por Tellurian Qui Ago 30, 2018 4:10 pm
A Onça se aproximou, farejando a mão de Gwen e a lambendo de forma gentil. Ela virou as costas, e caminhou para dentro da mata. Olhou para a Galliard nos olhos, e ela soube que deveria segui-la.
Andaram juntas por alguns minutos, até que a Fianna começou a ouvir o correr da água. Entraram em outra clareira, e ali corria um rio. As águas cortavam as rochas em um passo tranquilo, mas constante. A onça sentou-se no leito do rio e observou Gwenhwyfar.
A ruiva se aproximou das águas, lançando-lhes um olhar. Viu que o seu pingente de floco de neve havia saído de seu refúgio entre seus seios durante a corrida e agora brilhava em seu peito, exposto ao vento de inverno. E sua mente se enevoou ao olhar, perdendo a consciência.
Gwen abriu os olhos, e estava nevando. A Lua cheia brilhava pálida, ofuscada pelos ventos fortes da nevasca. Olhou em volta, e viu que estava em frente a uma cabana em meio a tempestade. Aquela cabana. A mesma onde, anos atrás, observou as luzes da Aurora em meio à neve, aquecida pelo seu coração e pelo seu amor. Mas hoje, a única luz no céu além da pálida lua era o agourento brilho vermelho da Estrela Rubra. O olho maligno que a todos observava.
Um grito agudo e terrível fez Gwen tapar os ouvidos e cair de joelhos. O medo e a ansiedade gritaram em seu peito, e no topo da montanha a Fianna viu um imenso Dragão gritar aos céus e tentar devorar a própria Luna. Um relâmpago cortou o céu, e a Fênix cravou suas garras no Dragão, que urrou de dor e de ódio. Gwen misturou seu próprio grito ao do Dragão conforme a batalha em meio à nevasca prosseguia.
Subitamente, não estava mais lá. Estava em uma colina. Vários homens e mulheres ao seu lado, com os corpos nus desprotegidos do vento frio. Eram altos e orgulhosos, belos e poderosos. Sabia que eram Garou, cada um deles. Mas eram tão jovens, e tão poucos! Onde estavam os líderes?
E então o coração de Aurora Serena parou. Ela reconheceu o homem à beira do precipício, que observava a tundra congelada abaixo. Trazia um escudo de bronze no braço esquerdo e com o direito segurava uma grande lança adornada. Tinha tatuagens que não conhecia cobrindo o braço direito, onde seu primeiro torc lhe adornava o pulso. Mas o que desesperou Gwen foi o seu olhar. Ela sabia que o Ahroun já havia visto a morte várias vezes, e Gwen soube naquele momento que ele a olhava nos olhos mais uma vez.
A Galliard olhou para a planície abaixo. As sombras se deitaram sobre ela e se contorciam. E horrores nasciam do coração das trevas, profanando o solo e blasfemando ao céu. Formas monstruosas e amorfas que traziam no vento o cheiro de morte e putrefação. Suas vozes gritavam agonia e ódio. Gwen voltou seus olhos para os Garou atrás dela. Eram jovens e poucos, mas eram resignados e valorosos. Não havia medo em suas faces, nem hesitação. Tinham seu coração cheio de Honra. Traziam consigo o orgulho de sua terra, sua raça, sua Tribo, seu povo. Lutariam, Gwenhwyfar sabia. Lutariam uma luta perdida. Por Gaia. Pela Wyld. Pelos Garou. E por seus amores.
Gwen correu e tentou abraçá-lo. Impedi-lo. Implorar para que saísse dali. Para que ficasse vivo pra ela. Mas quanto mais ela corria, mais incapaz se sentia de alcançá-lo. Sua voz estava fraca, e seu peito pesado. Ela viu quando ele fechou os olhos, e seu rosto transpareceu paz. Ele levou o pulso direito ao peito, tocando o torc em seu coração. Gwen leus seus lábios sussurrarem "Koshechka". E ela soube que seus últimos pensamentos eram pra ela.
A Fúria explodiu no peito do Ahroun e o poderoso Crinos cor de neve uivou para a Lua Cheia, junto com seus companheiros. Batiam as lanças nos escudos e os pés no chão. Uivavam e rosnavam e gritavam. E quando os horrores abaixo silenciaram, eles ergueram suas lanças e correram para a batalha, que Gwen só conseguia observar ao longe, não importa o quanto se debatesse e gritasse.
O caos era imenso. O vento uivava tão fortemente que quase abafava os gritos. O som de metal contra metal. O cheiro de sangue. Os Garou lutavam com valor, mas o inimigo era numeroso demais. Poderoso demais. Aurora Serena procurava desesperadamente por ele no meio da batalha, mas tudo era muito confuso. Finalmente o encontrou e viu que lutava desesperado, mas com o valor dos Ahroun. Sua lança pingava com o sangue negro dos inimigos, e seu escudo estava rachado. Tentou correr para ajudá-lo, como fizera anos antes, em outra nevasca, contra outro inimigo. Mas foi em vão.
Pássaros de fogo cortaram o céu e puseram seus ovos de morte. E quando as chamas se ergueram aos céus no formato de cogumelos enfeitiçados, Gaia gritou de dor. O fogo devorou a planície congelada, consumindo a batalha abaixo. Aurora Serena tentou erguer suas mãos pra alcançá-lo uma última vez, até que a luz a ofuscou e tudo ficou branco.
Gwen acordou na clareira. A Onça-pintada a observava, se aproximando e lambendo seus tornozelos, em consolo à filha amedrontada.