Mais um dia quente e poeirento em San Miguel.
A professora se despediu do último aluno, agradecendo pela maçã. Ana era muito querida por todos e, ainda que a estação já não fosse mais propícia, as crianças ainda a presenteavam com maçãs, sempre que podiam. "An apple a day keep the doctor away!" - ela sorria enquanto caminhava pelas ruas de chão batido varridas pelos ventos estéreis daquela terra castigada.
Victor não demoraria a chegar. Como Sheriff a vida já não era tão sofrida quanto à época em que o marido era Texas Ranger. Ainda assim, Ana se preocupava. A estrela era a marca da lei, mas também trazia a ela uma sensação indefinida de desconforto. Principalmente desde que aquela estrela vermelha havia surgido no céu de San Miguel.
Havia conversado longamente com Guinnevere sobre ela. A ruiva administrava sozinha o saloon local e era a melhor amiga que se poderia desejar. Esperta, de mente afiada, muito à frente de seu tempo. Enquanto as matronas sussurravam sobre superstições e maus-agouros, Guinnevere tinha sido clara com Ana: era algum tipo de cometa persistente, como um Halley que gostasse de entreter por mais tempo sua platéia. Ou era o Olho do Cramunhão, como andavam pregando na missa dominical. Tanto fazia. Enquanto houvesse gargantas secas, haveria saloons, e da porta do saloon para dentro, o único demônio que deveria preocupar alguém era a ruivinha com um rifle atrás do balcão.
Corria à boca miúda por toda San Miguel as fofocas sobre Guinnevere e Gerson. Big Bad G tinha sido um dos piores ladrões de diligência daquelas paragens, antes de conhecer Lady Red, a dona do saloon. Diziam que eles haviam se conhecido ali mesmo, em uma mesa de bar. Biblicamente. Mas Guinnevere era moderna demais pra casamentos, e Big Bad G tinha a cabeça a prêmio lá pelas bandas de Santa Madre. No começo, Ana pensou que o marido estivesse louco, mas Victor fez de Gerson seu Deputy, dando ao homem uma renovada dignidade. Agora, era realmente o melhor braço direito que um Sheriff poderia ter: literalmente, no caso de distribuir uns socos por aí.
O sol baixava no horizonte quando o Sheriff Victor entrou em casa, batendo a poeira da rua na soleira da porta antes de entrar na sala. Ana enfeitava a casa com flores agrestes, mas nenhuma era mais bela que a esposa.
O sol baixava no horizonte quando o Deputy Gerson entrou no saloon já lotado de mineiros e trabalhadores da ferrovia, tirando o chapéu com aquele ar de patrão. Guinnevere sorriu atrás do balcão, porque não se importava o mínimo com o falatório das beatas.
"E podia ser só mais um lindo entardecer em San Miguel... se eu não soubesse o que acontece quando a lua está no céu. Mas quem mora por ali sabe bem como as coisas são. Sei que essa noite eles virão. E não vai sobrar nada de ninguém."