When All Fail.
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[!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
- Nazamura
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- Mensagem nº41
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
- Ryan Schatner
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- Mensagem nº42
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
“Tu os farás como um forno de fogo no tempo da tua ira; o Senhor os devorará na sua indignação, e o fogo os consumirá.”
Salmos, 21:9
Salmos, 21:9
“Mas que merda! Parece que tudo me escapa por entre os dedos!” – era o que pensava Antônio ao ir ao solo frio de pedra do salão circular. Para seu espanto, tão logo encostou as mãos em Ana Rita, ela e Doc simplesmente desapareceram no ar, indo parar próximo à máquina onde Mayane estava. “Não é possível! Esses bichos podem se teleportar?!”
No entanto, a legista caíra dura no chão. A faca de Maria jazia cravada em seu peito e somente seus olhos se mexiam, desesperada por seu pescoço em... chamas? Antônio olhou para suas mãos, quentes e levemente sujas de fuligem. Seria ele o causador do fogo que consumia lentamente a noturna? Obra dos sinais provisórios? Sentiu-se confuso e ainda preocupado com a situação. Por um momento, achou que a mulher estivesse fingindo, preparando algum bote traiçoeiro contra quem ousasse verificar mais de perto. Porém, quando sua parceira teve a imprudente atitude de toma-la nos braços, viu que a vampira estava mesmo paralisada.
Levantou-se e atravessou o corredor até onde estavam Mayane. Apanhou seu rosto abatido em ambas as mãos e aproximou-se bem perto, quase como se fosse beijá-la e indagou preocupado, olhando profundamente em seus olhos:
— May, você está bem? – e continuou – Você nunca mais faz isso comig... com a gente, ok?!
Abraçou-a forte, envolvendo um braço em sua cintura e o outro em suas costas, apoiando a mão por entre os cabelos curtos em sua nuca. Sentia a consternação da moça, e embora ainda não soubesse o que haveria dali para frente entre os dois, queria genuinamente confortá-la.
Soltou de Mayane e olhou para Maria. “Pobre Maria”. Ainda jazia no chão com Ana Rita nos braços. Tão obcecada em salvá-la, tão consumida por uma culpa que não era dela, que não podia ver que a única coisa da qual podia “salvar” a legista era a de uma vida de horror e sofrimento. Ela merecia descansar em paz!
Enquanto Doc se martirizava, o agente observava o corpo sem vida de Lucy. “Pobre garota”. Pega no “fogo cruzado” entre a ingenuidade de suas ações e a insanidade de Rita, não houve tempo para salvá-la. “Ela sim é que merecia ser salva”.
Foi somente quando Maria comentou sobre levar a vampira com eles que Antônio percebeu que apenas ele poderia colocar um ponto final naquela história. Caminhou até a médica e como quem tenta consolar alguém transtornado porque acaba de receber uma trágica notícia, a puxou para seu abraço. A princípio, o fez usando força moderada. Mas caso ela relutasse, utilizaria a força necessária, mas ainda assim, com todo cuidado e ternura.
— Venha, Mari. Ou vai se queimar. Infelizmente já é tarde para Ana, mas não para nós. Vamos, antes que cheguem mais deles.
Ao mesmo tempo que tentava consolar Doc, observava as chamas que consumiam a noturna. Um sentimento mórbido e sádico de satisfação lhe preenchia secretamente, e em pensamentos, só podia visualizar a vampira atada a uma estaca em chamas diante da inquisição.
No entanto, a legista caíra dura no chão. A faca de Maria jazia cravada em seu peito e somente seus olhos se mexiam, desesperada por seu pescoço em... chamas? Antônio olhou para suas mãos, quentes e levemente sujas de fuligem. Seria ele o causador do fogo que consumia lentamente a noturna? Obra dos sinais provisórios? Sentiu-se confuso e ainda preocupado com a situação. Por um momento, achou que a mulher estivesse fingindo, preparando algum bote traiçoeiro contra quem ousasse verificar mais de perto. Porém, quando sua parceira teve a imprudente atitude de toma-la nos braços, viu que a vampira estava mesmo paralisada.
Levantou-se e atravessou o corredor até onde estavam Mayane. Apanhou seu rosto abatido em ambas as mãos e aproximou-se bem perto, quase como se fosse beijá-la e indagou preocupado, olhando profundamente em seus olhos:
— May, você está bem? – e continuou – Você nunca mais faz isso comig... com a gente, ok?!
Abraçou-a forte, envolvendo um braço em sua cintura e o outro em suas costas, apoiando a mão por entre os cabelos curtos em sua nuca. Sentia a consternação da moça, e embora ainda não soubesse o que haveria dali para frente entre os dois, queria genuinamente confortá-la.
Soltou de Mayane e olhou para Maria. “Pobre Maria”. Ainda jazia no chão com Ana Rita nos braços. Tão obcecada em salvá-la, tão consumida por uma culpa que não era dela, que não podia ver que a única coisa da qual podia “salvar” a legista era a de uma vida de horror e sofrimento. Ela merecia descansar em paz!
Enquanto Doc se martirizava, o agente observava o corpo sem vida de Lucy. “Pobre garota”. Pega no “fogo cruzado” entre a ingenuidade de suas ações e a insanidade de Rita, não houve tempo para salvá-la. “Ela sim é que merecia ser salva”.
Foi somente quando Maria comentou sobre levar a vampira com eles que Antônio percebeu que apenas ele poderia colocar um ponto final naquela história. Caminhou até a médica e como quem tenta consolar alguém transtornado porque acaba de receber uma trágica notícia, a puxou para seu abraço. A princípio, o fez usando força moderada. Mas caso ela relutasse, utilizaria a força necessária, mas ainda assim, com todo cuidado e ternura.
— Venha, Mari. Ou vai se queimar. Infelizmente já é tarde para Ana, mas não para nós. Vamos, antes que cheguem mais deles.
Ao mesmo tempo que tentava consolar Doc, observava as chamas que consumiam a noturna. Um sentimento mórbido e sádico de satisfação lhe preenchia secretamente, e em pensamentos, só podia visualizar a vampira atada a uma estaca em chamas diante da inquisição.
- Teste:
- Por gentileza, outro teste de Pirocinese nível 2, enquanto Antônio encara Ana Rita com pensamentos sobre a inquisição.
- Mellorienna
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- Mensagem nº43
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Câmara Circular
15h
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - A Morte Final, eterna e inexorável, queimava Ana Rita sob os olhos de Antônio DelVecchio. Até que nada restasse. Como o fogo consumidor dos Querubins guerreiros cujas hostes defendiam o Céu, o Exorcista sentiu o calor ser tomado de seu próprio sangue enquanto devorava a carne da jovem legista. Não-viva há tão pouco tempo, menos de vinte e quatro horas, Ana Rita ainda era muito humana. O cheiro de seu cadáver imóvel sendo consumido pelas chamas da justiça de Antônio era pungente, enviando espasmos de náuseas pelo ar contaminado.
Quando foi que ele havia se tornado frio àquele ponto? As belas feições asiáticas da moça derretiam diante de seus olhos. Ela tinha sido uma mulher muito bonita. Antônio segurava com força Maria Ivri em seus braços, embalando a ideia de que aquele espetáculo dantesco era misericódia. Uma risada macabra parecia infiltrar-se por trás de seus olhos, lá muito profundamente em sua mente, onde o que havia de mais humano chorava.
Ana Rita era inocente.
Mayane sentia a consternação da Caçada Selvagem pesar em seus ossos. As mãos para as quais olhava, as mãos que julgava inúteis, estavam sujas do sangue de Lucy D'Arc, cujos olhos muito azuis, vidrados pela morte, encaravam o trio. Sujas do sangue de Ana Rita, a pobre legista assediada por demônios. Desde que se lembrava, Mayane tivera contato com os Espíritos e o Mundo Espiritual. Agora, sentia-se terrivelmente sozinha. Ace tinha falado que ser Caçador era já estar morto. A psicóloga começava a entender. E queria desistir, mas sabia que era tarde demais.
Como voltar atrás e viver tranquilamente sua vida sabendo que o Sexto Maelstrom destruía a Umbra naquele exato momento? Como voltar para sua vida antiga sabendo que o Fim do Mundo estava logo ali, na próxima esquina? O equilíbrio entre os Reinos - como Mirzam havia chamado (onde estaria Mirzam?) - era fundamental para a existência. A realidade dependia do frágil acordo entre esses domínios, para que a insanidade e a bestialidade não governassem a Terra. Porém, muito do que Mayane dava como certo, era uma fábula. Uma historinha para lecionar crianças incapazes de conhecer a Verdade. A médium se lembrou que muitas vezes era necessário um doutrinamento progressivo para que uma pessoa chegasse a compreender o todo. Mas ela havia estudado a vida inteira, dedicado-se a vida inteira... E quando Joana pediu perdão a ela por não ter instruído-a na Verdade, logo que o Pesadelo andou sobre mundo, Mayane achou que a guia espiritual estava sendo metafórica.
Rá-rá-rá.
A Medicina não deveria servir para salvar pessoas? Doc sentia o ódio crescer em ondas em seu peito, como a náusea pelo cheiro da cremação involuntária de Ana Rita. Ódio. Rugindo e elevando-se até o céu! O calor que era o incêndio do cadáver da legista estalou e fragmentou a consciência da médica. E ela sentiu em seu peito o uivo do lobo que devora o sol.
Ana Rita nem sequer podia gritar ou se debater. A faca - oh Deus não! - a faca que Doc havia cravado em seu coração, pelas costas - não, por favor, não! - parecia impedir os movimentos da mulher. Silenciosamente, a Morte Final levou Ana Rita. Com leves chiados. Como bacon humano em uma frigideira muito muito quente.
Seria possível piorar?
Em seu último segundo de existência, Ana Rita conseguiu dar aos Caçadores um último presente especial. Os olhos sem vida de Maria Lúcia encaravam os três quando as peças se encaixaram, com um crack mental que era um golpe no estômago.
- O PRESENTE DE ANA RITA:
- Dizem que Caim, Primeiro Assassino, foi marcado por Deus e amaldiçoado pelos Arcanjos com a condição vampírica. Sozinho na Terra de Nod, Caim sofreu. E então criou progênie, arrastando outros para a maldição que carregava e agravando ainda mais o seu crime diante de Deus Pai. Sua progênie gerou progênie, e esses eram os netos de Caim. E governaram as cidades, reinando sobre a humanidade, os descendentes de Set, terceiro filho de Adão e Eva. Por serem os humanos filhos de seu irmão mais novo, Caim sentia-se responsável por eles. E assim ensinou aos seus filhos e eles aos filhos deles.
Entretanto, a Terceira Geração a partir de Caim cresceu em número. E em crueldade. Renegaram os ensinamentos de Caim e abusavam dos Filhos de Set. E então o Pai Sombrio retornou e os confrontou. E Malkav, do alto de seu orgulho, julgando conhecer todas as coisas, se opôs a Caim. Caim, primeiro filho de Adão. Caim, que matou seu irmão Abel diante do altar do Senhor. E, sendo senhor de toda a progênie vampírica, Caim impôs a Malkav o verdadeiro conhecimento sobre todas as coisas. E conhecer tornou Malkav louco.
É do sangue de Malkav que eu, Ana Rita, herdei a insanidade. Todas as coisas foram reveladas para mim e eu quebrei, como um graveto pisoteado pelos cascos do Demônio. A tortura foi ruim, não se engane. Bem ruim MESMO. Mas o conhecimento é a pior de todas as armas. O veneno do saber. Ah eu poderia falar eternamente sobre isso. Mas não tenho muito tempo. Não tenho muito tempo.
Eu nasci com uma marca em forma de lua. E passei uma quantidade expressiva de sofrimentos. Mas eu não sou a Última Filha de Eva. Isso é importante: ela seria reconhecida por sua Marca da Lua. É dela a Cidade da Gehenna. Isso quer dizer que na Última Filha de Eva reside a última esperança. Ela é a chave para o Fim do Mundo.
Eva teve uma escolha. A Serpente a despertou e ela percebeu que estava nua. E que Adão estava nu. E que ele era desejável. O coração de Eva se encheu de fogo por Adão. Mas ela podia ter dado as costas. Podia ter dito "não, esse cara é meu irmão, se somos os únicos Filhos de Deus". Mas Eva escolheu o Amor. Amor de perdição! Adão era só um pobre coitado... Já viu um homem que conseguiria resistir à tentação de ser amado acima de Deus?
A doce e pura Última Filha de Eva será confrontada com a Primeira Escolha quando conhecer o desejo nos braços do Impuro Perfeito. E se ela escolher o Amor...
... ah não tenho muito tempo! Não tenho tempo nenhum...
Do pescoço de Lucy D'Arc pendia uma corrente de ouro com uma chave em formato de estrela. E o silêncio se abateu sobre o trio quando o fogo morreu, tendo carbonizado Ana Rita para além da existência.
OFF: R.I.P. Maria Lúcia. R.I.P. Ana Rita =(
Caso vocês usem a chave, poderão sair por onde entraram, pelo acesso da Biblioteca Municipal. São 15h em ON. É dia e faz frio lá fora. Descrevam no próximo post, por favor, se vocês darão destinação aos corpos, ou se vão abandoná-los ali.
O presente de Ana Rita foi para todos, como se ouvissem a voz da legista em suas mentes.
Vocês estão livres para irem onde quiserem e fazerem o que quiserem. Descrevam seus objetivos para mim, e eu narrarei os locais para onde desejam ir. Se eu puder sugerir, é uma boa hora de explorar os backgrounds de vocês, acionar Contatos, Aliados e Mentores, além de ser um ótimo momento para cenas entre vocês, sem minha interferência (caso vocês queiram desenvolver diálogos em grupo).
Peço uma atenção redobrada da Mayane, @Nazamura, com o estado atual da Doc. Mayane é psicóloga e a colega está mesmo bem mal. Inclusive, @Padre, se você ainda desejar dar aquele tom meio insano pra personagem, a hora é agora!
Gente, quero destacar que vocês são os únicos que sabem claramente da relação entre a Última Filha de Eva e o Impuro Perfeito. Vocês sabem como parar (ou como propiciar!) o Apocalipse. Contar isso para os demais personagens (que estão agora no Sonhar) é decisão de vocês. Vocês agora têm total possibilidade de reconhecer a Última Filha de Eva pelos sinais profetizados! Está nas mãos de vocês <3
Postagens liberadas! /o/
Go go roleplay~ \o\
- Nazamura
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- Mensagem nº44
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Humanidade.
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- Padre
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- Mensagem nº45
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Traição |
Doc não retirava os olhos de Ana Rita, talvez por isso não percebia que Mayane concordava com os seus planos, a situação estava sugando bastante dela, fosse tanto energética quanto psicologicamente, talvez seja por isso que ela não tenha conseguido reagir a tempo a ação egoísta e inconsequente de Antônio.
A passos sorrateiros Antônio não hesitava, tomava Maria em seus braços com uma vã ilusão de que estava fazendo o bem, mas como sempre só estava fazendo o que fazia de melhor: estragar tudo. Enquanto se debatia, Maria podia ver a vida se esvaindo do corpo da legista, Doc se debatia tentando se livrar dos braços de Antônio, enquanto gritava até machucar a garganta.
― ME SOLTA! ME SOLTA, CARALHO! QUEM VOCÊ PENSA QUE É? ― Dizia tentando livrar as mãos para possivelmente acertar um soco bem dado na cara dele. A intensidade só diminuía quando os olhos da médica viam o último resquício de luz sumir dos olhos da legista. ― ...Rita? RITAAAAAAAAAAAAA!
Não havia mais nada que pudesse fazer. Oh, Ana Rita. Mesmo em seus últimos momentos ainda lhes dava um presente, uma informação crucial que ajudaria na continuação da jornada daqueles já sem esperança, só era uma pena que uma informação tão valiosa quanto a relação entre a Última Filha de Eva e o Impuro Perfeito fosse agora descartada pela doutora. Evitar o apocalipse para salvar quem? Mayane, que deveria ser a psicóloga, a mentalmente estável e cuidadora do resto? Ou Antônio, aquele demônio em forma de ser humano? Se a história que ela ouvia desde criança sobre a chegada de um anti-cristo que viria como um lobo em forma de cordeiro fosse verdade, ela tinha certeza ali de que este da profecia era aquele homem.
Foi então que se tocou, não conhecia ninguém. Aquela aventura de dois dias deveria acabar e se o mundo acabasse, talvez ficasse melhor sem eles. Os noturnos pelo menos devia tratar Maria Lúcia melhor do que ela com a sua chuva de balas.
Percebendo que ainda estava nos braços de Antônio, mesmo sem se debater e já com uma expressão derrotada, com um chute certeiro mirava no meio de suas pernas.
― Nós vamos todos queimar no inferno e vai ser merecido. ― Com um olhar seco, encarava Antônio. Juntando toda a raiva que sentia naquele momento e sua frustração lhe dava um tapa na cara. ― Nunca mais encoste em mim de novo, eu não sou sua amiga, eu não sou sua companheira, sinceramente sua presença me enoja e eu sinto nojo só de estar perto de você... Se você acha que vai resolver tudo na base da força bruta, vai pro meio da rua e tenta segurar um caminhão em movimento. Vai acabar sendo mais útil do que foi hoje.
Hoje um limite foi cruzado, um limite que traria consequências intermináveis para a vida daquela jovem médica. Andando até o corpo sem vida de Ana Rita, se aproximava e olhava diretamente no rosto ou pelo menos no que havia sido o rosto dela um dia. Nenhuma lágrima caía.
― Tenho certeza de que você foi uma mulher incrível. Numa próxima vida, quem sabe eu possa pegar de volta um pouquinho da sua dor? ― Sorria para o cadáver, suas palavras eram suas despedidas. Ana Rita havia marcado a vida de Maria, que agora estava preparada para seguir em frente, mas o que era seguir em frente com uma marca tão forte na alma? Deixando a expressão desfalecer novamente, andava até Maria Lúcia. ― Eu entendi tudo errado, não entendi? Talvez agora você esteja em paz e livre desse mundo que nós fomos obrigatoriamente inseridos, pelo menos eu espero que esteja. Me desculpe...
Agachada próxima ao corpo de Maria Lúcia, sentiu o coração apertar, mas não chorou, pelo contrário. Seu coração enrijecia ainda mais, algo estava quebrado.
Novamente indo até o corpo, pegava a sua faca, viraria o corpo se fosse preciso. Aquela faca era o sinal de um dia que não deveria ser esquecido e representava a constatação de que os humanos sempre foram os verdadeiros monstros.
― Por favor, nos faça esse favor, Mayane. ― Parava um pouco enquanto encarava Mayane, mas mesmo a encarando, seus olhos não a enxergavam. Estava com a cabeça em outro lugar. ― Nós nem sabíamos se ela tinha uma família.
Doc começou a rir tampando o próprio rosto, era a única reação que ela conseguia ter. Então, indo em direção a saída, parava mais uma vez sem olhar pra trás.
― Eu não tenho mais planos ou os motivos de integrar este grupo, nós viemos com a premissa de não deixar acontecer com os outros o que aconteceu conosco e no fim somos piores que os noturnos... Não sei se nos veremos de novo. Mayane, desculpe... Antônio... Que sua vida seja tão justa quanto as decisões que você toma, você merece.
Então, partiu sem olhar pra trás. O próximo passo era o seu apartamento.
A passos sorrateiros Antônio não hesitava, tomava Maria em seus braços com uma vã ilusão de que estava fazendo o bem, mas como sempre só estava fazendo o que fazia de melhor: estragar tudo. Enquanto se debatia, Maria podia ver a vida se esvaindo do corpo da legista, Doc se debatia tentando se livrar dos braços de Antônio, enquanto gritava até machucar a garganta.
― ME SOLTA! ME SOLTA, CARALHO! QUEM VOCÊ PENSA QUE É? ― Dizia tentando livrar as mãos para possivelmente acertar um soco bem dado na cara dele. A intensidade só diminuía quando os olhos da médica viam o último resquício de luz sumir dos olhos da legista. ― ...Rita? RITAAAAAAAAAAAAA!
Não havia mais nada que pudesse fazer. Oh, Ana Rita. Mesmo em seus últimos momentos ainda lhes dava um presente, uma informação crucial que ajudaria na continuação da jornada daqueles já sem esperança, só era uma pena que uma informação tão valiosa quanto a relação entre a Última Filha de Eva e o Impuro Perfeito fosse agora descartada pela doutora. Evitar o apocalipse para salvar quem? Mayane, que deveria ser a psicóloga, a mentalmente estável e cuidadora do resto? Ou Antônio, aquele demônio em forma de ser humano? Se a história que ela ouvia desde criança sobre a chegada de um anti-cristo que viria como um lobo em forma de cordeiro fosse verdade, ela tinha certeza ali de que este da profecia era aquele homem.
Foi então que se tocou, não conhecia ninguém. Aquela aventura de dois dias deveria acabar e se o mundo acabasse, talvez ficasse melhor sem eles. Os noturnos pelo menos devia tratar Maria Lúcia melhor do que ela com a sua chuva de balas.
Percebendo que ainda estava nos braços de Antônio, mesmo sem se debater e já com uma expressão derrotada, com um chute certeiro mirava no meio de suas pernas.
― Nós vamos todos queimar no inferno e vai ser merecido. ― Com um olhar seco, encarava Antônio. Juntando toda a raiva que sentia naquele momento e sua frustração lhe dava um tapa na cara. ― Nunca mais encoste em mim de novo, eu não sou sua amiga, eu não sou sua companheira, sinceramente sua presença me enoja e eu sinto nojo só de estar perto de você... Se você acha que vai resolver tudo na base da força bruta, vai pro meio da rua e tenta segurar um caminhão em movimento. Vai acabar sendo mais útil do que foi hoje.
Hoje um limite foi cruzado, um limite que traria consequências intermináveis para a vida daquela jovem médica. Andando até o corpo sem vida de Ana Rita, se aproximava e olhava diretamente no rosto ou pelo menos no que havia sido o rosto dela um dia. Nenhuma lágrima caía.
― Tenho certeza de que você foi uma mulher incrível. Numa próxima vida, quem sabe eu possa pegar de volta um pouquinho da sua dor? ― Sorria para o cadáver, suas palavras eram suas despedidas. Ana Rita havia marcado a vida de Maria, que agora estava preparada para seguir em frente, mas o que era seguir em frente com uma marca tão forte na alma? Deixando a expressão desfalecer novamente, andava até Maria Lúcia. ― Eu entendi tudo errado, não entendi? Talvez agora você esteja em paz e livre desse mundo que nós fomos obrigatoriamente inseridos, pelo menos eu espero que esteja. Me desculpe...
Agachada próxima ao corpo de Maria Lúcia, sentiu o coração apertar, mas não chorou, pelo contrário. Seu coração enrijecia ainda mais, algo estava quebrado.
Novamente indo até o corpo, pegava a sua faca, viraria o corpo se fosse preciso. Aquela faca era o sinal de um dia que não deveria ser esquecido e representava a constatação de que os humanos sempre foram os verdadeiros monstros.
― Por favor, nos faça esse favor, Mayane. ― Parava um pouco enquanto encarava Mayane, mas mesmo a encarando, seus olhos não a enxergavam. Estava com a cabeça em outro lugar. ― Nós nem sabíamos se ela tinha uma família.
Doc começou a rir tampando o próprio rosto, era a única reação que ela conseguia ter. Então, indo em direção a saída, parava mais uma vez sem olhar pra trás.
― Eu não tenho mais planos ou os motivos de integrar este grupo, nós viemos com a premissa de não deixar acontecer com os outros o que aconteceu conosco e no fim somos piores que os noturnos... Não sei se nos veremos de novo. Mayane, desculpe... Antônio... Que sua vida seja tão justa quanto as decisões que você toma, você merece.
Então, partiu sem olhar pra trás. O próximo passo era o seu apartamento.
- Ryan Schatner
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- Mensagem nº46
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
I've got
No regret
'Cause if I could I'd do it over again
Even if it hurts
Even if it makes me bleed
I'm gonna carry you
Pushing through
With the dirt on my sleeves
Even if it hurts
Even if it's razor deep
I'm not giving up
Not gonna run
I'll be there when you need me
Even if it hurts
No regret
'Cause if I could I'd do it over again
Even if it hurts
Even if it makes me bleed
I'm gonna carry you
Pushing through
With the dirt on my sleeves
Even if it hurts
Even if it's razor deep
I'm not giving up
Not gonna run
I'll be there when you need me
Even if it hurts
O cadáver de Ana Rita brilhava e estala como carvão em frente aos olhos de Antônio. “Ana Rita, a noturna, não a legista; a que assassinou Maria Lucia, não a que os recebera no IML; a que tentara assassinar Maria Ivri, não a que havia sido raptada na noite anterior...” – aquilo estava mais que claro para o agente, e por mais que quisessem lhe convencer da “inocência” dela, era evidente para ele que Ana estava em um caminho direto para o total contrário disso.
Quando foi que ele havia se tornado tão frio àquele ponto? Não sentia nada, nenhum remorso, nenhum nojo de si mesmo ou mesmo do fedor exalado pela fogueira humana, acendida por seus pensamentos mais negros. A verdade é que estava tão além do ponto onde não há mais retorno que nem sequer conseguia se lembrar de como era antes de passar por ele.
Já havia visto coisas terríveis na vida, seja como assassino profissional ou nas zonas de guerrilha na qual havia atuado como capitão do exército de Caxias. Enterrar amigos aos pedaços moldam o caráter de um homem. Quase testemunhara Doc ser morta por Ana ali naquela sala, e por um momento achou que perderia Mayane no tanque de ácido, e as olhando agora, se lembrou que ainda nos campos de batalha, jurou que jamais permitiria que um amigo morresse novamente, não no seu turno, ainda que para isso tivesse que fazer algo que o machucasse. Não sentia nada, exceto talvez em algum canto recôndito de sua mente onde a virtude ainda habitava. Em um destes cantos, ouvia a voz de Ana Rita entoando o papel da última filha de Eva e do impuro perfeito no apocalipse.
Engoliu a confusão de seus sentimentos e afrouxou o abraço que continha Doc. O mundo como conhecia estava prestes a cessar de existir, não havia tempo para isso, não podia se dar ao luxo de também nutrir sentimentalismos.
Olhou novamente em volta. Mayane vomitava e chorava, consumida pela culpa. Antônio sentia por ela, arrastada de uma vida de bondade e esperança para este inferno que coexiste com no subterrâneo da humanidade, disfarçado atrás de uma máscara. Ela também sofria por Ana Rita, achando que evitar sua “morte real” fosse salvá-la de alguma forma, quando na verdade, se não fosse parada, ela retalharia a todos naquela sala, e quem sabe quantos mais depois deles? Os olhos dela – que antes transbordavam ternura – agora faiscavam de raiva, e isso doía no coração do agente. Era fato de que as ovelhas não viam as diferenças entre o lobo e o cão pastor, apenas viam suas semelhanças, e isso – a incompreensão de seus sacrifícios, a falta de reconhecimento – sempre foi algo que frustrou Antônio. Até mesmo Ace tinha lhe advertido quando quase perdeu a própria vida no museu, se colocando como uma barreira entre o monstro e o mundo. “Mel entenderia!” – pensou. Sempre quis ser um herói, mas quanto mais tentava, mais vilanesca era a impressão que causava. Provavelmente era esta a exata imagem que a jovem tinha dele por detrás daquele olhar. Ela dizia que queria ir embora, e de fato deveriam, porque a coisa ainda ia ficar pior... Mas ela ainda tinha planos.
A psicóloga sugeria ligar para um amigo na polícia. “Essa mulher só pode estar louca! Polícia? Este local está todo permeado com nossas impressões digitais! E como ela vai explicar termos encontrado ‘por acaso’ salões secretos no subterrâneo da biblioteca municipal? Com uma jovem supostamente morta há anos, mas que na verdade acaba de morrer de novo? E o que diria o dentista ao tentar reconhecer o corpo carbonizado pela arcada dentária? Que humano tem caninos daquele tamanho?”
Seriam tantas perguntas e tantas versões diferentes da mesma história que antes que pudessem notar, estariam atrás das grades, ou mortos! Porque a polícia não deu a mínima para o caso de Ana Rita? Sua veia conspiratória insistia em lhe dizer que se os noturnos eram tão poderosos e influentes, não era de duvidar que controlavam pessoas chave na delegacia e em vários outros setores. “Droga! Talvez até na agência?!” – pensava preocupado.
Mas antes que pudesse falar alguma coisa, foi atingido por Doc, que lhe desferiu um chute entre as pernas que o fez curvar para a frente com as mãos segurando suas partes masculinas, em um gemido abafado de dor intensa. Não contente, a médica ainda a estapeou na cara e por um momento, Antônio ringiu forte os dentes, segurando a vontade de retribuir a ingratidão da mulher na mesma moeda. Ela disparava insultos que ele não foi capaz de absorver em meio ao misto de dor e raiva.
Maria se “despedia” dos cadáveres das mulheres no salão circular, cheia de culpa, assim como Mayane. E ambas o culpando por aquela tragédia. Se perguntava se ela se despediria também do capanga no salão da piscina, ou se ela sequer se lembrava de que Inácio ainda seguia desaparecido. Ninguém mais falava sobre Carlos ou Bruna. O que teria havido com eles? Não parecia importar, nossa gente não importava. Mas uma noturna, sim. Após discursar mais um pouco sobre sua visão pessoal da missão, Doc disse que iria embora e demonstrou mais uma vez seu “apreço” por Antônio:
— DE NADA, POR SALVAR SUA VIDA! – retrucou irritado, pensando – “Estamos quites!”
Quando a médica deixou a sala, aprumou o corpo e desamarrotou as roupas como pode, com as mãos. Caminhou entre os corpos arrumando os cabelos e foi até o cadáver de Maria Lucia, se abaixando para apanhar a adaga que ela empunhava contra Ana Rita. Examinou melhor o aparelho onde Mayane havia estado enquanto girava a lâmina entre os dedos. Procurava botar a cabeça em ordem e encontrar palavras para falar com a psicóloga, quando finalmente começou, em um tom pesaroso.
— Eu... Eu sinto muito por você ter visto tudo isso, May – fez uma breve pausa – Acho que não sou bem o tipo de cara pelo qual você se apaixonaria, não é? Ao menos não mais... – baixando a cabeça em um riso nervoso – A verdade é que este é quem eu sou. Alguém capaz de tudo, tudo mesmo, para proteger os seus. Eu preferiria mil vezes queimar como Ana a sequer pensar na ideia do que ela faria com vocês – ensaiou alguns passos na direção de Mayane, mas logo se deteve, lembrando de seu olhar de raiva – Se você soubesse como fiquei em desespero te vendo em agonia naquele tanque?! Eu daria minha vida para tirar você de lá...
Antônio caminhou na direção oposta de sua colega. Não sabia ao certo o que estava fazendo ou o porquê de estar falando aquelas coisas. Se tentava se justificar ou apenas desabafar a confusão e angústia que agora pesava em seu coração. Ainda de costas, apenas com o rosto avermelhado pelo tapa de Doc voltado para o lado, continuou:
— Bruna... Carlos... padre Inácio... Nós estamos perdendo aqui, May! E eu não pretendo deixar que continue assim, custe o que custar! – fez uma pausa – Lá no hospital, a Mel fez algo para compartilhar algumas memórias dela com a gente e... – outra breve pausa – Eu tento não pensar nelas, mas isso? Hoje? Não é nada comparado ao que ainda nos espera... Talvez Maria esteja certa, e devamos seguir por caminhos separados. Para mim, esta vida é a única que eu conheço... E eu faria tudo de novo!
Antônio respirou fundo e procurou vencer o medo que estava das reações de Mayane. Se virou e caminhou até ela, pegando-a pelas mãos. Independente do que ela pensava, ele ainda nutria carinho por ela. A olhou nos olhos e continuou:
— Fique tranquila que eu cuido disto aqui, ok? Eu trabalho na Inteligência, meus homens podem cuidar disto de uma forma mais discreta, criar uma nova narrativa que não nos envolva e destinar os corpos às famílias – riu de nervo novamente – Droga! Eu provavelmente não deveria ter lhe contado metade do que disse até agora. Bastou algumas palavras e aqui estou me abrindo para você – desviou o olhar em um sorriso corado, e continuou – Deixe comigo, vá atrás de Maria, ele poderia fazer melhor uso de sua ajuda agora. Vá, vá para casa, tome um banho quente e troque estas roupas. Tire um tempo para você, amanhã é um novo dia e caso não queria continuar, tudo ficará bem. E se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, basta me ligar e eu estarei lá por você, ok? – concluiu apertando gentilmente as mãos da mulher.
Acompanhou Mayane até os degraus que conduziam até a biblioteca. Lançou o que julgava ser um último olhar para ela e aquilo o feriu por dentro. Estava de volta ao seu caminho solitário e ainda havia trabalho a ser feito.
Voltou ao salão circular, respirou fundo ao olhar os corpos das duas jovens que ali estavam, como se fosse um ritual de preparação para o serviço. Tirou do bolso da jaqueta um par de luvas cirúrgicas e as vestiu. Parte das habilidades profissionais do agente era o que chamavam de “limpeza” em sua área de atuação, o que consistia em eliminar todo e qualquer resquício de que estivera presente em alguma ocasião. Caminhou até Maria Lucia e rasgou um pedaço de suas vestes, utilizando o mesmo para esfregar o vidro do aparelho onde Mayane “nunca estivera”. Fez o mesmo nas portas, nas estrelas, na esfera e na chave que Maria “nunca tivera em mãos”. O mesmo com as estatuas e esferas que ele “nunca escalara ou manipulara”.
A sensação de estar sozinho naquele lugar de morte era angustiosa, como se estivesse em um filme, num local mal-assombrado. Concluía a limpeza do salão com o pensamento mórbido de que cedo ou tarde, teria que lidar com as mulheres. “Mulheres são sempre as piores... Mulheres e crianças”. Decidiu então começar pelo capanga que abatera mais cedo. Agarrou o homem pelo braço e o puxou para perto do tanque de ácido, empurrando-o lentamente piscina a dentro, primeiro as pernas, após o tronco, até soltá-lo lentamente pelos braços, evitando que o líquido letal lhe respingasse. Não ficou para acompanhar o processo ruidoso que era o de ser corroído pelo ácido e rumou para o salão circular.
De volta ao salão, pegou e limpou a espingarda com que Maria havia atirado em Lucy. Guardou a arma na bolsa juntamente com a adaga que havia pego da jovem loira. Evitava olhar para os corpos, evitava pensar naquela situação, ou ao menos tentava. Mais uma vez, saiu da sala e apanhou as armas dos seguranças, guardando as mesmas sem limpar, também em sua bolsa. Talvez pudesse rastrear para quem trabalhavam se conseguisse um retorno de suas digitais. Era a única pista que tinha sobrado naquela fatídica ocasião.
Depositou a bolsa aos pés da escada e sentou-se nos degraus, apoiando a cabeça em suas mãos gélidas, os cotovelos nos joelhos. Batia os pés incessantemente, pensando na árdua tarefa que tinha que fazer. Tinha mesmo? “Sim, Antônio. Você tem! Ninguém vai fazer o seu trabalho!” – dizia uma voz em sua cabeça. Alguém tinha que fazer! Levantou-se em um salto, puxou a blusa para baixo e expirou forte, caminhando determinado para o salão em anexo.
Agarrou Ana Rita pelas pernas e começou a arrastá-la pelo piso frio do local. Sentia a canela da mulher estalar em suas mãos, como se fossem se desmanchar a qualquer momento. Seu corpo deixava um rastro negro pelo trajeto e pequeninhos pedaços de sua pele se desfaziam como carvão pelo chão. Antes mesmo de chegar à piscina, foi acometido por uma náusea que o fez virar o rosto e levar o antebraço à boca para segurar o vômito. Controlando-se, continuou até o tanque e alinhou a noturna com o tanque e a colocou no ácido da mesma forma que fez com o segurança. Ouvia o chiado do líquido consumindo seu corpo, enquanto olhava com o canto do olho para seu rosto queimado retorcido. Arrepios terríveis lhe percorriam o corpo, e assim que era seguro, largou a mulher, virando novamente para o salão. Só faltava mais uma, e aí poderia ir embora daquele lugar desgraçado.
Maria Lucia, a única inocente naquele antro de perdição. Pensou quer seria mais digno carrega-la no colo até o lugar de seu descanso final, mas quando olhou mais de perto, viu que seu sangue estava por toda a parte, e não seria uma boa ideia sair por aí com as roupas ensanguentadas. Isso era frustrante para Antônio, mas não havia nada que poderia fazer a respeito. “Me perdoe, mocinha” – pensou consigo, e da mesma forma como fez com Ana Rita, a puxou pelas pernas, riscando o chão de carmesim até a piscina. Conforme depositava seu corpo no tanque, observou com pavor o crânio da legista que jazia ao fundo, com a boca aberta e os caninos pontiagudos a lhe olhar de volta em um riso zombeteiro. Fechou os olhos e deixou Lucy mergulhar para a sua última morada. "Que descansem em paz!"
Levantou-se dali, juntou os restos das roupas e cabelo de Mayane que jaziam pelo solo, e junto com as luvas e o pedaço das vestes de Lucy que havia usado na limpeza, atirou tudo no ácido. Caminhou para as escadas, pegou sua bolsa e a jogou nas costas, subindo os degraus que conduziam à superfície. Lá chegando, mexeu novamente nos livros até que a estátua selasse a sala atrás de si.
Quando passou pelas portas da biblioteca e alcançou a rua, seus olhos doeram pela claridade do sol ardido de inverno. Tirou do bolso da jaqueta os óculos escuros e os colocou enquanto caminhava a passos rápidos em direção ao carro. Acionou o alarme e jogou a bolsa de arma no banco de trás. Antes de dar a partida, parou um pouco e pensou em tudo que se passara naquele dia. Uma lágrima solitária lhe desceu pelo rosto inexpressivo. Estava cada vez mais difícil lidar com aquilo, mas o relógio corria cada vez mais rápido contra ele.
— Você não tem tempo para estas baboseiras, Tony – disse para si enquanto secava a lágrima com a manga de sua blusa.
Sacou o telefone e discou o número de Graça. Maria e Mayane certamente precisariam de um tempo para se recompor, – se é que isto seria possível – mas as informações sensíveis que possuíam tinham que ser passadas à frente.
— Irmã Graça? É o Antônio. Temos que conversar, com urgência!
Quando foi que ele havia se tornado tão frio àquele ponto? Não sentia nada, nenhum remorso, nenhum nojo de si mesmo ou mesmo do fedor exalado pela fogueira humana, acendida por seus pensamentos mais negros. A verdade é que estava tão além do ponto onde não há mais retorno que nem sequer conseguia se lembrar de como era antes de passar por ele.
Já havia visto coisas terríveis na vida, seja como assassino profissional ou nas zonas de guerrilha na qual havia atuado como capitão do exército de Caxias. Enterrar amigos aos pedaços moldam o caráter de um homem. Quase testemunhara Doc ser morta por Ana ali naquela sala, e por um momento achou que perderia Mayane no tanque de ácido, e as olhando agora, se lembrou que ainda nos campos de batalha, jurou que jamais permitiria que um amigo morresse novamente, não no seu turno, ainda que para isso tivesse que fazer algo que o machucasse. Não sentia nada, exceto talvez em algum canto recôndito de sua mente onde a virtude ainda habitava. Em um destes cantos, ouvia a voz de Ana Rita entoando o papel da última filha de Eva e do impuro perfeito no apocalipse.
Engoliu a confusão de seus sentimentos e afrouxou o abraço que continha Doc. O mundo como conhecia estava prestes a cessar de existir, não havia tempo para isso, não podia se dar ao luxo de também nutrir sentimentalismos.
Olhou novamente em volta. Mayane vomitava e chorava, consumida pela culpa. Antônio sentia por ela, arrastada de uma vida de bondade e esperança para este inferno que coexiste com no subterrâneo da humanidade, disfarçado atrás de uma máscara. Ela também sofria por Ana Rita, achando que evitar sua “morte real” fosse salvá-la de alguma forma, quando na verdade, se não fosse parada, ela retalharia a todos naquela sala, e quem sabe quantos mais depois deles? Os olhos dela – que antes transbordavam ternura – agora faiscavam de raiva, e isso doía no coração do agente. Era fato de que as ovelhas não viam as diferenças entre o lobo e o cão pastor, apenas viam suas semelhanças, e isso – a incompreensão de seus sacrifícios, a falta de reconhecimento – sempre foi algo que frustrou Antônio. Até mesmo Ace tinha lhe advertido quando quase perdeu a própria vida no museu, se colocando como uma barreira entre o monstro e o mundo. “Mel entenderia!” – pensou. Sempre quis ser um herói, mas quanto mais tentava, mais vilanesca era a impressão que causava. Provavelmente era esta a exata imagem que a jovem tinha dele por detrás daquele olhar. Ela dizia que queria ir embora, e de fato deveriam, porque a coisa ainda ia ficar pior... Mas ela ainda tinha planos.
A psicóloga sugeria ligar para um amigo na polícia. “Essa mulher só pode estar louca! Polícia? Este local está todo permeado com nossas impressões digitais! E como ela vai explicar termos encontrado ‘por acaso’ salões secretos no subterrâneo da biblioteca municipal? Com uma jovem supostamente morta há anos, mas que na verdade acaba de morrer de novo? E o que diria o dentista ao tentar reconhecer o corpo carbonizado pela arcada dentária? Que humano tem caninos daquele tamanho?”
Seriam tantas perguntas e tantas versões diferentes da mesma história que antes que pudessem notar, estariam atrás das grades, ou mortos! Porque a polícia não deu a mínima para o caso de Ana Rita? Sua veia conspiratória insistia em lhe dizer que se os noturnos eram tão poderosos e influentes, não era de duvidar que controlavam pessoas chave na delegacia e em vários outros setores. “Droga! Talvez até na agência?!” – pensava preocupado.
Mas antes que pudesse falar alguma coisa, foi atingido por Doc, que lhe desferiu um chute entre as pernas que o fez curvar para a frente com as mãos segurando suas partes masculinas, em um gemido abafado de dor intensa. Não contente, a médica ainda a estapeou na cara e por um momento, Antônio ringiu forte os dentes, segurando a vontade de retribuir a ingratidão da mulher na mesma moeda. Ela disparava insultos que ele não foi capaz de absorver em meio ao misto de dor e raiva.
Maria se “despedia” dos cadáveres das mulheres no salão circular, cheia de culpa, assim como Mayane. E ambas o culpando por aquela tragédia. Se perguntava se ela se despediria também do capanga no salão da piscina, ou se ela sequer se lembrava de que Inácio ainda seguia desaparecido. Ninguém mais falava sobre Carlos ou Bruna. O que teria havido com eles? Não parecia importar, nossa gente não importava. Mas uma noturna, sim. Após discursar mais um pouco sobre sua visão pessoal da missão, Doc disse que iria embora e demonstrou mais uma vez seu “apreço” por Antônio:
Maria Ivri escreveu:— Antônio... Que sua vida seja tão justa quanto as decisões que você toma, você merece.
— DE NADA, POR SALVAR SUA VIDA! – retrucou irritado, pensando – “Estamos quites!”
Quando a médica deixou a sala, aprumou o corpo e desamarrotou as roupas como pode, com as mãos. Caminhou entre os corpos arrumando os cabelos e foi até o cadáver de Maria Lucia, se abaixando para apanhar a adaga que ela empunhava contra Ana Rita. Examinou melhor o aparelho onde Mayane havia estado enquanto girava a lâmina entre os dedos. Procurava botar a cabeça em ordem e encontrar palavras para falar com a psicóloga, quando finalmente começou, em um tom pesaroso.
— Eu... Eu sinto muito por você ter visto tudo isso, May – fez uma breve pausa – Acho que não sou bem o tipo de cara pelo qual você se apaixonaria, não é? Ao menos não mais... – baixando a cabeça em um riso nervoso – A verdade é que este é quem eu sou. Alguém capaz de tudo, tudo mesmo, para proteger os seus. Eu preferiria mil vezes queimar como Ana a sequer pensar na ideia do que ela faria com vocês – ensaiou alguns passos na direção de Mayane, mas logo se deteve, lembrando de seu olhar de raiva – Se você soubesse como fiquei em desespero te vendo em agonia naquele tanque?! Eu daria minha vida para tirar você de lá...
Antônio caminhou na direção oposta de sua colega. Não sabia ao certo o que estava fazendo ou o porquê de estar falando aquelas coisas. Se tentava se justificar ou apenas desabafar a confusão e angústia que agora pesava em seu coração. Ainda de costas, apenas com o rosto avermelhado pelo tapa de Doc voltado para o lado, continuou:
— Bruna... Carlos... padre Inácio... Nós estamos perdendo aqui, May! E eu não pretendo deixar que continue assim, custe o que custar! – fez uma pausa – Lá no hospital, a Mel fez algo para compartilhar algumas memórias dela com a gente e... – outra breve pausa – Eu tento não pensar nelas, mas isso? Hoje? Não é nada comparado ao que ainda nos espera... Talvez Maria esteja certa, e devamos seguir por caminhos separados. Para mim, esta vida é a única que eu conheço... E eu faria tudo de novo!
Antônio respirou fundo e procurou vencer o medo que estava das reações de Mayane. Se virou e caminhou até ela, pegando-a pelas mãos. Independente do que ela pensava, ele ainda nutria carinho por ela. A olhou nos olhos e continuou:
— Fique tranquila que eu cuido disto aqui, ok? Eu trabalho na Inteligência, meus homens podem cuidar disto de uma forma mais discreta, criar uma nova narrativa que não nos envolva e destinar os corpos às famílias – riu de nervo novamente – Droga! Eu provavelmente não deveria ter lhe contado metade do que disse até agora. Bastou algumas palavras e aqui estou me abrindo para você – desviou o olhar em um sorriso corado, e continuou – Deixe comigo, vá atrás de Maria, ele poderia fazer melhor uso de sua ajuda agora. Vá, vá para casa, tome um banho quente e troque estas roupas. Tire um tempo para você, amanhã é um novo dia e caso não queria continuar, tudo ficará bem. E se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, basta me ligar e eu estarei lá por você, ok? – concluiu apertando gentilmente as mãos da mulher.
Acompanhou Mayane até os degraus que conduziam até a biblioteca. Lançou o que julgava ser um último olhar para ela e aquilo o feriu por dentro. Estava de volta ao seu caminho solitário e ainda havia trabalho a ser feito.
Voltou ao salão circular, respirou fundo ao olhar os corpos das duas jovens que ali estavam, como se fosse um ritual de preparação para o serviço. Tirou do bolso da jaqueta um par de luvas cirúrgicas e as vestiu. Parte das habilidades profissionais do agente era o que chamavam de “limpeza” em sua área de atuação, o que consistia em eliminar todo e qualquer resquício de que estivera presente em alguma ocasião. Caminhou até Maria Lucia e rasgou um pedaço de suas vestes, utilizando o mesmo para esfregar o vidro do aparelho onde Mayane “nunca estivera”. Fez o mesmo nas portas, nas estrelas, na esfera e na chave que Maria “nunca tivera em mãos”. O mesmo com as estatuas e esferas que ele “nunca escalara ou manipulara”.
A sensação de estar sozinho naquele lugar de morte era angustiosa, como se estivesse em um filme, num local mal-assombrado. Concluía a limpeza do salão com o pensamento mórbido de que cedo ou tarde, teria que lidar com as mulheres. “Mulheres são sempre as piores... Mulheres e crianças”. Decidiu então começar pelo capanga que abatera mais cedo. Agarrou o homem pelo braço e o puxou para perto do tanque de ácido, empurrando-o lentamente piscina a dentro, primeiro as pernas, após o tronco, até soltá-lo lentamente pelos braços, evitando que o líquido letal lhe respingasse. Não ficou para acompanhar o processo ruidoso que era o de ser corroído pelo ácido e rumou para o salão circular.
De volta ao salão, pegou e limpou a espingarda com que Maria havia atirado em Lucy. Guardou a arma na bolsa juntamente com a adaga que havia pego da jovem loira. Evitava olhar para os corpos, evitava pensar naquela situação, ou ao menos tentava. Mais uma vez, saiu da sala e apanhou as armas dos seguranças, guardando as mesmas sem limpar, também em sua bolsa. Talvez pudesse rastrear para quem trabalhavam se conseguisse um retorno de suas digitais. Era a única pista que tinha sobrado naquela fatídica ocasião.
Depositou a bolsa aos pés da escada e sentou-se nos degraus, apoiando a cabeça em suas mãos gélidas, os cotovelos nos joelhos. Batia os pés incessantemente, pensando na árdua tarefa que tinha que fazer. Tinha mesmo? “Sim, Antônio. Você tem! Ninguém vai fazer o seu trabalho!” – dizia uma voz em sua cabeça. Alguém tinha que fazer! Levantou-se em um salto, puxou a blusa para baixo e expirou forte, caminhando determinado para o salão em anexo.
Agarrou Ana Rita pelas pernas e começou a arrastá-la pelo piso frio do local. Sentia a canela da mulher estalar em suas mãos, como se fossem se desmanchar a qualquer momento. Seu corpo deixava um rastro negro pelo trajeto e pequeninhos pedaços de sua pele se desfaziam como carvão pelo chão. Antes mesmo de chegar à piscina, foi acometido por uma náusea que o fez virar o rosto e levar o antebraço à boca para segurar o vômito. Controlando-se, continuou até o tanque e alinhou a noturna com o tanque e a colocou no ácido da mesma forma que fez com o segurança. Ouvia o chiado do líquido consumindo seu corpo, enquanto olhava com o canto do olho para seu rosto queimado retorcido. Arrepios terríveis lhe percorriam o corpo, e assim que era seguro, largou a mulher, virando novamente para o salão. Só faltava mais uma, e aí poderia ir embora daquele lugar desgraçado.
Maria Lucia, a única inocente naquele antro de perdição. Pensou quer seria mais digno carrega-la no colo até o lugar de seu descanso final, mas quando olhou mais de perto, viu que seu sangue estava por toda a parte, e não seria uma boa ideia sair por aí com as roupas ensanguentadas. Isso era frustrante para Antônio, mas não havia nada que poderia fazer a respeito. “Me perdoe, mocinha” – pensou consigo, e da mesma forma como fez com Ana Rita, a puxou pelas pernas, riscando o chão de carmesim até a piscina. Conforme depositava seu corpo no tanque, observou com pavor o crânio da legista que jazia ao fundo, com a boca aberta e os caninos pontiagudos a lhe olhar de volta em um riso zombeteiro. Fechou os olhos e deixou Lucy mergulhar para a sua última morada. "Que descansem em paz!"
Levantou-se dali, juntou os restos das roupas e cabelo de Mayane que jaziam pelo solo, e junto com as luvas e o pedaço das vestes de Lucy que havia usado na limpeza, atirou tudo no ácido. Caminhou para as escadas, pegou sua bolsa e a jogou nas costas, subindo os degraus que conduziam à superfície. Lá chegando, mexeu novamente nos livros até que a estátua selasse a sala atrás de si.
Quando passou pelas portas da biblioteca e alcançou a rua, seus olhos doeram pela claridade do sol ardido de inverno. Tirou do bolso da jaqueta os óculos escuros e os colocou enquanto caminhava a passos rápidos em direção ao carro. Acionou o alarme e jogou a bolsa de arma no banco de trás. Antes de dar a partida, parou um pouco e pensou em tudo que se passara naquele dia. Uma lágrima solitária lhe desceu pelo rosto inexpressivo. Estava cada vez mais difícil lidar com aquilo, mas o relógio corria cada vez mais rápido contra ele.
— Você não tem tempo para estas baboseiras, Tony – disse para si enquanto secava a lágrima com a manga de sua blusa.
Sacou o telefone e discou o número de Graça. Maria e Mayane certamente precisariam de um tempo para se recompor, – se é que isto seria possível – mas as informações sensíveis que possuíam tinham que ser passadas à frente.
— Irmã Graça? É o Antônio. Temos que conversar, com urgência!
- Nazamura
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- Mensagem nº47
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Afinal o que é empatia?
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- Padre
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- Mensagem nº48
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Traição |
Enquanto deixava a tumba para trás, sua mente pensava em tudo, mas ao mesmo tempo não pensava em nada. O caos acompanhado do silêncio era o suficiente para que Doc sequer tivesse uma plena noção do que acontecia ao seu redor.
― Ahn? ― Ao passar a mão no bolso, logo após sair da biblioteca sentia a sua carteira, mas não o seu cigarro. ― Deve ter caído no meio daquele caos.
Saindo da biblioteca, ia até uma banca onde pedia um maço novo para o vendedor, foi aí que percebeu a chegada de Mayane. Ignorando, pagava o homem e seguia seu caminho em direção ao apartamento enquanto acendia mais um cigarro.
― Vá embora, Mayane, o show acabou. O impulsivo lá se faz de forte, mas ele é o mais quebrado entre nós três. Eu e você sofremos na hora, mas provavelmente ele fica se remoendo todo dia naquela vidinha medíocre dele, não é incomum, você já ouviu falar em PTSD, né? Não é a primeira vez que eu ligo com a morte e nem vai ser a última, vá com ele ou vá pra casa, são as melhores coisas que você pode fazer agora.
Então, apressando o passo, procuraria algum beco ou passarela pra cortar caminho, algum meio que fosse impossível de ser seguida por um carro. No caminho, também pegava o telefone e ligava para o seu mentor.
― Albert, quando possível precisamos conversar, por favor. É importante.
― Ahn? ― Ao passar a mão no bolso, logo após sair da biblioteca sentia a sua carteira, mas não o seu cigarro. ― Deve ter caído no meio daquele caos.
Saindo da biblioteca, ia até uma banca onde pedia um maço novo para o vendedor, foi aí que percebeu a chegada de Mayane. Ignorando, pagava o homem e seguia seu caminho em direção ao apartamento enquanto acendia mais um cigarro.
― Vá embora, Mayane, o show acabou. O impulsivo lá se faz de forte, mas ele é o mais quebrado entre nós três. Eu e você sofremos na hora, mas provavelmente ele fica se remoendo todo dia naquela vidinha medíocre dele, não é incomum, você já ouviu falar em PTSD, né? Não é a primeira vez que eu ligo com a morte e nem vai ser a última, vá com ele ou vá pra casa, são as melhores coisas que você pode fazer agora.
Então, apressando o passo, procuraria algum beco ou passarela pra cortar caminho, algum meio que fosse impossível de ser seguida por um carro. No caminho, também pegava o telefone e ligava para o seu mentor.
― Albert, quando possível precisamos conversar, por favor. É importante.
- Mellorienna
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- Mensagem nº49
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Bela Vista
17h
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - As ruas receberam cada um dos Caçadores com uma estranha dose de realidade. Os reflexos do Pesadelo da noite anterior, que assolou pessoas ao redor do globo inteiro, ainda podiam ser sentidos nos postes estragados devido a colisões de carros, nas linhas de metrô paradas por causa dos descarrilamentos e no olhar abatido e preocupado das pessoas que se apinhavam nos pontos de ônibus, tentando imprimir algum senso de ordem ao caos daquele dia infindável.
A determinação de cada um estava bem clara ao sair da Biblioteca Municipal. Mas as ruas, tortuosas vias no crepúsculo prematuro do inverno, pareceram conduzi-los por caminhos próprios, sobre os quais não tinham consciência ou controle. Antônio, Doc e Mayane vagavam a esmo, buscando conformidade com a nova situação.
Mas como fazer amizade com o monstro debaixo da cama?
Logo que chegou ao seu carro, Mayane percebeu algumas mensagens em seu celular, de um Mathias preocupado. "O corpo da Dra. Carolina Guerra foi encontrado no subsolo do Museu", o Policial Militar dizia, "brutalmente mutilado, preso na parede a algum tipo de ritual satânico. Dra. Mayane, você está bem? Como você soube dessa morte? Sei que o sigilo profissional te impede de revelar se o autor foi algum paciente seu, mas preciso saber se você está bem, se está segura". Ele enviou as mensagens pouco depois de terem entrado na Biblioteca.
De outro norte, Doc se surpreendeu quando o Dr. Albert retornou imediatamente seu contato, através de uma mensagem de voz. O mentor parecia cansado, mas aliviado ao ouvir a voz de Maria Ivri. "Não foi apenas aqui, Mary", a mensagem já começava em tom frenético, "não só em Bela Vista. Pessoas ao redor do mundo todo surtaram. E estão transmitindo pela televisão o que parece ser uma luta contra um vampiro especialmente poderoso. Claro, não foi o que a mídia disse quando a notícia passou ao vivo, três horas atrás. Mas amigos meus no Conclave dos Magos analisaram as imagens. Jogaram três bombas nucleares, Mary... três bombas nucleares para matar a criatura. E era dia. A criatura lutou a luz do dia". Doc passou na frente de uma das poucas lojas de eletrodomésticos que havia resistido ao monopólio dos shopping centers exatamente naquela hora, onde as grandes TVs de LCD exibiam a imagem impossível de três cogumelos atômicos disparados sobre Bangladesh. A cifra absurda de vinte milhões de mortos aparecia na legenda. Aquilo era vinte vezes mais pessoas do que havia em Bela Vista. Quatro vezes mais que a população de São Paulo, maior cidade da América do Sul.
Enquanto isso, Antônio havia ligado para Irmã Graça, que garantiu a ele que "o Jardim o encontraria". Mal tinha desligado o celular e recebeu comunicações da Agência, dando conta da necessidade de que ele comparecesse pessoalmente ao escritório mais próximo, para fins de prova de vida. Alguns poucos contatos revelariam que muitos agentes haviam morrido naquele dia, vítimas das consequências dos Pesadelos da noite anterior, além de alguns que haviam sido atacados de modo "bárbaro e animalesco". Talvez não fosse a melhor ideia fazer a prova de vida logo. Quem sabe o que o dia seguinte reservaria?
E a noite caía cedo sobre a amaldiçoada Bela Vista.
Um aperto no peito, sabendo que os Monstros logo estariam à solta, apoderou-se de cada um dos Caçadores. Em pontos distintos da cidade, sozinhos, contemplando a lua se erguer no horizonte, viram surgir impossivelmente, em meio a prédios e comércios, o portão antigo e rebuscado cujas grades davam vistas para um jardim noturno.
- A PORTA PARA O JARDIM:
Imediatamente se lembraram de uma frase de Mel da Paixão na noite anterior, que naquele instante não tinha feito sentido, e só ficava clara agora:
- A porta só aparecerá uma vez.
Ela tinha aqueles olhos inteiramente negros quando disse isso e foi a última coisa que falou antes que cada um buscasse um lugar para dormir. E então acordaram naquele apartamento no subúrbio, e seguiram a pista de Lucy D'Arc até Ana Rita. Que agora estava morta. Todas mortas.
O vento se ergueu em um uivo, como se lobos caçassem entre as luzes pestilentas dos postes da cidade, que chiavam ao terem seus transformadores acionados. A porta de ferro trabalhado abriu-se silenciosamente, convidando-os.
OFF: Cada um dos personagens está sozinho nesse momento, cada um em um ponto diferente da cidade. A porta para o Jardim apareceu para cada um dos três, onde estão.
Por favor, tenham muito cuidado com a escolha que vão fazer nessa cena. Ao entrar, vocês vão voltar à casa de Irmã Graça, vocês sabem disso, é uma certeza de seus personagens. Mas vocês podem sim escolher não entrar. Porém, toda escolha tem consequências. Em consideração ao tempo que estamos juntos, desenvolvendo essa história, eu me sinto na obrigação de alertar vocês que não entrar no Jardim pode ser fatal para seus personagens.
Ana Rita era cria do Príncipe de Bela Vista. E isso pode ser um problema. Mas Maria Lúcia era Carniçal de alguém ainda pior que ele. E pode ser que o Príncipe esteja muito ocupado com a Gehenna batendo na porta, mas a morte de Lucy D'Arc será vingada. Então, assim, a cena será linda. E escrevê-la comigo é algo que vocês podem querer fazer. Mas não há chances reais de sobrevivência caso desejem ir por esse caminho.
Ah, a cena das bombas atômicas faz parte do lore oficial do Tempo do Julgamento, a série de eventos que conta o Fim do Mundo das Trevas, da editora White Wolf. Nessa cena, o Antidiluviano do Clã Ravnos lutou, durante o dia, com outros três anciões vampiros do oriente, sendo subjugado apenas quando a Tecnocracia enviou bombas de nêutrons contra ele. Destaque mais uma vez: o sujeito lutou DURANTE O DIA. É, Caçadores, é o fim do mundo como conhecemos...
Avisos dados, é isso! Postagens liberadas!
Go go roleplay~
- Padre
Cavaleiro Jedi - Mensagens : 205
Reputação : 38
- Mensagem nº50
Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
Traição |
Dizem que a incapacidade de aceitar a perda é uma forma de insanidade. Deve ser verdade. Mas, às vezes... É a única forma de nos mantermos vivos. Maria não estava vendo os fantasmas de Ana Rita e Maria Lúcia na sua cabeça, muito menos ouvindo a sua voz, sua falta de aceitação não era relacionada a ignorar o fato de que elas morreram, mas sim em não aceitar que aquilo aconteceu pelo motivo que aconteceu. As pessoas que estavam na rua pareciam não estar melhores do que o grupo de caçadores e isso ficava claro pelo caos que ainda não havia se resolvido da noite anterior. Ignorando, passava desiludida por cada daqueles sinais. O desespero das pessoas era aparentemente, mas qual era o ponto de tudo aquilo?
Sua mente revisitava os últimos acontecimentos, provando seus erros, julgando seus colegas, caindo em uma estranha espiral que ela não conseguia se livrar. Para quem perguntasse, aquela era Maria Ivri, médica do Hospital Geral de Bela Vista, uma mulher perfeitamente sã e de carreira renomada, mas por dentro...
Ana Rita, Ana Rita, Ana Rita, torturada, esquecida... Minha amiga. Eu jurei protegê-la, eu jurei salva-la, hahaha, que vergonha. Se essa é uma série nós com certeza estamos perto da season finale, a salvadora se tornou o escárnio do grupo e seu declínio. Trabalhar sozinha é suicídio, mas talvez, só nesse caso...
Tendo seus pensamentos interrompidos pelo toque do celular, já não se importava se era o seu tutor quem respondia, pegou o celular logo após deixar Mayane para trás porque queria ocupar a cabeça, queria ter algo pra fazer, mas o que falaria? Ainda mais com ele estando tão longe de seu mentor. Com seus olhos vagos e cansados marchava pela calçada, estava indo pra casa, mas quando chegaria? Diante dos seus olhos parecia que o caminho mudava constantemente ou era aquele um traço da exaustão mental se manifestando após o dia cansativo que havia tido.
A mensagem de Albert era clara e preocupante, enquanto ouvia a mensagem de voz do doutor que já parecia bastante cansado, recebia a informação que dizia que o fenômeno experienciado na noite passada havia acontecido no mundo todo, nenhuma surpresa quanto a isso. Entretanto, saber da luta contra o vampiro que havia resultado em até três bombas nucleares, isso sim fazia com que a médica franzisse o cenho.
Desde que começamos isso, parece que há um farol na minha cabeça e é inevitável não ser atraída por essas coisas, hahaha, aquela Ana Rita, a vingativa, com certeza ela se deleitaria com o meu fracasso.
Riu em voz alta, uma risada alta e que lembrava a quem ouvisse as bruxas dos contos de fadas, já não havia motivos para sutilezas e cuidados ao se portar em público. O resto da mensagem era igualmente interessante e acordava Ivri que andava com mais pressa procurando qualquer coisa que pudesse lhe dar um sinal palpável sobre os acontecimentos daquele dia e foi quando achou uma loja de eletrodomésticos passando em diversas telões.
Por que isso não acontecia antes de eu saber de tudo isso? Fazendo assim parece que a gangue dos caçadores é responsável por tudo, ai, ai... Que saco.
Olhou pro celular mais uma vez, pensou se deveria mandar uma nova mensagem para Albert, mas soube que não era o melhor naquele momento. Sua loucura, sua ideia estava ali, naquela cabeça teimosa, torturante, devoradora. Que comia o corpo gradualmente. Ela a invisível, impalpável, a inatingível, a noção intangível minou a carne, bebia o sangue, apagava a vida e despertava um novo lado naquela mulher que poderia não ser tão empático quanto o antigo.
― Que azar pra eles, né? ― Dizia em um tom baixo e sério enquanto reparava na montanha de mortos que o tal vampiro havia deixado pra trás. ― Parece que os super caçadores não conseguiram dar conta a tempo. Tem morto o suficiente pra popular o Vietnã ali.
A noite então finalmente chegava trazendo um arrepio que instintivamente fazia a doutora Maria olhar para trás. Algo iria acontecer, ela sabia, se preparava para correr para o seu apartamento, mas foi aí que viu, tão impossível quanto a aparição de um vampiro demoníaco destruindo estados inteiros em plena luz do dia, a porta para o jardim aparecer. Lembrou-se da frase de Mel, mas aquela não era sua maior preocupação.
― Nós não vamos nos separar tão cedo, vamos?
Encarava a porta inicialmente com surpresa, posteriormente com um sorriso pleno, mas que carregava certa malícia, o cansaço era claro. O vento se erguia a medida que a mulher optava por entrar, com a mão direta ajeitava o seu cabelo, com a esquerda segurava o cigarro, o sorriso de canto de boca era difícil de conter.
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Esse é um novo capítulo pra você, Maria, faça o melhor dele.
- Nazamura
Mutante - Mensagens : 688
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Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
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- Ryan Schatner
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Re: [!ON!] 2ª Noite: After D'Arc
“Pedi, e vos será concedido; buscai, e encontrareis; batei, e a porta será aberta para vós. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, se lhe abrirá.”
Mateus 7:7-8
Mateus 7:7-8
“Como diabos o jardim vai me achar?” – se indagava em pensamento o agente, expirando afora seu cansaço ao desligar o telefone. Sentia a musculatura do pescoço tensa, e numa tentativa infrutífera de alívio, forçava a cabeça de um lado a outro. Reclinou-se sobre o banco do passageiro e alcançou um cantil de metal no porta luvas, de onde tirou dois tragos de um fino whisky que ali trazia para ocasiões especiais. E aquela – definitivamente – era uma ocasião em que precisaria de algo um pouco mais “especial”.
A bebida quente que ficara trancada dentro do carro sob o sol da tarde fora difícil de engolir; mas o que naquele dia não fora? Somente agora, de volta ao “mundo real” é que pode observar o caos em que a cidade se encontrava. As pessoas andavam desorientadas, algumas até por entre a pista de rolamento. Com uma rápida olhadela, podia ver veículos batidos ou abandonados aqui e ali, bem como viaturas da polícia e ambulâncias que rasgavam o trânsito aos gritos desesperados de suas sirenes.
Tomou mais um gole da bebida em suas mãos e girou freneticamente a tampa do cantil, atirando o mesmo de volta ao compartimento no painel. Seu celular vibrava sem parar, como se tivesse acabado de encontrar um oásis de sinal após uma temporada de escassez desértica. Ao checar as mensagens da intranet da ABIN, começou a ter mais noção da dimensão daquilo em estava envolvido. Era GLOBAL! Agentes por todo o país e no além-mar haviam sido mortos ou atacados de maneiras inexplicáveis e notificações de grandes noticiários apareciam sem parar no topo da tela dando conta de ataques nucleares ao sul da Ásia.
A agencia demandava a presença dos sobreviventes ao escritório mais próximo para uma prova de vida, mas Antônio não tinha tempo a perder, precisava encontrar os outros o quanto antes. E àquela altura do campeonato, não sabia mais até que ponto poderia confiar neles. Pensando ser aquela uma maneira de não faltar com seu compromisso, mas sem se expor ou se desviar de seu caminho, gravou e enviou uma mensagem de vídeo ao seu intermediário.
— Aqui é o agente Del Vechio, código de verificação – negativo, nono, oscar, delta, charlie, primeiro – ativo em Bela Vista no QTR de – era possível vê-lo consultar o relógio de pulso – 17 horas e 48 minutos. Ciente da ocasião e trabalhando com uma potencial fonte de inteligência. Impossibilitado de comparecer ao QG.
Desligou o celular e olhou em volta por um momento. A lua despontava no horizonte, em um céu que ainda dava os primeiros sinais do crepúsculo... e nada de jardim. “Essa freira só pode estar brincando comigo!”
Ao pensar em Graça, lembrou-se de sua velha mãe e de sua família. Como estariam em meio à toda essa confusão? Dona Sônia provavelmente estaria muito preocupada com ele, mas ela era reservada demais para contatá-lo quando achava que ele estava a trabalho, sempre acreditando que o atrapalharia em algum momento. E aquele – julgava ela – certamente era um daqueles momentos. Já seu pai, Giovanni, era o típico aposentado ranzinza a quem só faltava um corajoso cãozinho para chamar de “cachorro idiota”. Não aparentava ligar para nada, e se as águas dos rios corressem para cima ou para baixo, para ele tanto fazia. Ia resmungar e xingar de qualquer jeito. Culpa do sangue italiano que corria nos Del Vechio.
Deu partida na SUV e arrancou pelas ruas de uma Bela Vista insana. Misturada às visões caóticas da cidade, a preocupação com a família crescia dentro de Antônio. Colocou o celular no painel e travou o comando de mensagem de voz enquanto dirigia e falava ao mesmo tempo:
— Mãe, é o Tony! A benção! Mãe, só estou mandando essa mensagem para dizer que estou bem, ok? E para saber como a senhora e o pai estão... Todos bem? O João? Ricardo? Samanta? As coisas estão um pouco corridas aqui no trabalho, então pode ser que eu demore um pouco até poder falar com vocês de novo, tá bem? Vou indo lá, mãe. Seu filho tem que salvar o mundo novamente. Amo vocês... todos vocês!
Dona Sonia nunca especulou muito sobre o que de fato o filho fazia. Levava a sério o clichê dos filmes de espiões, bem como as brincadeiras que Antônio fazia com Ricardo quando era perguntado sobre seu trabalho – “Se eu te contasse, teria que te matar” – Mas como toda mãe orgulhosa, sempre pensava que se tratava algo muito importante, como proteger o presidente ou de fato, impedir catástrofes mundiais. Era a única que realmente o via como um herói, seu herói.
O tom de despedida em sua mensagem e as boas lembranças de sua família foram interrompidas por uma estridente buzina em coro com o cantar de pneus de sua caminhoneta que fazia uma conversão agressiva à esquerda. O motorista do outro veículo praguejava com a cabeça e o punho cerrado para fora da janela:
— Não tem seta não, o arrombado?
O agente ignorou os insultos, passou a mão pela cara e pelos cabelos, tentando se pôr em alerta e continuou seu caminho. Dirigia sem rumo pelas ruas de Bela Vista, buscando não sabia o que, não sabia onde. Em uma das ruas centrais, um brilho esverdeado ao fundo de um beco escuro pelo qual passara lhe chamou a atenção. Aquele tom de verde lhe era familiar. Imediatamente, engatou a marcha ré em seu veículo e acelerou bruscamente até voltar a ter visão do local. Para sua surpresa, lá estava ela, a porta de ferro que conduzia ao jardim.
— A porta só aparecerá uma vez – disse consigo mesmo, ecoando as palavras de Mel.
Manobrou o veículo e adentrou lentamente com ele ao beco, com os faróis desligado. A lâmpada do poste piscava seus últimos flashes de vida e um zumbido do logotipo em neon da boate ao lado, insistente como um inseto chato a atrapalhar o sono de alguém, preencheu o lugar assim que Antônio desligou o motor. O vento noturno soprava frio e tão logo Antônio desceu do carro, tratou de fechar sua jaqueta e erguer a gola ao pescoço. Apanhou seus pertences e bateu forte a porta de trás da viatura, acionando o alarme em seguida.
Viela adentro, caminhou pelo concreto húmido e sujo com os olhos fixos no portão, esbarrando os pés ocasionalmente em alguma garrafa ou embalagem qualquer. Um homem maltrapilho que jazia recostado a uma caçamba de lixo com uma garrafa nas mãos o interpelou ao avistá-lo:
— Hey cara, me dá um trocado aí! Hey cara, tô falando com você!
Sem dizer nada, Antônio enfiou a mão no bolso e lhe arremessou uma moeda, mas o homem persistia.
— Onde você tá indo? Cê tá doidão, cara? Não tem nada aí! É um beco sem saída!
A trabalhada porta de ferro soltou um rangido agudo ao abrir-se lentamente para o caçador que indagou ao mendicante, pouco antes de sumir na escuridão, mergulhando no jardim noturno:
— E não são todos?
A bebida quente que ficara trancada dentro do carro sob o sol da tarde fora difícil de engolir; mas o que naquele dia não fora? Somente agora, de volta ao “mundo real” é que pode observar o caos em que a cidade se encontrava. As pessoas andavam desorientadas, algumas até por entre a pista de rolamento. Com uma rápida olhadela, podia ver veículos batidos ou abandonados aqui e ali, bem como viaturas da polícia e ambulâncias que rasgavam o trânsito aos gritos desesperados de suas sirenes.
Tomou mais um gole da bebida em suas mãos e girou freneticamente a tampa do cantil, atirando o mesmo de volta ao compartimento no painel. Seu celular vibrava sem parar, como se tivesse acabado de encontrar um oásis de sinal após uma temporada de escassez desértica. Ao checar as mensagens da intranet da ABIN, começou a ter mais noção da dimensão daquilo em estava envolvido. Era GLOBAL! Agentes por todo o país e no além-mar haviam sido mortos ou atacados de maneiras inexplicáveis e notificações de grandes noticiários apareciam sem parar no topo da tela dando conta de ataques nucleares ao sul da Ásia.
A agencia demandava a presença dos sobreviventes ao escritório mais próximo para uma prova de vida, mas Antônio não tinha tempo a perder, precisava encontrar os outros o quanto antes. E àquela altura do campeonato, não sabia mais até que ponto poderia confiar neles. Pensando ser aquela uma maneira de não faltar com seu compromisso, mas sem se expor ou se desviar de seu caminho, gravou e enviou uma mensagem de vídeo ao seu intermediário.
— Aqui é o agente Del Vechio, código de verificação – negativo, nono, oscar, delta, charlie, primeiro – ativo em Bela Vista no QTR de – era possível vê-lo consultar o relógio de pulso – 17 horas e 48 minutos. Ciente da ocasião e trabalhando com uma potencial fonte de inteligência. Impossibilitado de comparecer ao QG.
Desligou o celular e olhou em volta por um momento. A lua despontava no horizonte, em um céu que ainda dava os primeiros sinais do crepúsculo... e nada de jardim. “Essa freira só pode estar brincando comigo!”
Ao pensar em Graça, lembrou-se de sua velha mãe e de sua família. Como estariam em meio à toda essa confusão? Dona Sônia provavelmente estaria muito preocupada com ele, mas ela era reservada demais para contatá-lo quando achava que ele estava a trabalho, sempre acreditando que o atrapalharia em algum momento. E aquele – julgava ela – certamente era um daqueles momentos. Já seu pai, Giovanni, era o típico aposentado ranzinza a quem só faltava um corajoso cãozinho para chamar de “cachorro idiota”. Não aparentava ligar para nada, e se as águas dos rios corressem para cima ou para baixo, para ele tanto fazia. Ia resmungar e xingar de qualquer jeito. Culpa do sangue italiano que corria nos Del Vechio.
Deu partida na SUV e arrancou pelas ruas de uma Bela Vista insana. Misturada às visões caóticas da cidade, a preocupação com a família crescia dentro de Antônio. Colocou o celular no painel e travou o comando de mensagem de voz enquanto dirigia e falava ao mesmo tempo:
— Mãe, é o Tony! A benção! Mãe, só estou mandando essa mensagem para dizer que estou bem, ok? E para saber como a senhora e o pai estão... Todos bem? O João? Ricardo? Samanta? As coisas estão um pouco corridas aqui no trabalho, então pode ser que eu demore um pouco até poder falar com vocês de novo, tá bem? Vou indo lá, mãe. Seu filho tem que salvar o mundo novamente. Amo vocês... todos vocês!
Dona Sonia nunca especulou muito sobre o que de fato o filho fazia. Levava a sério o clichê dos filmes de espiões, bem como as brincadeiras que Antônio fazia com Ricardo quando era perguntado sobre seu trabalho – “Se eu te contasse, teria que te matar” – Mas como toda mãe orgulhosa, sempre pensava que se tratava algo muito importante, como proteger o presidente ou de fato, impedir catástrofes mundiais. Era a única que realmente o via como um herói, seu herói.
O tom de despedida em sua mensagem e as boas lembranças de sua família foram interrompidas por uma estridente buzina em coro com o cantar de pneus de sua caminhoneta que fazia uma conversão agressiva à esquerda. O motorista do outro veículo praguejava com a cabeça e o punho cerrado para fora da janela:
— Não tem seta não, o arrombado?
O agente ignorou os insultos, passou a mão pela cara e pelos cabelos, tentando se pôr em alerta e continuou seu caminho. Dirigia sem rumo pelas ruas de Bela Vista, buscando não sabia o que, não sabia onde. Em uma das ruas centrais, um brilho esverdeado ao fundo de um beco escuro pelo qual passara lhe chamou a atenção. Aquele tom de verde lhe era familiar. Imediatamente, engatou a marcha ré em seu veículo e acelerou bruscamente até voltar a ter visão do local. Para sua surpresa, lá estava ela, a porta de ferro que conduzia ao jardim.
— A porta só aparecerá uma vez – disse consigo mesmo, ecoando as palavras de Mel.
Manobrou o veículo e adentrou lentamente com ele ao beco, com os faróis desligado. A lâmpada do poste piscava seus últimos flashes de vida e um zumbido do logotipo em neon da boate ao lado, insistente como um inseto chato a atrapalhar o sono de alguém, preencheu o lugar assim que Antônio desligou o motor. O vento noturno soprava frio e tão logo Antônio desceu do carro, tratou de fechar sua jaqueta e erguer a gola ao pescoço. Apanhou seus pertences e bateu forte a porta de trás da viatura, acionando o alarme em seguida.
Viela adentro, caminhou pelo concreto húmido e sujo com os olhos fixos no portão, esbarrando os pés ocasionalmente em alguma garrafa ou embalagem qualquer. Um homem maltrapilho que jazia recostado a uma caçamba de lixo com uma garrafa nas mãos o interpelou ao avistá-lo:
— Hey cara, me dá um trocado aí! Hey cara, tô falando com você!
Sem dizer nada, Antônio enfiou a mão no bolso e lhe arremessou uma moeda, mas o homem persistia.
— Onde você tá indo? Cê tá doidão, cara? Não tem nada aí! É um beco sem saída!
A trabalhada porta de ferro soltou um rangido agudo ao abrir-se lentamente para o caçador que indagou ao mendicante, pouco antes de sumir na escuridão, mergulhando no jardim noturno:
— E não são todos?