As estrelas não se moviam ao toque de Antônio, incrustadas de forma firme à base das estátuas. Mas a mente do Caçador trabalhava envolta em uma nuvem de frieza lógica, que o tornava bastante centrado em situações como aquela. As duas estátuas que possuíam as pedras lisas e redondas no globo ocular eram marcadas por
quatro e
nove pontas nas estrelas, respectivamente.
Se o primeiro número em uma sequência era o 4, e o seguinte era o 9, qual seria o terceiro número? Antônio sabia que essa era a resposta. Um enigma matemático. Entretanto, apesar de que algo o avisava de que um Noturno poderia levar séculos pensando numa resposta, aquele enigma não parecia ser intencionalmente complicado. Normalmente, as soluções mais simples eram as corretas, em casos como aquele. A porta gravada com entalhes, ao lado da estátua que chora, tinha uma nova série de estrelas:
treze,
sete e
dezesseis pontas. Um daqueles números tinha que ser a resposta, isso era claro. Só precisavam descobrir qual deles se encaixava na sequência iniciada por
quatro e
nove.
Ao mesmo tempo, as órbitas das estátuas eram grandes demais para encaixar nas estrelas da porta entalhada.
Tinha que haver uma terceira esfera, menor, em algum lugar da sala. Ou talvez guardada na outra porta, a que ficava trancada.
Doc, próxima à porta entalhada, chegava à mesma conclusão. Além de achar o próximo número na sequência, era preciso encontrar uma esfera menor, que servisse como chave para a estrela correta. Os três buracos tinham o mesmo diâmetro, pelo que a médica podia perceber, de forma que só saberiam que estavam certos (ou errados) ao arriscar uma resposta. Mas onde estaria a terceira esfera?
Mayane ainda sentia a lágrima em sua pele quando ouviu os passos estranhos na sala, que tiraram a todos de seus estados contemplativos. Bem treinado e sempre alerta, Antônio decidiu não arriscar uma troca de palavras com os recém-chegados: acertou logo três tiros no primeiro deles, que foi ao chão como uma boneca de pano amolecida. Doc, concentrada, aproximou-se do segundo invasor (ou seriam eles os invasores?), empunhando ameaçadoramente sua nova arma, com a qual parecia muito disposta a se familiarizar.
O rapaz no qual a médica mirava largou sua arma, com os olhos arregalados de medo, e se jogou ao chão quando ouviu o barulho de Mayane pulando na piscina.
Aquilo não era água - a psicóloga soube assim que submergiu. O corpo humano era mesmo uma máquina maravilhosa. Normalmente, buscando alcançar uma chave no fundo de uma piscina, a pessoa iria de olhos abertos, estendendo a mão à frente, para pegar o objeto. Mas assim que o líquido incolor, inodoro e insípido tocou a pele de Mayane, seus olhos se fecharam.
E ela estava mergulhada em fogo e escuridão. O líquido coçava e queimava, QUEIMAVA! Como uma alergia intensa, como pimenta, como folhas de urtiga. A moça sentia seus cílios arderem e sabia, instintivamente, que se abrisse os olhos corria o risco de ficar cega. Era nítido para Doc e Antônio que Mayane sofria, debatendo-se como se fosse se afogar. Tudo corria muito rápido, muito rápido!
Dom Inácio sequer tivera a oportunidade de intervir, e via a companheira Profetisa sentir o que deveria ser água como se na verdade fosse fogo.
Ainda de olhos bem fechados, Mayane ouviu um sussurro masculino: "
direita, para frente, mais... isso!". Era a voz do espírito que havia estado ali instantes antes, ela sabia que sim. Alcançou a borda da piscina e içou-se com a força da adrenalina, caindo no piso de mármore frio, onde o líquido que a envolvia começava a se empoçar sob o seu corpo encharcado.
Todos na sala podiam ver, com assombro, o estado da psicóloga. As roupas de frio estavam em farrapos, várias partes tendo simplesmente sumido, e as que restaram estavam derretidas, irreconhecíveis. Em alguns pontos, o tecido derretido havia se colado à pele da moça, que estava avermelhada dos pés à cabeça. Os cabelos de Mayane, antes vastos e bonitos, agora estavam com comprimento desigual, mas bem curtos, colados à cabeça. Tão derretidos quanto as roupas de frio. As mãos da jovem mulher estavam cobertas de bolhas, assim como seu rosto, antes tão bonito. A dor era imensa! Apenas pequenas faixas de tecido separavam Mayane da nudez total, dando à Doc - em especial, por ser médica - ampla visão das queimaduras no corpo e no rosto da amiga, que parecia ter desmaiado.
Enquanto isso, o homem sob a mira da médica, aproveitando-se do espetáculo funesto que era a visão de Mayane após mergulhar em uma piscina de ácido, arrastou-se em grande velocidade para a sombra mais próxima. Antônio, também abalado pela visão da psicóloga, mas dono de um treinamento rígido de combate, obteve sucesso em novo disparo contra o inimigo. Mas não conseguiu impedi-lo. Ao atingir a sombra atrás da estátua, o homem desapareceu, engolfado pela escuridão, deixando um rastro de sangue (do disparo que o atingiu na perna) para trás.
Mayane sabia que quando o corpo físico passa por dores excruciantes, a alma desliga-se da matéria, para que aquela impressão de sofrimento não se grave permanentemente ao perispírito. A psicóloga lembrava-se distintamente da dor do líquido corroendo sua pele - sabia agora que era um ácido. Mas havia acordado em um campo ensolarado, à sombra de uma árvore frondosa, de onde podia ver as muralhas de um imponente castelo, com bandeiras que tremulavam ao vento.
- Pequena, grande é o meu pesar. E maior meu crime. Fraco demais que sou para estar ao teu lado e ineficiente em defender-te dos males do mundo. Deixei-te sozinha, para o tormento e a morte.Era ele. O homem que havia visto no salão das estátuas. Ele estava ajoelhado diante dela, usando uma armadura, com uma espada na cintura, e uma capa verde que ondulava ao vento. Fora os trajes medievais, tinha a mesma aparência com que se apresentou para ela instantes antes. Os mesmos olhos negros, penetrantes e vívidos.
Mayane estava sentada na relva, recostada a árvore. E não sentia qualquer dor. Viu que usava um longo vestido verde bem claro, bordado com flores brancas delicadas e enfeitado com rendas. O cavaleiro ficou ali, em silêncio, por um longo tempo, com a brisa agitando sua capa e despenteando seus cabelos castanhos.
Então começou a falar.Estavam em Tel'aran'rhiod, o Quarto Reino, uma dimensão entre a Umbra e o Sonhar. Era inacessível para a maior parte das criaturas que existiam, vivos ou mortos, a não ser por breves
flashes durante alguns sonhos. Porém, havia quem habitasse Tel'aran'rhiod, e quem conseguisse ir e vir naqueles domínios: alguns do Povo Lobo, que eram chamados Theurges, mas apenas os mais hábeis e após grande treinamento; alguns Mortais, ainda mais raros, que fossem encarnações de grande poder; e alguns Espíritos. Ele não deu maior explicação sobre a natureza dos Espíritos que poderiam acessar o Quarto Reino, mas Mayane podia imaginar: era necessário ser alguém extraordinário para estar ali. Talvez ele fosse apenas modesto. Ou estivesse querendo esconder a extensão de suas habilidades.
Chama-se Mirzam. Caminhar ao lado dele pelo campo ensolarado parecia muito natural para a jovem psicóloga. Conversaram em primeiro lugar sobre as perguntas que tinha feito logo antes que ele se desmaterializasse no salão das estátuas.
- O Mundo Físico tornou-se instável, pequena, mesmo para aqueles treinados a romper a barreira entre nossas dimensões. Quando o Sexto Maelstrom ergueu-se do mar, na Umbra Profunda, as ondas agitaram os diversos planos de existência. Há locais por onde os Espíritos podem ir e vir livremente agora, predando sobre o Mundo dos Vivos. E outras partes tornaram-se como fortalezas contra nós. O lugar onde teu corpo físico agora repousa é uma tal fortificação. Grande energia é necessária para plasmar-se lá. Mesmo Joana, a boa freira, não poderia ir em teu auxílio. Só por isso... só por isso foi-me permitido tornar a vê-la, pequena.Mayane descobriu que o Maelstrom era uma espécie de tempestade de força colossal, acompanhada de terremotos e maremotos, como uma força destruidora. Cada Maelstrom marcava um grande evento na história do mundo, estraçalhando a Umbra, o Reino dos Espíritos, em suas ondas de fúria primal.
O Sexto Maelstrom era o Sinal do Apocalipse.Como a médium suspeitava, havia cidades inteiras na Umbra, hierarquias e demografias próprias. A grande capital, Estígia, estava em ruínas. Joana, por suas habilidades em cura, havia ficado na Umbra Profunda, para ajudar os feridos. De mais a mais, mesmo sendo um Espírito grande na Luz, a boa freira não poderia vencer a barreira que agora se impunha entre a Umbra e o Plano Físico no local onde estava Mayane. Isso deu à moça uma noção muito intensa do poder avassalador que Mirzam teria, mas do qual nada falava, desviando-se de tal tema a cada vez que a oportunidade se apresentava.
Os seus outros companheiros espirituais, o cavaleiro lamentava revelar, mas haviam sido tragados pelo
Oblivion enquanto trabalhavam heroicamente para ajudar Estígia.
- O Oblivion é o Fim. É uma morte inescapável. A alma deixa de pertencer à Existência. Em qualquer plano, em qualquer tempo, jamais voltarão a estar em qualquer lugar. - ele tocou a mão da médium levemente e um calor confortável tingiu o coração da moça -
Entretanto... Agora eu estou aqui, Mayane.
OFF: Mayane está desmaiada, mas as postagens do
@Nazamura estão liberadas, na conversam com Mirzam em Tel'aran'rhiod.
Mayane perdeu
quatro níveis de Vitalidade e está
ferida gravemente. O mergulho na piscina poderia ter matado a personagem, mas o ataque da piscina resultou em apenas 1 nível extra de dano além dos 3 iniciais fixos.
Trívia: Mirzam é o nome da Delta de Cão Maior.