu conteúdo sem cuidado algum não muito longe de onde estavam.
- Acalme-se, Anna. Perder o controle nesses momentos não leva a lugar algum.
Caminhou até lá determinada a por ordem na casa e mostrar quem mandava ali, passando pelas vastas prateleiras que guardavam os artefatos do museu. Não permitiria que aqueles homens fizessem o que bem entendessem com a "sua" carga. Aproximou-se calmamente ao lado de Anna e, colocando-se diante deles, falou o mais alto que pode, de maneira séria:
Juliette apenas levantou uma sobrancelha com o entusiasmo e o sorriso perturbador do Sr.Rather. Ela não sabia dizer se aquele sorriso era algo cínico e forçado ou era verdadeiro, só sabia que lhe deixava com certo desconforto.
- Ah, deveras. Deveras. - e diminuiu o tom da voz, quase que falando para si mesma - E espero que eu não me arrependa mesmo.
A Srta. Frazier seguiu o contabilista, subindo as escadarias do museu até que chegassem aos andares finais do prédio. O setor financeiro. Os dois passaram por uma sala onde pessoas trabalhavam em suas mesas e escreviam freneticamente em suas máquinas de escrever. Era incrível como haviam pessoas no museu que Juliette nunca via, pois ficavam enfurnadas em salas em andares superiores e quase nunca saíam de lá. Era um pouco claustrofóbico quando se pensava assim e, no momento, a única diferença dela para essas pessoas é que seus papeis de trabalho eram muito mais velhos e se ela pulasse da janela de sua sala não iria se machucar.
Janelas... Talvez por isso mesmo era que as janelas ali eram pequenas e quase ausentes.
Gerard conduziu Juliette pela sala na qual ela se distraía um pouco observando o ambiente que não lhe agradava muito, até que notou que estavam indo em direção à uma porta guardada por dois brutamontes. Juliette imediatamente fechou a expressão do rosto. Não iriam guardar relíquias no escritório de finanças, então provavelmente eles estavam guardando alguém e não algo - e certamente não seria o Sr. Rather!
Ela que não queria que um daqueles gigantes não fosse com sua cara, por isso tratou de estampar um sorriso ao pararem em frente à porta e cumprimentá-los:
- Bom dia, cavalheiros. - firme, porém gentil, como se estivesse se comunicando com os seus cavalos.
O primeiro estímulo que veio à Juliette foi o cheiro desagradável da fumaça de um cigarro, antes mesmo de poder tirar alguma conclusão sem muita importância sobre o escritório do Sr. Sorriso. Não gostava, mas já estava acostumada. Na universidade os homens costumavam fumar com frequencia.
E ali estava um homem sentado na poltrona do Sr. Rather, apagando seu cigarro em um cinzeiro e levantando-se daquele canto mais escuro escritório.
A postura era de alguém imponente e os seguranças do lado de fora só reforçavam a imagem. Apenas observou o homem por poucos instantes antes que Gerard começasse a apresentar a figura cheio de entusiasmo.
Era um conde e vestia um uniforme militar, adornado de muitas medalhas. "Primeiro Conde? Onde fica Mountbatten?" - se perguntava.
Juliette estava um pouco confusa com a relação que sua dívida tinha com aquele homem. Era por isso que ela subiu até o setor financeiro, não?
Tentando entender o que estava acontencendo, Juliette se esqueceu de cumprimentá-lo, até que o homem se aproximou e se curvou para beijar a mão da Srta. Frazier, que ficou um pouco desconcertada com o gesto, resetando os músculos do corpo e se encolhendo um pouco, mas sem se opor.
Não estava muito acostumada com homens tão educados. Geralmente eles deixam de ser educados quando Juliette se tornava uma ameaça aos postos e/ou costumes deles.
- Sim. Não. - respondeu, sem saber direito com o que concordar ou discordar, pigarreou e respirou fundo para relaxar os músculos - Por que eu estou aqui? - foi direto ao ponto instantes antes de Gerard pedir para que se sentassem para que a proposta fosse discutida - Sim, Estou curiosa para saber do que isso se trata. - Juliette estava um pouquinho impaciente, mas tentava não parecer uma pessoa desconfiada ou paranoia na frente deles.
Mesmo assim ela podia notar certo nervosismo em Gerard. Deveria se preocupar com isso?
Ela sentou-se em uma das poltronas como lhe foi indicado e tentou se acomodar um pouco, embora já estivesse cheia de dúvidas sobre que tipo de proposta alguém como aquele homem poderia lhe trazer.
- Uma expedição? - a jovem inclinou-se para frente e pousou as mãos sobre os braços da cadeira, arqueando as sobrancelhas.
Era uma ótima palavra. Praticamente a palavra mágica para Juliette, mas as circunstâncias ainda lhe faziam ficar com o pé atrás sobre essa pequena reunião.
Recebeu a pasta de Gerard e ficou encarando o título impresso na parte superior.
Expedição Caracol?
O conde voltou a falar, explicando que o sucesso da expedição significaria que sua divida estaria sanada. Era algo tentador que a Srta. Frazier tinha em mãos e um sorriso finalmente brotava de suas feições anteriormente bastante sérias.
- Compreendo, Sr. Duque. - ainda precisava de informações para dizer algo.
Expedições poderiam ser bastante longas, mas pelo jeito com que ele falava, essa parecia já ter concorrência. Quanto tempo será que aquela duraria?
Juliette percebia os elogios que o Sr. Rather fazia sobre ela. Que era um desperdício, ela realmente tinha que concordar, mas... Para alguém que tinha causado prejuízo ao museu, A Srta. Frazier estava sendo altamente elogiada por alguém que cuidava do dinheiro do museu.
- Obrigada pela consideração, Sr. Rather. - respondeu de modo neutro, ainda olhando para a pasta. Ansiava por abri-la, entretanto continuava esperando até que o Conde terminasse suas considerações - Farei isso. - respondeu ao duque com um belo sorriso, que vacilou por um momento ao notar que ele tinha acendido outro cigarro.
A mulher se levantou rápido da poltrona, levemente agitada, quando o duque também se pôs de pé.
- É uma lástima que tenha que se retirar, mas eu compreendo. O senhor deve ser um homem muito ocupado. - finalmente recordava-se de como se portar com pessoas importantes e resolvia conversar de modo mais educado e gentil.
O homem parou em frente à ela e repetiu o mesmo gesto de quando ela entrou no escritório, curvando-se e beijando a mão de Juliette. Desta vez ela agiu de modo mais natural e lhe deu um sorriso em resposta, mesmo que o olhar fixo do Conde fosse um pouco desconcertante. Ele ainda lhe segurava a mão, enquanto insinuava conhecer o tio dela.
Juliette ficou surpresa por alguns instantes. Então ele conhecia o tio dela? Seria isso bom? Assim talvez o tio James soubesse dizer algo sobre o homem em sua frente... Mas isso também queria dizer que o Conde já deveria ter informações sobre ela... É claro que um homem na posição dele teria pesquisado tudo o que conseguisse sobre essa arqueóloga antes de vir até ela lhe fazer alguma proposta!
Ela não gostava dessa posição em que estava de ser a única ali que quase não sabia nada da situação, por isso mesmo estava ansiosa para ler a pasta, só queria fazer isso longe do escritório financeiro.
- Tenha um bom dia, Senhor Duque. - deu um sorriso mais tímido desta vez, baixando os olhos, com aquele olhar dele lhe deixando meio nervosa. Felizmente ele lhe soltava a mão e se afastava para sair do escritório.
Enquanto o Conde se retirava da sala, a ansiedade de Juliette só aumentava em abrir a pasta, a qual ela voltava à encarar, mas seus pensamentos sobre a proposta foram interrompidas pela voz do contabilista, que lhe convidava para assistir uma ópera.
- Ópera? - era esse o interesse dele quando a indicou ao duque? - Sinto muito, Sr. Rather. Atualmente ando muito ocupada com um projeto na casa do meu tio. - ela se referia aos cavalos e qualquer outra coisa que fizesse por lá, como fazer pesquisas ou consertar carros e aviões, qualquer coisa menos esses eventos sociais. Seria ainda mais esquisito na companhia do homem com o sorriso perturbador - Talvez em uma próxima vez. Agora, se me der licença, tenho papeis novos e antigos para com os quais me dedicar. Tenha um bom dia de trabalho, Sr. Rather. - sorriu, fez uma pequena reverência com a cabeça e se dirigiu até a porta para voltar à sala do Dr. Parkin, onde podia ler os papeis contidos na pasta "Expedição Caracol" com tranquilidade.
Alfred era o típico “companheiro” indesejável, mas que por uma má sorte do destino Arthur não podia se ver livre dele. A verdade era que a cada dia que passava o detestava mais por sua arrogância, e sentia maior dificuldade de conseguir controlar seus impulsos, já que era muito mais difícil engolir palavras que não dizia. O jovem Armstrong acabara de ser promovido não fazia muito tempo e criar uma inimizade com alguém aparentemente tão influente não era muito inteligente, muito embora havia momentos que os punhos de Arthur coçassem para se encontrar com o nariz de Alfred. Até mesmo o seu nominho causava repulsa no jovem detetive.
Como ele ousava invadir a residência alheia assim abusando de tanta intimidade sem que houvesse nenhum relacionamento ali além do profissional? Arthur Jr. Bufou em silencio assistindo o parceiro que agia como seu chefe sentar-se como se estivesse em sua casa e dando-lhe ordens. Fez questão de tardar o máximo que pode só de birra, mas num minuto seus olhos arregalaram quando Alfred apontou com seu indicador o majestoso Cadillac preto 452 que jazia estacionado em frente ao edifício de Armstrong. “Uow...” Arthur deixou escapulir sem perceber.
Arthur Armstrong Jr. Vinha de uma família nobre, mas longe de serem milionários, porém muito bem de vida, mas ter a chance de andar em uma Cadillac daquelas não era para qualquer um, principalmente durante o trabalho e, se Alfred servia para alguma coisa além de dar ordens era impressiona-lo com a força de suas influências.
– Certo, eu me arrumo em um minuto! – Disse ele animado.
Arthur sempre gostou da vida agitada e nela incluía carros chamativos e esportivos também, até mesmo motos que ele poderia sentir a liberdade mesclada a uma adrenalina que lhe percorria a veia a mil por hora. Diversões essas que eram muito reprovadas por seus pais, mas agora que ele vivia sozinho não havia ninguém além de seu bom senso que o impedia de curtir a vida como bem quisesse.
Não tardou muito ele vestiu-se não muito diferente de Alfred. Um chapéu na cabeça, um sobretudo preto que cobria seu blazer por debaixo, utilizava botas próprias para dias frios. Munido de sua arma ele voltou para diante de seu parceiro indesejável e com um falso sorrisinho amarelo indicou que estava pronto.
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 8h00min Am
- Sim, a senhora está certíssima, me desculpe... – Concordava um tanto cabisbaixa a jovem moça dos cabelos loiros ondulados. Anna parecia um tanto nervosa e ansiosa até demais do que era de seu feitio ultimamente, algo que Margareth podia perceber claramente, por conhece-la muito bem. Algo ou alguém estava a deixando assim.
A Sra. Miller então se dirigia seguida de sua assistente a passos largos e firmes, fazendo um eco no grande armazém a cada passo que realizava com seus sapatos, chamando a atenção dos tais entregadores, que agora direcionavam seus olhares para as duas.
Ao ouvir a pergunta em alto e bom som da antiquária, os homens, que agora mais de perto, Margareth enfim conseguia identificar. Eles eram cidadãos de etnia Árabe, muito provavelmente vindos do Egito, e pela expressão confusa estampada em seus rostos, não falavam muito bem o idioma inglês.
Exemplo dos entregadores:
Eles olhavam e apontavam para um dos mais novos entre eles, e o mais velho deles falava gesticulando com as mãos, um tanto ansioso e nervoso para o mesmo em outro idioma, que talvez Margareth conhecesse:
O mais jovem então largou a última e pequena caixa de madeira ao chão e seguiu acenando e gesticulando em direção a Margareth e Anna.
- Ah... Nós entregar carga e – O garoto parecia ter uma enorme dificuldade para falar a língua natal das moças, e demorava um tanto para cada uma das palavras. – Aqui está... Desenho... Não, Diário! Diário capitão... – Ele então puxava de dentro de suas surradas e já suadas vestes de um tipo de pano qualquer um tanto sujo, um caderno pequeno e entregava às pressas com as mãos tremulas para Margareth.
Naquele momento o mais velho soltava um grito quase que incompreensível pela velocidade da fala, e todos os outros já começavam a se aprontar para deixar o local, fechando a porta da carga do caminhão e adentrando o mesmo. O jovem então os seguia depois de dizer uma última coisa para Margareth:
- Cuidado... Vocês... – Dando as costas com enorme pressa e entrando na cabine do caminhão. Da janela da porta, ele concluía:
- Cuidado com as... Faces, não! Al'aqniea! Al'aqniea!
O motorista então arrancava com o caminhão em alta velocidade e deixava não só aquele lugar, como as duas mulheres sem entenderem nada do que tinha acontecido.
- Mas, mas o que diabos foi isso!? – Esperneava totalmente perplexa Anna, mais confusa e desconfortável do que nunca. – O que é que aquele garoto te deu Sra. Miller? E que aconteceu com os entregadores que contratamos?
O pequeno caderno tinha uma capa de couro carmesim e era preso por um elástico. Pelo conhecimento de Margareth, aquilo provavelmente era algum tipo de diário de bordo de algum capitão de um navio. Talvez o registro da viagem da encomenda do Cairo até aqui? Mas o que isso estaria fazendo com aqueles entregadores egípcios e agora com ela, só uma investigação poderia revelar.
Caderno:
Ao ver o caminhão avançar em alta velocidade, um dos zeladores do local, o senhor Clarence, corria em direção as duas para saber o que tinha acontecido:
- Senhora Miller... Senhorita Kesley... – Ele as cumprimentava com extrema educação. – Algum problema com a entrega? Precisam de ajuda?
Por fim, haviam agora no setor dos documentos históricos umas quatro caixas grandes de madeira. Uma delas era maior e mais larga do que as outras, provavelmente a caixa onde estava armazenado o sarcófago da múmia e as outras menores os artefatos encontrados na tumba junto do mesmo.
Caixas:
As demais caixas:
A mais larga:
Clarence acabou reparando isso e comentando:
- Quer que eu chame o pessoal para levarmos as caixas para seu setor senhora? – Pelo menos as mulheres não precisariam se incomodar com tal atividade, e Anna já dava a deixa:
- Sim, Clarence, muito obrigada... Ah, e tome cuidado tá bom? Esse material é frágil...
- Mas é claro senhorita Kesley, pode deixar... – Ele então assoviava com os dedos na boca para aumentar o som e alguns outros funcionários apareciam para ajudar a levar as caixas para o setor correto.
- E então minha senhora, para a sala de restauração? - A sala em que Anna se referia ficava anexada em conjunto com o setor de antiquarias e do setor de arqueologia, possuindo os mais modernos equipamentos para o manuseio, identificação e restauração das peças antigas que vinham até o museu. Depois daquele lugar as peças iriam para o salão do museu, onde seriam expostas para o público.
Ali Margareth poderia enfim, pôr as mãos na tão amada história e desvendar seus segredos, algo que era sua verdadeira paixão e a motivava em seguir em frente com a cabeça levantada depois da sofrida perda de seu marido.
Mima, pode descrever a sala como você desejar se preferir ir para lá, afinal de contas a sua personagem a usa já a um bom tempo. Sobre a língua que os árabes estão falando, você pode tentar traduzir com o conhecimento de idiomas que a Margareth tem, não me lembro qual foi as que você escolheu, portanto pode me dizer pelo discord mesmo que eu anoto aqui e já te digo o que ela entendeu, ok?
Arthur Armstrong Jr.
***
Edifício Worth - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h15min Am
Alfred apesar de não possuir uma idade avançada, já era experiente em perceber e avaliar as emoções e os instintos das pessoas. Portanto, não foi nada difícil para ele prever a insatisfação presente no rosto de Arthur quando se sentou na cadeira e deu as ordens.
Sabia que seu companheiro odiava aquela atitude e que se segurava muito para não o agredir. Riu quando Arthur finalmente fez alusão ao belo e potente carro estacionado em frente a seu edifício e se prontificou de se apresar a se arrumar.
- Eu até iria deixar você dirigi-lo cara, mas por causa dessa sua birra comigo, vou te deixar de carona.
Quando Arthur finalmente se arrumara e falava para poderem prosseguir até o veículo, Alfred levantou-se da cadeira e colocando o jornal em baixo do braço, acendia um cigarro e o tragava como se aquilo fosse o deixar ainda mais disposto ao resto do dia, como uma verdadeira vitamina. Expelia a fumaça por todo o cômodo do apartamento onde estava deixando um nauseante e forte cheiro de tabaco queimado no ar.
- Até que enfim hein, achei que você tinha caído no vaso! Hahaha! – Ele então entregava o jornal o jogando contra o peito de Arthur e passava por ele em direção as escadas.
Conforme iriam descendo as escadas, Alfred passava alguns breves detalhes sobre o ocorrido:
- Acharam um corpo completamente mutilado em East End, parece que a coisa foi feia... – Chegam até a porta da saída e o vento gelado já começava a dar as caras para os dois – Parece que foi em um daqueles edifícios de apartamentos caindo os pedaços... – Se dirigiam então até o carro e o adentravam. – Toma cuidado Arhtur, vai que a moda pega e resolvem fazer o mesmo no seu apartamento hein? – Ele falava em tom debochado e dava alguns levas tapas nas costas de Arthur antes de fazer o possante motor do Cadillac bufar em alto e bom som.
- Calma, é brincadeira hahaha. – Alfred fazia o tipo do policial sarcástico e debochado, algo que não agradava nem um pouco a Arthur, mesmo sabendo que quando a investigação de fato começasse, ele se mostraria extremamente profissional, como sempre fazia. Fazer piadas antes de ver o resultado do crime era uma forma de Alfred tentar demonstrar despreocupação, mesmo que no fundo ele estivesse na verdade tenso com o que estava por vir.
Todos deveriam.
(....)
Edifício 04 – Distrito de East End - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 – 7h50min Am
- Ótimo, chegamos a tempo de nenhum abutre ter descoberto o ninho ainda. – Dizia Alfred em tom de alivio ao estacionar o carro em frente a um dos vários prédios geminados em situações precárias, uma característica do distrito mais pobre da cidade, East End.
Os tais abutres em que Alfred se referia eram os jornalistas, que pareciam estar cada vez mais onipresentes em todas as cenas de crimes na tentativa de lucrarem ainda mais em cima das desgraças alheias.
Naquela parte do bairro os edifícios não tinham nome, somente números para facilitar a identificação. Um número pintado à tinta branca destacava que o edifício em questão que deveriam investigar era o de número 4.
Algumas crianças sujas e mulambentas brincavam cedo nas ruas ali perto envolta de sua inocência, sem nem sequer saber que um macabro e horrendo crime havia sido cometido bem perto delas. Outros adultos sentavam abraçados envoltos em cobertores e choravam em cima de um muro em situação condenável, em frente ao lugar.
- Ótimo, Downey já colocou todos para fora. – Dizia Alfred, agora mais aliviado por não precisar ter o trabalho de tranquilizar os vizinhos da vítima.
- Primeiro entramos e averiguamos a cena, depois interrogamos os vizinhos.
Toda a situação do local deixava Arhtur enojado e ao mesmo tempo triste, porque mesmo tendo vindo de uma família nobre e rica, nunca deixou de demonstrar seu descontentamento pela situação com que as pessoas mais pobres tinham de viver, ou melhor, sobreviver.
Mas o que ele poderia fazer? Afinal era apenas um detetive fazendo o seu trabalho, cumprindo a sua função.
Ao abrirem a porta da frente, um oficial de baixa estatura e de leves costeletas vinha os receber com uma expressão extremamente abatida:
- Detetives... Até que enfim, eu... Meu deus Trigger, veja com seus próprios olhos, é no ultimo quarto, eu... Eu vou fumar um cigarro lá fora.
- Caramba Downey, desse jeito parece que você nunca viu um corpo morto antes, se recomponha homem...
- Só vão lá ver. – O oficial Downey então dava as costas para os dois e saía pela porta de entrada.
- Parece que a coisa foi pior do que eu imaginei... Garoto, pega esse lenço aqui. – Alfred alcançava um lenço de cor branca a Arhtur, provavelmente para tampar a boca conforme o cheiro ficasse mais forte. Sua feição mudava quase que por completo, de animada e descontraída agora passava a ser séria e preocupada. Arthur poderia prever que teriam bastante trabalho naquele caso.
Conforme iam subindo as escadas em forma de espiral, o cheiro nauseante de carne apodrecida enfestava o local e os dois lutavam para não vomitar, forçando os lenços contra suas bocas e narizes.
Ao chegarem ao último quarto, que coincidentemente como o prédio, tinha o número 4 marcado na porta. Alfred, que estava na frente tanto no posicionamento quanto na investigação, abriu a porta lentamente, fazenda a mesma ranger alto. Ao ver a cena, esticou o braço direito impedindo a passagem de Arthur e disse em total espanto:
- Puta merda.
Hylian, fica a vontade para interagir com o Alfred durante a viagem. Se você for entrar a ver a cena, o que eu acredito que vai, já pode rolar 1d6 com a dificuldade 4. A descrição da cena fica pro próximo post, junto com a consequência se você falhar no teste. Cliffhanger não parece tão legal agora não é?
Juliette Frazier
***
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h45min Am
- Mas..., mas... Tudo bem então. – Respondia o “homem do sorriso perturbador”, olhando para o chão todo cabisbaixo pelo categórico “fora” que havia levado de Juliette.
Ao se dirigir de volta a sala dos documentos, Juliette enfim poderia “dissecar” totalmente a pasta com os arquivos. Será que finalmente ela teria recebido a sorte divina com aquela oportunidade?
Porém, ao adentrar a sala, levou um susto ao ouvir um grito esbravejante:
- Mas que raios foi isso senhorita?! – Era o Dr. Parkin, que aparentemente já estava de volta de sabe-se lá de onde. E sua expressão parecia em completa fúria.
- Você tem um trabalho! Um trabalho! E ainda assim prefere sair por aí?! Está vendo esses documentos aqui em cima?! - Ele apontava para uma grande pilha de papéis e livros antigos acima da mesa de Juliette.
- Pois trate de restaura-los imediatamente ouviu?! Era só o que faltava, além de desastrosa, ainda é abusada... - Ele caminhava esbravejando de volta a seu escritório sem nem deixar Juliette ter o direito de resposta. Uma última fala poderia ser ouvida por Juliette um pouco abafada pela distância e pelo tom mais baixo, antes de o mesmo fechar a porta com força:
- Tomara que quando ela se casar, o seu marido a corrija, sim... Isso mesmo... Aí ela vai aprender...
Ao observar mais atentamente, a jovem poderia ver que uma corda prendia os documentos, e acima dela, em cima do primeiro título, havia uma marcação, uma escrita de identificação com os dizeres “Propriedade da Biblioteca Britânica”.
Parecia que Parkin estava fazendo favores aos seus amigos da biblioteca novamente, e dessa vez às custas da pobre e azarada Srta. Frazier. Talvez a ópera não fosse algo tão ruim assim afinal.
Mas para todo aquele trabalho escravo que amaldiçoava a vida da pobre Juliette, havia uma solução. E ela estava bem em suas mãos, um passe livre para bem longe de Parkin e seus papéis velhos e mofados.
Bastava para Juliette apenas abrir a pasta e ignorar as ordens de seu atual chefe, e toda essa tão sonhada utopia poderia se tornar verdade.
Na pasta haviam todos os detalhes da expedição e algumas fotos, informações sobre o local onde ela iria se realizar bem como, onde, e quando Juliette iria partir em viagem se decidisse aceitar a “empreitada”.
Fotos:
Mapa da Honduras Britânica:
A torre espiral:
Templo:
A expedição seria ao centro do continente americano, mais precisamente na recém descoberta “cidade arqueológica” de El caracol, no território pertencente ao Reino Unido, chamado de “Honduras Britânica”.
A Honduras Britânica era um dos territórios agregados pelas expedições inglesas na américa central. Seu povo era incialmente de origem dos famosos “Maias”, mas depois da chegada dos europeus e seu consequente domínio, a miscigenação cresceu em abundância. Mesmo sua língua oficial ser o inglês, fazer divisa com países colonizados pelos espanhóis resultou em uma diversidade ainda maior de povos e línguas na região.
Daí o nome dado de El caracol, que em inglês significa caracol (snail), dado por causa das grandes escadarias em forma de espiral da principal torre do lugar.
Este sitio arqueológico havia sido recém descoberto naquele mesmo ano, somente alguns meses antes, portanto ainda guardava vários segredos por serem desvendados. E a “missão” da Srta. Frazier seria exatamente nestes moldes, encontrar, identificar e trazer de volta uma espécie de estatua, um ídolo de um antigo deus cultuado pelos Maias. Não haviam detalhes específicos sobre o tal artefato, nem mesmo sobre sua aparência no relatório, provavelmente isso seria explicado após sua chegada ao local da expedição.
A excursão às belas e perigosas terras dos Maias partiria inicialmente de um navio naquela sexta-feira, dia 23, o que significava um natal em alto mar para Juliette. A embarcação sairia do porto de Londres, atravessaria o oceano atlântico e atracaria no mar do caribe, mais precisamente no porto da principal cidade e capital do território, Belize City.
De Belize City a viagem prosseguiria de um avião fretado até a cidade de Belmopan, onde pegariam alguns veículos até seu destino final.
Logicamente todos os custos e despesas da viagem ficariam a cargo do museu e de seus investidores. Todos ficariam hospedados em um dos alojamentos recém construídos na entrada do sitio.
Participar de tal expedição era sonho de qualquer arqueólogo ou de até qualquer entusiasta da área. Mesmo Juliette, que não estava muito por dentro das novidades arqueológicas por ter acabado se enfurnando nos velhos e fedorentos documentos do museu já tinha ouvido falar sobre a riquíssima história que o local deveria guardar.
E isso atraía vários concorrentes, algo que os documentos cedidos por Gerard deixavam bem explicito.
Os americanos, vindos da famosa e respeitada Universidade de Miskatonic, eram os principais adversários na corrida pela glória de El caracol, e a rivalidade entre os dois governos era histórica, mesmo com todas as politicas de aproximação que tinham sido feitas a um bom tempo atrás após a guerra pela independência das 13 colônias, agora o soberano e todo poderoso Estados Unidos da América.
Ursa, eu já coloquei as informações da pasta para adiantar, mas se você preferir não ler ela agora para fazer isso depois, não tem problema.
Ronnie Green
Bethlem Royal - Domingo - 18 de dezembro de 1938 - 22h25min Pm
Ao ouvir o som do clique da fechadura se abrindo adjunto dos berros enlouquecidos de seu pai, Ronnie acabou congelando em frente a porta por um tempo, sem nem mesmo abri-la. Precisava respirar fundo e se concentrar, pois toda aquela situação parecia inacreditável, considerando que o Sr. Morris Green já vegetava a pelo menos uns bons anos e tudo levava a crer que ele nunca de fato, se recuperaria.
Som do grito:
Após o tempo para se recompor, o que deveria ter levado alguns segundos, Ronnie enfim iria de encontro com seu pai. A grande porta arredondada de madeira rangia forte enquanto ele parecia ter de fazer força para abri-la, pois a mesma se arrastava e riscava consideravelmente o chão, talvez tivesse sido acoplada ali sem o mínimo cuidado e medições necessárias.
O quarto, que mais parecia uma cela de prisão medieval, possuía as paredes de pedras, com um mofo fedido e escuro se prendendo entre elas seguido de uma grande quantidade de umidade que escorria entre os mesmos. Uma única janela com barras de ferro dava sinais que havia de fato um mundo lá fora, e a iluminação de luz baixa e bruxuleante era de efeito de apenas uma tocha presa a uma parede próxima a entrada.
O local era extremamente frio, até para os padrões do inverno inglês.
Como se isso não bastasse, havia um homem, com uma idade já avançada, com os cabelos brancos, todos desgrenhados se debatendo e gritando como um louco tentando romper as correntes que o continham, deitado no único móvel do lugar, uma cama velha e enferrujada de metal que possuía um fino e sujo colchão que aparentava ser mais um pedaço de esponja do que outra coisa.
A situação do paciente era ainda mais deplorável que o local, pois vestia apenas uma roupa leve típica de pacientes de hospital, com uma abertura para facilitar suas necessidades básicas.
Olhando mais de perto Ronnie poderia concluir que seu pai estava lá sozinho a um bom tempo, pois enquanto se debatia freneticamente, seu corpo se esfregava com os restos de fezes e urina que manchavam o colchão.
- Não!!! Não posso deixá-los virem para cá! Não posso! Ahhhhh!!! – Seus gritos ensurdecedores ecoavam por todo o resto do silencioso setor antigo e Ronnie sentia sua cabeça latejar de dor.
E então por um instante tudo cessou quando o Sr. Morris fechou o olhar em Ronnie, os gritos, a agitação, era como se a presença de Ronnie tivesse feito seu pai alcançar um breve momento de lucidez.
- Quem... Quem é você? Porque... Porque eu... – Ele falava em tom completamente oposto do que vinha fazendo anteriormente, agora mais calmo e confuso, tentando entender aonde estava e o porquê das correntes.
Talvez essa fosse a chance de Ronnie finalmente ter uma tão esperada conversa com seu pai, algo que não acontecia há mais de 20 anos, desde o fim da grande guerra, quando Ronnie ainda era uma criança. Mesmo que a situação não fosse nem de longe a ideal.
Aumar, o primeiro parágrafo eu coloquei para você poder interpretar a perda de estabilidade que o Ronnie teve antes e que você tinha me pedido para deixar para o próximo post. E já pode fazer mais um teste de estabilidade por ver o Sr. Morris naquele estado, dificuldade 4 de novo.
Estado Atual::
Ronnie Green: - 5 de estabilidade / - 2 de condução.
Por mais que Ronnie tentasse ser corajoso, o último grito do seu pai fez todos os pelos do seu corpo se arrepiarem. Seu batimento cardíaco se acelerou e suas mãos suavam. Sua vontade era de sair correndo por aquele labirinto de corredores e alcançar o saguão bem iluminado do hospício, bem longe daquelas agourentas e escuras câmaras. Seu pressentimento naquele momento lhe dizia que havia sido um erro ter vindo até aqui.
Quando conseguiu se recompor, o jornalista teve ainda que fazer força para abrir a porta arredondada de madeira. Ela pareceu ranger peculiarmente alto e Ronnie temeu que estivesse atrapalhando o descanso das pobres almas penadas que estavam confinadas naquele terrível local.
Ronnie adentrou a sala despido de quaisquer defesas. A visão de seu pai acorrentado na cama, se debatendo igual um louco, o fez sentir uma compaixão que nunca antes havia sentido por alguém. Por que fizeram isso com o meu pai?, perguntava-se, por mais que a resposta estivesse bem à sua frente. Quanto tempo ele está aqui, preso? Quanto tempo não o alimentam? Ronnie reparou em marcas ao redor dos pulsos que insistentemente tentava se desvencilhar das correntes. Além de mais velho, o Sr. Morris parecia também mais magro. Aquilo o preocupava mais que tudo, e Ronnie tentou uma aproximação.
- Calma, pai... vai ficar tudo bem. Ninguém virá aqui. - Ele tentava acalmar o seu pai, quando de repente, sem mais nem menos, o Sr. Morris parou de gritar e começou a falar que nem uma pessoa são... porém sem reconhecer Ronnie. O jornalista se aproximou ainda mais, para que seu pai pudesse ver o seu rosto através da baixa iluminação da sala. - Sou eu, pai, Ronnie. O seu filho, lembra? Estou aqui para tirá-lo desse pesadelo. Pedirei para Rose levá-lo a outro recinto. Não se preocupe...
Ronnie acreditava que aquele isolamento só deixaria o seu pai cada vez pior. O contato com outras pessoas o deixaria menos agressivo, Ronnie tinha certeza daquilo, seu pai nunca fora assim e não seria agora. Ele estava ao lado do seu pai e lhe fez um carinho em sua cabeça, como que tentando dizer que tudo ficaria bem.
Como era difícil e até insuportável a convivência com Alfred, mas o jovem detetive era obrigado a suportá-lo e engolir suas amarras ignorando-as para manter o mínimo de harmonia que fosse possível para que trabalhassem juntos. Arthur Jr nunca fora o tipo de homem que passaria por cima de outrem para atingir seus objetivos, mas desde que conhecera seu odiável parceiro, aquela ideia começara a perpetuar em sua mente insistente por fazê-lo. Descobrir uma maneira de se livrar seu parceiro mandão era um de seus maiores objetivos tão quanto crescer em sua profissão.
Armstrong dera um sorrisinho forçado, daqueles que substituíam uma resposta direta que seus impulsos quase a jogavam para fora de sua boca sem sua permissão. A vontade de manda-lo enfiar o carro em seu orifício anal transformara-se em um sarcástico sorrisinho de canto da boca, enquanto o garoto aproveitava-se de sua capacidade sigilosa de poder xingá-lo em pensamentos, já que ainda não haviam inventado leitores de mente naquela época. Quem sabe nos anos dois mil, pensava ele, tudo era um sonho.
– Ou quem sabe não façam com você em seja lá onde você more... – Respondeu o jovem britânico seco sem dar muita atenção a brincadeira sem graça de Alfred.
O jovem nem teve muito tempo para se chatear com a fumaça que o parceiro fizera questão de expelir em seu apartamento e, por conta do frio, era impossível abrir as janelas. Sua mente já estava imaginando em como deveria estar a cena do crime e como estaria o corpo esquartejado. Era fácil imaginar um corpo com membros repartidos, mas ele talvez nunca tivesse visto um real de frente, ou pelo menos não se lembrava de ter visto nada tão medonho fora dos filmes de terror que costumava assistir.
– Já pegou algum caso como este? – Perguntou Arthur curioso, embora ele nem mesmo prestasse atenção na resposta. O jovem estava relativamente nervoso para a ocasião. Não saber o que iria encontrar o deixava ansioso e, como fazia parte da organização, provavelmente ele sabia mais do que muita gente, o que tinha seus pontos negativos, já que as vezes a ignorância é uma dadiva para uma vida sem preocupações.
Sentiu o motor do carro aquecer suas ideias encolheu-se na poltrona do carona, após fingir ouvir a resposta de Alfred e nada mais disse durante a viagem. Seus olhos pareciam assistir toda a viagem como se fosse em um filme, mas sua mente estava longe, ela estava imaginando como era o local do crime e o que poderia encontrar lá e uma pergunta muito importante e sem resposta martelava incansavelmente “Quem era o autor daqueles assassinatos tão brutais? ” Talvez fosse o próprio Alfred, pensou Arthur olhando-o sorrateiramente com sua visão periférica, pois ele não se chocaria se descobrisse. Seu parceiro tem cara de psicopata mesmo.
Arthur Jr. Só despertou de seu transe pessoal quando ouviu que o motor do carro havia cessado e seu parceiro chamara sua atenção para um grupo de prédios germinados em situações terríveis. – East... End... – Murmurou Arthur tão baixinho para ele só como se fosse um pedido de socorro, talvez por preconceito como um pedido de socorro de estar em um local muito longe de sua realidade.
Era realmente triste aquela situação de estar em um “mundo” mais pobre, onde as pessoas eram mais simples e as oportunidades não batiam sempre as portas das mesmas e, o jovem acreditava que qualquer um que não pertencesse aquela realidade se sentiria mal de estar ali, não por culpa, mas ver tamanha vida sofrida que aquelas pessoas enfrentavam dia, após dia. Arthur Jr. Não teve muito tempo para se sentir péssimo com o fato dele vir de uma realidade de fazer inveja a qualquer residente daquele local, pois logo encontraram o local do crime. O prédio de número quatro. Ele acenou educadamente para quem estivesse nas redondezas, talvez mesmo em um momento sério como aquele, ele não podia deixar de ser educado e simplesmente ignorar as pessoas, muito embora desejasse sair dali o quanto antes. A porta se abriu e o oficial Downey os recebeu. A expressão em seu rosto impressionou negativamente ao jovem detetive. A partir daquele momento ele tivera certeza de que algo estava realmente mal.
Ele já estava acostumado com Alfred assumindo aquele posto de cara sério e preocupado, talvez fosse o momento onde eles mais se toleravam e onde mais parecia agradável estar ao seu lado trabalhando em equipe. Arthur enrijeceu o rosto tal como seu parceiro mais velho, engoliu em seco. Recebeu o lenço de Alfred de modo que pudesse ajuda-lo a respirar e não vomitar no interior da residência, está que estava com um cheiro insuportável.
Arthur mantinha-se atrás de Alfred embora ele quisesse assumir a liderança, algo em seu interior o dizia que, naquele momento, o melhor para ele era manter-se atrás de seu parceiro. Ele só veio a entender o porquê de seu senso de perigo lhe ordenar manter-se atrás quando, ao atingirem o nível superior e com quase todo o lenço agarrado junto a boca e o nariz tentando segurar a ânsia de vômito que parecia querer sair a todo o custo eles encontraram a porta que separava eles da real cena do crime, também de número quatro.
“– Puta merda...” Ele ouviu Alfred dizer ao passar o braço a sua frente impedindo sua passagem. Arthur buscou inconscientemente o que tanto impressionou seu velho parceiro, muito embora algo em seu interior desejasse não ver. Ele não queria ter pesadelos aquela noite....
Margareth notou que os homens que tinha diante de si eram de origem árabe, o que era bastante estranho uma vez que havia contratado uma empresa local para fazer o transporte da mercadoria. Notou que eles não entendiam muito bem o inglês e pareciam confusos, motivo que talvez tivesse iniciado a confusão sobre o local de descarregamento das peças:
- Aihda ya rijal. ‘Ana faqat ‘urid ‘an ‘aerif man hu almaswuwl huna... Ma hi almudhkirat alty tatahadath eanha? - disse rapidamente vendo a reação deles diante de sua presença.
Viu o mais jovem deles colocar a última caixa de madeira no chão e vir em sua direção, acenando e tentando com dificuldade falar o inglês de forma que ela e Ana compreendessem.
- Mudhkirat alqubtan? - perguntou, pegando o objeto das mãos do rapaz e analisando-o por um segundo.
Naquele momento ouviu um grito quase que incompreensível e notou que os entregadores se aprontavam para deixar o local, fechando a porta do caminhão e adentrando o mesmo. O jovem que lhe entregara o diário, porém, antes de partir deixara um aviso para ela e sua assistente, dizendo que tivessem cuidado... Mas o que ele queria dizer com aquilo?
Olhou para Anna enquanto o mesmo entrava na cabine e da janela concluía: Al'aqniea! Al'aqniea! Correu em direção ao caminhão que já arrancava em alta velocidade e deixava não só aquele lugar, como as duas mulheres sem entenderem nada do que tinha acontecido.
Parou poucos passos depois ao perceber que nem que quisesse conseguiria alcançá-los. Respirou profundamente e voltou para perto de Anna que, perplexa, esperneava sobre o que acontecera ali.
- Boa pergunta, Anna! Acho que teremos que descobrir sozinhas.
Observou novamente o pequeno caderno de couro carmesim que tinha em mãos. Precisaria ver exatamente o que tinha ali antes de lidar com a situação, porém viu um dos zeladores, o senhor Clarence, aproximando-se delas para saber o que tinha acontecido.
- Bom dia, Senhor Clarence... Está tudo bem, apenas um pouco mais do mesmo - disse, tentando sorrir como conseguia depois de toda aquela situação embaraçosa.
Se tinha uma coisa da qual Margareth sempre se orgulhava era de nunca deixar a peteca cair. Precisava tirar suas caixas do setor de documentos históricos antes que alguém reclamasse e lhe tirasse a paciência. A pergunta que viria do zelador em seguida, portanto, lhe seria providencial, e teria lhe dito o quanto ficaria extremamente agradecida pela ajuda se Anna já não o estivesse respondendo e lhe pedindo para tomarem cuidado com a fragilidade das peças.
- Sim, Anna. Porém, eu gostaria que você acompanhasse isso aqui antes e depois fosse ao meu encontro... Eu vou dar uma olhada nisso primeiro - disse, balançando o diário brevemente para que a assistente acompanhasse seu raciocínio.
Agradeceu Clarence mais uma vez e começou a se afastar das caixas rumo ao museu novamente. Seja lá o que estivesse em suas mãos, sabia que não era algo bom, afinal aqueles homens estavam com pressa de se livrar da mercadoria ou não teriam praticamente fugido dela com tamanha velocidade.
Após toda a conversa e o desvencilhamento do convite de 888, Juliette finalmente poderia voltar para a sala de documentos, onde teria paz para estudar os papéis que lhe tinham sido dados. Ou pelo menos ela pensava assim, já que logo que entrou, tomou um grande susto com o berro que o Dr. Parkin deu. Os documentos em mãos por pouco não foram parar no chão.
- Dá para abaixar o tom desses berros? - inquiriu, sem paciência, após se recuperar do susto - Eu prezo pela integridade dos meus ouvidos! - exclamou quase tão alto quanto ele, mas retomou o tom usual da voz para continuar, após o discurso irritado de seu superior - Abusada eu seria se não houvesse voltado. Saiba o senhor que eu não sou um móvel ou um documento antigo para ficar entocada dentro desta sala o dia inteirinho. - dirigiu-se à mesa em que estava antes e deixou o envelope sobre ela, virando-se para o Sr. Parkin a tempo de vê-lo sair - sem lhe deixar responder sobre as restaurações - mas a tempo de ouvir seu comentário sobre casamento.
Juliette se mordeu de raiva quando ouviu tal insinuação. Ás vezes tinha verdadeiro horror aos homens e suas convicções estúpidas. Ninguém tinha o direito de querer corrigí-la! Até mesmo seu tio era capaz de entender isso - por isso nunca tentou tomar decisões importantes por ela - então porquê outros homens não conseguiam compreender que não tinham todo esse controle sobre ela?
Após respirar fundo algumas vezes e se acalmar, a arqueóloga voltou a sentar-se em sua cadeira, junto à mesa com os documentos que precisavam ser restaurados - e que foram ignorados novamente - e se concentrou no envelope que tinha recebido.
Juliette tirou as folhas de dentro do envelope com todo o cuidado e com a ajuda de uma lupa - que usava no auxilio das restaurações - começou a analisar os textos, fotos e mapas.
O destino era "Honduras Britânica" no sítio El Caracol.
A jovem já estava fascinada com o que tinha em mãos, tinha ouvido falar por cima sobre a descoberta do local. Então precisava encontrar uma estátua? Era bem específico. Será que não haveriam outros artefatos importantes por lá? ... Mas até fazia sentido financiarem uma expedição como esta com objetivos bem definidos.
O que importava era a oportunidade que a expedição criaria para a jovem arqueóloga! Finalmente poderia atuar naquilo que sempre quis!
Porém, Juliette agitou-se um pouco ao ver a data em que o navio partiria. Haviam poucos dias até que a expedição se iniciasse e passaria o Natal longe do tio, caso aceitasse, e no meio do oceano!Seria a primeira vez para ela. E sem falar na concorrência que, segundo os documentos, seu suposto "time" iria enfrentar.
Americanos. Mais para pedras no sapato dos ingleses.
Juliette terminou da verificar os documentos. Estava muito interessada em participar da expedição, mas ainda tinha até o dia seguinte para dar uma resposta e queria muito saber se o seu tio conhecia o homem que iria financiar a viagem, já que seu nome fora mencionado. Quem sabe ele poderia dizer algo ou até lhe aconselhar. Para entrar nessa ideia, era melhor que a jovem entendesse tudo perfeitamente, por isso mesmo iria reler tudo quando voltasse ao seu lar.
Enquanto o tempo não passava, iria fazer o FAVOR de restaurar os documentos para o cansativo Dr. Parkin, afinal, mesmo que o homem fosse insuportável, documentos antigos ainda eram importantes e dignos de serem restaurados.
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 8h05min Am
Depois daquela situação atípica e intrigante, com que Margareth havia lidado com extrema cautela e sabedoria, ela decidia deixar para Anna e o zelador Clarence, a responsabilidade da recém recebida carga da cidade do Cairo.
- Sim, minha senhora, como desejar. – Respondia a sua assistente, já se virando aos funcionários do museu e os instruindo a levarem as caixas até o setor adequado. Clarence acenava positivamente com a cabeça para a Sra. Miller e também auxiliava Anna e os demais.
(...)
Ao chegar em seu escritório, decidiu então investigar o que de fato teria acontecido com a atrasada viagem de sua encomenda especial. O caderno carmesim, se revelava, como Margareth já suspeitava, ser um diário de bordo do capitão do navio - o Comandante Ryan Powell - que deixara o porto do Cairo até o de Londres, no “Alvorada escarlate”.
Nada demais nas primeiras páginas, apenas registros e notas formais, como sobre a hora de partida do Cairo até o número de enlatados que sobravam dia após dia de consumo em alto mar.
Porém conforme Margareth avançava com sua sede de sabedoria e curiosidade através das já amareladas páginas do diário, mais ela descobria que o atraso da viagem se dava por algumas situações estranhas que passaram a acontecer na embarcação.
Vários registros feitos pelo próprio capitão, indicavam que alguns de seus homens, em especial os que trabalhavam perto do setor de carga do navio, começaram a demonstrar um comportamento anormal, as vezes se desligando por completo dos assuntos a sua volta, como se envoltos em um tipo de transe, as vezes dizendo coisas sem sentidos e até as vezes agredindo outros marinheiros sem nenhum motivo.
Decidido a tentar entender e resolver toda a situação, Powell então tentara dialogar com os arqueólogos que teriam descoberto a tal múmia, mas ao chegar em suas cabines, descobriria que todos tinham morrido, aparentemente de um súbito ataque do coração, segundo o médico do navio.
A cada página folheada, a escrita demonstrava certa ansiedade, como se o capitão do Alvorada estivesse cada vez mais nervoso, escrevendo com a mão trêmula. Após a descoberta da morte dos arqueólogos, Powell decidiu então, atracar o navio perto da costa de “Marsa Matruh”, uma das maiores cidades litorâneas do Egito.
Os acontecimentos depois daquela página se manteriam um mistério, pois as últimas folhas tinham sido arrancadas, restando apenas alguns rabiscos estranhos e algumas escritas em árabe. Com o conhecimento do idioma árabe a sua disposição, Margareth poderia decifrar que, adjunto ao montante de palavras sem o menor sentido, algumas já conhecidas poderiam ser identificadas.
Eram elas as palavras “Máscaras” e “Toph”, nome de um dos vários deuses que os antigos egípcios cultuavam.
Por dentro, na parte de trás da capa do diário, havia um tipo de pedaço de couro amarelado grudado sabe-se lá como, com um desenho em forma de espiral. Ao analisar melhor, Margareth sentia um tremendo mal-estar, como se um tipo de medo desconhecido até então por ela tomasse conta de seu corpo.
Isso porque, o tal couro na verdade era de pele humana, e o desenho, que fedia a ferro, era feito inteiramente de sangue. Margareth nunca tinha presenciado algo daquele tipo, daquele tipo de violência, de extrema selvageria. O que quer que teria acontecido naquele navio, talvez traria consequências inimagináveis aos indivíduos do museu. E Anna e Clarence provavelmente estariam naquele exato momento, abrindo e deslumbrando o conteúdo das caixas.
- Eu sinceramente espero que a senhora tenha resolvido a situação da nossa nova atração. – Uma voz rouca e envelhecida tirava a Sra. Miller de seu amedrontador transe. O senhor Anderson estava parado em sua frente esperando sua resposta. Margareth nem tinha visto ele adentrar sua sala.
- O que houve? Até parece que viu um fantasma... – Ele direcionava seu olhar para a mesa de Margareth, arqueando sua sobrancelha e depois a voltava para a antiquaria – Já está quase na hora do almoço, depois não me venha com reclamações de que eu a faço trabalhar como uma escrava...
Olhando para o relógio, Margareth poderia observar que já eram 11h40min da manhã. O mais curioso era que a leitura do diário não parecia ter durado mais de 1 hora.
Mima, faça um teste de estabilidade, dificuldade 4. Além disso, sua personagem já perde independentemente do resultado do teste, 1 ponto de estabilidade e 1 de sanidade por ter visto o pedaço de pele com o desenho em sangue. Depois de rolar o teste, eu direi o resultado e aí você poderá descrever como bem quiser o efeito que isso causou nela, pois a parte do medo que descrevi serve apenas como um incentivo, uma breve descrição.
Arthur Armstrong Jr.
***
Edifício Worth - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h18min Am
Estava na cara o desgosto que Arthur sentia em ser parceiro de alguém como Alfred, e o novato detetive precisava se controlar muito para não partir para a ignorância. Já Alfred, com muito mais experiencia, apenas se divertia com as indiretas de seu parceiro:
- Hahaha, esse é o espírito garoto, esse é o espírito....
Arthur, mesmo tentando disfarçar, se sentia um pouco nervoso com o que vinha pela frente, e seguia imaginando em sua mente como seria o estado do corpo. Decidiu perguntar se Alfred já havia pego um caso similar antes, e seu companheiro respondia:
- Vários, não se preocupe, eu sei o que fazer, é só você observar e não fazer merda. – Alfred demonstrava uma confiança típica de um detetive experiente. Mas as vezes as coisas não saíam como imaginávamos.
(....)
Edifício 04 – Distrito de East End - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 – 7h55min Am
Ao ouvir Alfred dizer aquelas duas palavras, a inconsciente curiosidade de Arthur falou mais alto que a razão, e então tentou enxergar toda a situação, se desvencilhando de seu parceiro e adentrando o quarto.
Apesar de o ambiente estar bem escuro, o estado deplorável da única e velha janela de madeira, que mesmo fechada, ajudava a passar uma pouca iluminação por entre suas frestas.
Arthur teve de lutar muito para não vomitar ali mesmo, pois conforme pisava ao chão, poderia sentir que a sola de seus pés – mesmo usando sapatos – se grudavam ao líquido grosso e escuro com forte cheiro de ferro que inundava grande parte daquele cômodo.
Alfred continuava fora do quarto, apenas observando a cena e iluminando o lugar com sua lanterna. O local fedia um misto de carne podre e estragada com um forte cheiro de mofo, como se aquele quarto não estivesse sido arejado a muito tempo. O bolor negro escorria por entre as precárias paredes, se misturando ao sangue putrefato que manchava todo o lugar, do teto até o chão.
Não possuía muitos moveis, apenas uma cama, um armário para se guardar as roupas e uma penteadeira com o espelho quebrado. Além da negritude mofada e sanguinária, nas paredes haviam também, grudadas, umas formas estranhas, parecidas com um tipo de espiral, formadas por algumas coisas compridas que Arthur não poderia distinguir diante de todo o sangue e mofo que jaziam por cima das mesmas.
Em cima da cama, esta que ficava encostada a parede oposta a entrada pela porta, se encontrava um cadáver do que outrora havia sido uma mulher. Havia sido porque aquilo não poderia mais ser considerado uma pessoa, não só por já estar morta, mas pelo drástico estado em que se encontrava. Toda a sua pele já estava em avançado estado de decomposição, com uma coloração marrom-acinzentada, como se um toque a fizesse se desmanchar por completo.
Seu rosto estava todo amassado, como se algo tivesse feito enorme pressão e o afundado para dentro, estourando desde todos os ossos da face, os olhos até o cérebro, este que infestava todo o travesseiro onde se apoiava, saindo por uma “cratera” aberta na parte de trás do crânio.
Os braços estavam pela metade, faltando os antebraços, como se estes tivessem sido rasgados e arrancados brutalmente. O mesmo também parecia ter sido feito com seus seios.
Na parte do abdômen – ou no que sobrou daquela parte do corpo – um enorme buraco oco jazia ali descendo desde a barriga até sua vagina, fazendo a sobra da pele parecer duas grandes abas de uma caixa de papelão. Era como se sua barriga tivesse sido rasgada e todos os seus órgãos internos retirados juntos com seus ossos. Suas pernas e seus pés pareciam intactos, com a exceção de seus dedos, que também tinham sido arrancados.
Toda aquela cena grotesca era demais não só para Arthur como também para Alfred. Nenhum dos dois jamais tinha visto um assassinato com aquela brutalidade, uma violência digna do famoso serial killer inglês do século passado, Jack o estripador.
Imagem da vítima (+18):
Alfred, depois de se recompor, se aproximou de seu parceiro e disse, em um tom sério, colocando as duas mãos nos bolsos da calça:
- Quando Downey disse que tinha sido feio, não imaginava que seria tão feio assim... – Sacou de seu bolso esquerdo um par de luvas emborrachadas de cor branca e as vestiu.
- Espero que tenha trazido as suas, garoto... – Se aproximava do corpo e continuava. – Eu fico com o corpo e você com as coisas dela, ok? – Por mais que Alfred tentasse bancar o policial durão e as vezes até sarcástico, dessa vez não conseguia fingir toda a sua preocupação.
- Ao menos que você prefira analisar isso aqui... – Dizia e apontava para o cadáver. – E faça um favor, abra a droga da janela, seria bom renovar um pouco o ar aqui.
Hylian, como você passou no teste, Arthur conseguiu evitar de vomitar e desmaiar ao ver a cena. Mas mesmo assim, perde 2 pontos de estabilidade, porque o crime foi de um nível tão horrendo que até o mais experiente detetive não conseguiria manter a compostura. O que ele sentiu, o efeito da perda de estabilidade, eu deixo pra você descrever como quiser. No manual há algumas sugestões se você preferir, mas não é obrigatório.
Juliette Frazier
***
British Museum - Segunda-feira - 19 de dezembro de 1938 - 7h47min Am
A jovem e valente Juliette não se deixava levar pelos berros furiosos de seu superior, e o respondia a altura. Mas o Dr. Parkin nem lhe dava ouvidos e seguia até seu escritório desdenhando da mesma.
Aquele comportamento, mesmo vindo de alguém como ele não era normal, e isso Juliette poderia perceber muito bem.
Desde quando Parkin veio com a história do tal fantástico e inestimável livro – o qual ninguém fazia a mínima ideia do que seria – ele não parecia mais ser o mesmo. Estava cada vez mais estressado e rabugento, chegando a desrespeitar não só Juliette, como também outros membros do museu, como o próprio curador, o Sr. Anderson.
A jovem então, começou a analisar os documentos minuciosamente, como sempre fazia com os documentos históricos a qual restaurava com muito esmero e dedicação. Mesmo que não a elogiassem por isso.
Após ler e entender sobre a bendita expedição, passou a se dedicar a restauração da pilha de livros que Parkin tinha deixado sobre sua mesa. Nenhum chamava muito a atenção da Srta Frazier, a maioria parecia somente gasta pelo passar do tempo e do consequente contato da gordura corporal com que vinha sofrendo. Um trabalho que demoraria algumas horas, dada a atenção redobrada com que Juliette precisaria ter ao manusear os frágeis títulos literários.
Geralmente eram obras sobre retratações históricas, como civilizações antigas e algo do tipo, mas um dos últimos livros chamava mais a atenção.
Chamava atenção por justamente não pertencer a aquele lugar, estava praticamente novo – em comparação com os outros que chegavam até lá - não aparentando ter mais de 20 anos, algo que Juliette poderia concluir pela integridade das paginas amareladas. Era um livro sobre astronomia, uma área que nunca havia chegado até as mãos da jovem e azarada arqueóloga.
Antes que Juliette pudesse analisá-lo melhor, um clarão surgia de dentro da sala do Dr. Parkin, e se expandia por toda o setor pelas grandes janelas de vidro da mesma. O clarão, que não durara nem 2 segundos, era de cor purpura e brilhosa.
Então Juliette poderia ouvir algumas vozes estranhas, falando em idiomas que ela não conhecia ou que estavam sendo abafadas pela distância e pela sala fechado de Parkin. Se mais algumas pessoas estavam ali com ele, Juliette não teria visto.
A porta se abria e Parkin saía em direção a Juliette, balbuciando coisas incompreensíveis, com os olhos revirados. Levava consigo em suas mãos, uma espécie de livreto pequeno. Ao chegar próximo a moça, ele falava, em um tom tão calmo, que parecia não pertencer aquele corpo:
- O livro... Eu preciso do livro, por favor... – E apontava para o tal livro de astronomia que estava em posse de Juliette.
Ursa, faça um teste de estabilidade com a dificuldade 4. Como a sua personagem nunca tinha presenciado uma cena como aquela antes, perde independentemente do resultado do teste, 1 ponto estabilidade. Como isso afetou sua personagem ficará a seu critério, mas faça o teste antes de começar o post, porque lhe direi em off o resultado e a consequência caso você falhe.
Ronnie Green
Bethlem Royal - Domingo - 18 de dezembro de 1938 - 22h25min Pm
Ao Ronnie se aproximar e se revelar como seu filho, Morris começava a balbuciar novamente e se virava, na tentativa de esconder o seu rosto por um momento.
- Eu não tenho filho... Não tenho...
Mas ao receber o carinhoso gesto de Ronnie em sua cabeça, ele volta a encara-lo, agora com um olhar determinado.
- Ahhh, pequeno Ronnie, é você? – Lágrimas começam a escorrer por seu sujo rosto, arrastando aquela imundície escura ainda mais para baixo, pingando por entre seu queixo.
- Me perdoe Ronnie, eu deveria ter te protegido, mas... Mas eu falhei, você corre pe – Antes de que Morris pudesse completar sua frase, toda - a já baixa - iluminação da cela se extingue por completo, deixando apenas uma imensurável escuridão no local. Passos apreçados poderiam ser ouvidos, estes, se que se aproximavam cada vez mais, ecoando por todo o antigo corredor de pedras.
- Eles estão vindo!! Corre Ronnie! Corre! – Gritou Morris, que voltando a sua atitude anterior, forçava as correntes, desta vez tão forte que toda a estrutura da cama de metal se levantava, jogando Ronnie para trás, mais perto da porta.
- AAAAHHHH! ELES ESTÃO VINDO! ELES ESTÃO VINDOOOOO!!!! - Ele então ergue suas mãos e diz uma palavra que Ronnie nunca tinha ouvido antes na vida, mas dessa vez ele não gritava, falava em um tom calmo, com a feição séria:
- Cy' fochrogy!
Então as luzes das tochas voltavam, mais fortes do que antes, e Ronnie poderia reparar que o lugar tinha mudado um pouco, não estava tão sujo como antes, ainda era de noite e também não ouvia mais os gritos de seu pai. Não ouvia porque ele não estava mais lá.
O lugar também não parecia mais tão frio, como se o rigoroso inverno inglês estivesse acabo, e a primavera tivesse chegado.
A porta, esta, a poucos centímetros de onde Ronnie tinha sido jogado, continuava aberta, revelando uma parte do corredor, este com muito mais portas que anteriormente. Nas janelas de barras de ferro das mesmas, vários braços se revelavam, tentando, em vão, alguma ajuda, além de berros ensurdecedores que ecoavam por todo o lugar.
A cabeça de Ronnie começava a doer incessantemente, latejando como se algo dentro dela estivesse forçando para sair. Toda aquela situação era demais para se compreender, demais para pelo menos reagir conscientemente.
Alguns poucos segundos depois, o som de passos voltava, ainda mais forte do que antes e paravam em frente a Ronnie, que não avistava ninguém, apenas uma pequena e arredondada mancha, de cor purpura, que aparentemente estava flutuando em sua frente. Mesmo não sendo um especialista na área da física, Ronnie poderia facilmente concluir que aquilo não deveria acontecer, que aquilo estava fora da realidade.
Então aquela esfera começava a riscar o vendo, espalhando sua cor forte e chamativa de dentro pra fora formando um grande símbolo, na forma de espiral.
Exemplo da espiral:
Aumar, como você passou no teste anterior, não vai perder estabilidade dessa vez. Mas vai fazer mais um teste de estabilidade, de novo com a dificuldade 4. Ronnie perdeu 2 pontos de sanidade pela cena com a espiral purpura. Só lembrando que você pode descrever como quiser as perdas de sanidade e estabilidade do seu personagem dese que sejam coerentes com a situação com que elas acontecem.
Estado Atual:
Ronnie Green: - 5 de estabilidade / - 2 de condução. / - 2 de sanidade.
Margareth Miller: - 1 de estabilidade. / - 1 de sanidade.
O Dr. Parkin tinha perdido toda a compostura a qual tinha visto nele quando Juliette veio ao museu, no fatídico dia em que estragou a importante peça da exposição. Aliás, por que isso sempre tinha que acontecer com ela? Estragar coisas importantes sem a menor intenção por trás disso? Só restava pagar o preço, mesmo contra sua vontade...
Agora o Dr. Parkin não passava de um rabugento que só sabia irritar a jovem cada vez que abria a boca! Talvez ele realmente merecesse uma assistente quw, como ela, não aguentava ficar ali sentada à mesa restaurando documentos o dia inteiro. Mas, em troca, Juliette tinha que aguentar o comportamento. Que preço à pagar...
Pelo menos tinha a expedição e isso talvez pudesse lhe salvar de ter que ficar muito mais tempo em meio à irritação de seu superior. Por isso mesmo se animou ao ler os documentos que lhe tinham sido confiados, só que ainda tinha os outros documentos para lidar. Os que tinham centenas de anos. Papéis e livros desgastados, que tinham que ser manuseados com extremo cuidados e... Tinha um livro que destoava dos outros, no final da pilha. Com certeza novo, em relação aos seus companheiros do amontoado de papel.
Astronomia? A jovem concluiu ao folhear-lo brevemente, curiosa com a presença do objeto que claramente estava no lugar errado. O Sr. Parkin tinha deixado ali por engano? Devia ser isso mesmo. Talvez estivesse pesquisando algo sobre alguma civilização antiga - afinal a astronomia costumava ser algo importante em povos de centenas de anos atrás - e acabou juntando com os demais livros.
A Srta. Frazier podia até entender alguma coisa de astronomia em relação àquilo que povos antigos tinham conhecimento, mas admitia que astronomia moderna não era seu forte, pouco sabia sobre o assunto.
Enquanto ela ponderava sobre a utilidade do livro, um clarão aconteceu na direção da sala de seu superior. Atravessando os videos das janelas com tamanha potência que lembrava holofotes daqueles que eram usados para encontrar aviões no céu durante a grande guerra, dos quais o tio James tinha descrito à Juliette. Ela não chegou à vê-los ao vivo, apenas por fotografias, mas imaginava que causaria o mesmo desconforto aos olhos ter um desdes aceso por perto. Ela não lembrava do tio falando sobre terem essa coloração púrpura muito peculiar. A jovem cobriu os olhos quando o evento aconteceu, mas a claridão durou poucos segundos e se extinguiu. Mesmo assim era algo extremamente inusitado de se acontecer em um escritório de um restaurados de documentos antigos.
Completamente em estado de alerta, a atenção de Juliette imediatamente se voltou à sala do Dr. Parkin. O que poderia ter acontecido no escritório?? Foi quando notou as vozes. Vozes que vinham lá de dentro e se comunicavam com palavras que Juliette mal podia ouvir, mas tinha quase certeza de que se pudesse distingui-las perfeitamente, ainda assim não poderia compreender. Mas o mais alarmante de todos os eventos... Quando foi que outras pessoas se deslocaram até a sala do homem? Não tinha visto mais ninguém até então...
Juliette pressionou as costas contra o encosto da cadeira ao ver a porta se abrir, um pouco tensa devido ao evento estranho que acabava de acontecer... Não achava que o Dr. Parkin guardava um holofote dentro da sala dele, mas vai saber...
Só que o que lhe deixou mais nervosa foi o modo com o que o homem saiu de sua sala. Resmungando algo para si mesmo? Será que ele estava ficando louco? Mas os olhos revirados... Juliette se levantou da cadeira rapidamente, quando notou que ele vinha em sua direção. Tinha os músculos do corpo tensos, sem saber direito o que estava acontecendo. Deveria ir atrás de alguém que pudesse chamar um médico?
Com um olhar atônito, Juliette observava Dr. Parkin se aproximar dela, carregando um pequeno livro em mãos e se comunicando com sua assistente tão calmamente que até destoava do olhar atônito e confuso da jovem sobre ele.
Juliette até tinha esquecido que ainda tinha o tal livro de astronomia em mãos.
- Livro? - perguntou, encarou o objeto em mãos brevemente, antes de erguer a cabeça novamente na direção do Dr. Parkin - O senhor está fazendo alguma pesquisa sobre astronomia? - ainda estava bastante incomodada com o jeito dele, mas questionava, apenas para ganhar um tempinho e tentar ver sobre o ombro do doutor em direção à sua sala. Quem eram as pessoas com quem estava falando e o que tinha sido o clarão? Talvez conseguisse ver, embora o nervosismo lhe atrapalhasse um pouco na hora de manter a compostura.
Não tinha certeza se deveria ou não procurar ajuda para ele.
Ia entregar o livro, não tinha por que ficar com ele, no entanto queria antes ter certeza de que o sujeito não estava sofrendo de algum mal, por isso tentava se comunicar com o Dr. Parkin.
Mas... Ainda assim, estava meio assustada com a situação.
Primeiro houve a frustração por seu pai não ter reconhecido Ronnie como seu filho, mas logo em seguida a memória parecia ter se voltado ao Sr. Morris.
- Sim, pai, sou eu... o seu pequeno Ronnie, está lembrado? - o jornalista agora agarrava-se com força à mão de seu pai. As lágrimas começaram a cair de seus olhos ao ver Morris chorando. Ronnie não se lembra de já ter visto o seu pai naquele estado. - Você não falhou, pai, você é o meu herói, o herói da grande guerra.
Então algo aconteceu que tirou toda a coragem de Ronnie. As parcas luzes da cela se apagaram por completo, e o jornalista começou a ouvir passos apressados. Ele imaginou que os sons fossem frutos de sua imaginação, e que a luz havia se apagado por alguma lufada de vento. Mas um lugar como aquele não parecia ser capaz de ventar tão forte a ponto de apagar uma lamparina. Antes que houvesse tempo para pensar em qualquer coisa, o Sr. Morris voltou a gritar e tentar se livrar das correntes, e Ronnie caiu para trás ante aquela força descomunal que o seu pai apresentava. Seu pai gritava para ele correr, e tudo o que Ronnie queria naquele momento era fazer o que ele falava; ele queria fugir dali o mais depressa possível, mas de repente as luzes voltaram, e para seu espanto, o Sr. Morris não se encontrava mais na cela.
As coisas haviam mudado de figura e era muito difícil para Ronnie assimilar aquilo, ele não conseguia entender o que estava acontecendo, havia berros que ecoavam pelo lugar e braços agitados que saíram das demais celas do corredor, e Ronnie não se lembrava de nada daquilo quando tinha vindo até a cela do seu pai. Onde está o meu pai?!, pensou enquanto se apoiava na parede e colocava à mão na testa. Sua cabeça latejava de dor e ele achava que desmaiaria a qualquer momento.
Mas toda aquela loucura parecia estar longe de acabar. Uma mancha flutuante surgiu no interior da cela e desenhou uma espiral no ar. Aquilo era demais para Ronnie.
- ME TIREM DAQUI! - gritava, pois era só o que restava a fazer. - ROSE, ALGUÉM AÍ, O QUE ESTÁ ACONTECENDO PELO AMOR DE DEUS!
Ele não conseguia mais olhar para nenhuma direção e seguir em frente. Ronnie fechava os olhos e gritava por qualquer ajuda. Ele se sentia encurralado, como um animal acuado por um predador maior e mais forte. Não havia saída para aquele pesadelo, e ele não se dava mais conta de suas atitudes. Talvez tivesse tentado correr sem se dar conta, mas para onde ele correria? A confusão e o medo eram implacáveis, e Ronnie não tinha ideia de como sair daquele pesadelo.
Assim que chegou à sala da restauração, Margareth procurou uma poltrona que ficava próxima a uma das janelas. Ali poderia sentar-se confortavelmente e aproveitar a luminosidade natural do dia para investigar a caderneta que tinha em mãos.
As primeiras páginas escritas pelo capitão Ryan Powell não continham nada além de retratos cotidianos e até mesmo um pouco enfadonhos contando os preparativos para a viagem que sairia do Cairo até o porto de Londres em um navio de nome “Alvorada Escarlate”. Porém, à medida que ia passando as páginas, pode notar que várias situações estranhas aconteciam, revelando os motivos para o atraso de sua mercadoria.
Ao que tudo indicava, seus homens, em especial os que trabalhavam perto do setor de carga do navio, começaram a demonstrar um comportamento anormal, às vezes se desligando por completo dos assuntos a sua volta, como se envoltos em algum tipo de transe, chegando até mesmo a dizer coisas sem sentidos e a agredir outros marinheiros sem motivo aparente.
A cada página folheada, a escrita do capitão se mostrava mais desleixada e apressada, principalmente após abordar a morte dos arqueólogos que havia descoberto a múmia que ficaria em exposição no museu.
Notou que as últimas folhas do diário haviam curiosamente sido arrancadas, pouco após informar que o navio atracara na costa de Marsa Matruh, uma das maiores cidade litorâneas do Egito.
Margareth girou o pescoço e ajeitou-se na cadeira. Não sabia exatamente quanto tempo ficara ali, lendo o pequeno diário, mas sua coluna começava a doer. Passou os dedos delicadamente sobre algumas escritas em árabe que se encontravam nas últimas páginas junto a rabiscos bastante estranhos. “Máscaras e Toph... O que isso significa afinal?”, pensou enquanto relembrava as palavras do rapaz que lhe entregara o diário antes de sair correndo no pequeno caminhão junto aos outros entregadores.
Observou por alguns segundos um desenho em forma de espiral que estava grudado ali e um sentimento angustiante lhe invadiu, deixando-a em choque por alguns segundos. Para qualquer leigo, aquilo passaria como um pedaço de couro, mas ela, como especialista, sabia que aquilo era pele humana. Ela inclusive ainda podia sentir o cheiro de queimado misturado ao de sangue exalando de suas formas, coisa que jamais havia presenciado anteriormente... Pelo menos não naquela região.
Pensava em tudo o que aquilo significava não só para o museu, como para Clarence e Anna, que estavam em contato com aquele conteúdo, quando uma voz rouca a despertou de seus pensamentos, fazendo com que deixasse o livro cair de suas mãos:
- Ora senhor Anderson... Precisa parar com esse hábito de andar por aí como uma múmia velha e silenciosa. Um dia ainda irá matar alguém do coração!
A mulher respirou profundamente, abaixando-se para pegar o diário no chão e levantando-se em seguida enquanto ele continuava a falar:
- Eu vi o senhor - disse ela, sorrindo enquanto se aproximava do homem - E não me lembro de já ter reclamado do meu trabalho. Mas fique tranquilo, irei almoçar em breve. Preciso encontrar a Anna antes.
Margareth olhou para o relógio que havia ali perto surpresa e, em seguida, pedindo licença ao curador, partiu em busca de sua assistente novamente com o pequeno diário ainda em mãos.