Os olhos vivazes de Igoric, algo violáceos, algo avermelhados, encaram o pequeno Gabriel com uma expressão confusa, de que não compreende bem a pergunta feita.
- Esse lugar... qual lugar? O trem? A caverna? Scholomance? O mundo bruxo... Você foi criado entre os trouxas? Deve estar bem confuso... .
Enquanto falava ao menino, não notara a reação amuada de Akane. Dragoflor era um rapaz bem-intencionado e disposto, mas, apesar de não ser burro, tinha o lado brutamontes: típico garoto acostumado a ser o centro das atenções, não sabia muito bem captar as nuances e alterações de humores alheios. Era do tipo que, sempre que chateava alguém, não conseguia entender o motivo, o que havia feito.
Na contramão, apesar da cara pouco convidativa, Nerb aproveitara o passeio para futricar as coisas, conhecendo o ambiente. Com muita naturalidade, tentar enfiar-se nas coisas da menina, atraída pela novidade e pronta para bagunçar tudo na curiosidade.
Na parte do vagão, a atenção de Arthurio era capturada pela mão que o cutucava, pondo-se a ler a mensagem no caderninho de Link. Sem demora, abriu a boca para começar a falar, mas as palavras inesperadamente faltarem-lhe. Parecera que algo dentro da própria mente, uma lembrança, confundira o que pretendia dizer.
Fechou os lábios, fazendo uma expressão esquisita, de incômodo, antes de finalmente botar para fora o assunto.
- É... um pouco... complicado... .
Da maneira errática e avoada dele, às vezes repetindo informações ou fazendo longos desvios, explicou que aquelas eram coisas de adultos, difíceis de entender. Ao menos a parte mais profunda delas.
Conforme tentara colocar, toda a magia tinha alguma relação com as forças da natureza, desde a vida até a morte. As pessoas trouxas, sem atentar a nada, estavam trazendo um grande desequilíbrio aos dois mundos, não só ferindo “Gaia”, mas contribuindo para o aumento de energias malignas.
- Sempre perseguiram bruxas porque achavam que elas eram más, mas era o próprio ódio deles que as envenenava.
Sem ser afetada pela passagem daquele longo veículo, a paisagem continuava mudando, ora mais estranha, ora mais familiar, ora inacreditáveis, ora assustadoras.
Aquele era um assunto delicado, pelo que se podia perceber. De acordo com o rapaz, não havia quem discordasse que ambos os mundos sofriam. Mas a resposta sobre “o que fazer?” era motivo de encrenca. E muita.
- Às vezes os adultos se separam entre “pró-trouxas” e... – por um instante, Arthurio pareceu ter dúvidas se deveria falar aquilo, mas resolveu terminar – ... “anti-trouxas”.
Como disso, porém, nalguns momentos era muito difícil – ao menos para ele, um adolescente – definir a diferença. Parecia que alguém podia ser acusado de estar de um lado num instante e, no segundo posterior, de fazer parte do outro lado. De toda a maneira, aparentemente a maior parte de quem preferia uma solução sem não envolver magia, nem revelar a sociedade bruxa às comunidades externas, era “pró-trouxas”, “anti-intervencionista”. Mas algumas opiniões nesse mesmo grupo eram favoráveis a “pequenas intervenções”, como feitiços simples de convencimento, mensagens através de sonhos etc. Havia até quem fosse mais radical, propondo quebrar todo esse segredo sobre a existência do mundo mágico em favor de uma convivência pacífica entre todos os povos, o que parecia ótimo. Mas havia quem discordasse totalmente de tais propostas, apontando que, no passado, esse tipo de atitude só trouxe problemas. Bruxas perseguidas ou trouxas abusados por magos poderosos.
Em suma, aceitar tais condições tinha risco, pois poderia abrir as portas a ideias “anti-trouxas”: manipulá-los ao bel prazer de criaturas más, escravizando e mesmo exterminando-os.
- Minha mãe é da Guarda Encantada – a política daquele povo – e o pessoal lá é muito rigoroso no combate ao uso de trouxas como servos e esse tipo de coisa. Daí isso é bem raro.
Àquela altura o protesto já tinha ficado bem para trás, conforme o longo monólogo seguia. No fim, ele confessou que não conseguia diferenciar bem as coisas, já que até um protesto tão “bondoso” quanto um contra familiares presos em gaiolas podia ser feito por ambos os lados: no caso, “anti-trouxas” defendiam que a única forma de liberdade total era deixá-los circular abertamente entre as duas realidades, mas se espertalhões tentassem lucrar maltratando-os ou cientistas começassem a fazer experimentos neles... .
A conversa só fora interrompida por um momento de escuridão, quando o Expresso Transmundial saiu da área iluminada, mergulhando na escuridão subterrânea. O silêncio que se fez tinha algo de opressor.
- Mas não precisa se preocupar com isso agora. Vai ter muito tempo pra discutir em “História da Magia” e em “Debates Metafísicos”... .
Ao longe, uma pequena luz começava a crescer e brilhar. Seria o fim do túnel?
- Esse lugar... qual lugar? O trem? A caverna? Scholomance? O mundo bruxo... Você foi criado entre os trouxas? Deve estar bem confuso... .
Enquanto falava ao menino, não notara a reação amuada de Akane. Dragoflor era um rapaz bem-intencionado e disposto, mas, apesar de não ser burro, tinha o lado brutamontes: típico garoto acostumado a ser o centro das atenções, não sabia muito bem captar as nuances e alterações de humores alheios. Era do tipo que, sempre que chateava alguém, não conseguia entender o motivo, o que havia feito.
Na contramão, apesar da cara pouco convidativa, Nerb aproveitara o passeio para futricar as coisas, conhecendo o ambiente. Com muita naturalidade, tentar enfiar-se nas coisas da menina, atraída pela novidade e pronta para bagunçar tudo na curiosidade.
Na parte do vagão, a atenção de Arthurio era capturada pela mão que o cutucava, pondo-se a ler a mensagem no caderninho de Link. Sem demora, abriu a boca para começar a falar, mas as palavras inesperadamente faltarem-lhe. Parecera que algo dentro da própria mente, uma lembrança, confundira o que pretendia dizer.
Fechou os lábios, fazendo uma expressão esquisita, de incômodo, antes de finalmente botar para fora o assunto.
- É... um pouco... complicado... .
Da maneira errática e avoada dele, às vezes repetindo informações ou fazendo longos desvios, explicou que aquelas eram coisas de adultos, difíceis de entender. Ao menos a parte mais profunda delas.
Conforme tentara colocar, toda a magia tinha alguma relação com as forças da natureza, desde a vida até a morte. As pessoas trouxas, sem atentar a nada, estavam trazendo um grande desequilíbrio aos dois mundos, não só ferindo “Gaia”, mas contribuindo para o aumento de energias malignas.
- Sempre perseguiram bruxas porque achavam que elas eram más, mas era o próprio ódio deles que as envenenava.
Sem ser afetada pela passagem daquele longo veículo, a paisagem continuava mudando, ora mais estranha, ora mais familiar, ora inacreditáveis, ora assustadoras.
Aquele era um assunto delicado, pelo que se podia perceber. De acordo com o rapaz, não havia quem discordasse que ambos os mundos sofriam. Mas a resposta sobre “o que fazer?” era motivo de encrenca. E muita.
- Às vezes os adultos se separam entre “pró-trouxas” e... – por um instante, Arthurio pareceu ter dúvidas se deveria falar aquilo, mas resolveu terminar – ... “anti-trouxas”.
Como disso, porém, nalguns momentos era muito difícil – ao menos para ele, um adolescente – definir a diferença. Parecia que alguém podia ser acusado de estar de um lado num instante e, no segundo posterior, de fazer parte do outro lado. De toda a maneira, aparentemente a maior parte de quem preferia uma solução sem não envolver magia, nem revelar a sociedade bruxa às comunidades externas, era “pró-trouxas”, “anti-intervencionista”. Mas algumas opiniões nesse mesmo grupo eram favoráveis a “pequenas intervenções”, como feitiços simples de convencimento, mensagens através de sonhos etc. Havia até quem fosse mais radical, propondo quebrar todo esse segredo sobre a existência do mundo mágico em favor de uma convivência pacífica entre todos os povos, o que parecia ótimo. Mas havia quem discordasse totalmente de tais propostas, apontando que, no passado, esse tipo de atitude só trouxe problemas. Bruxas perseguidas ou trouxas abusados por magos poderosos.
Em suma, aceitar tais condições tinha risco, pois poderia abrir as portas a ideias “anti-trouxas”: manipulá-los ao bel prazer de criaturas más, escravizando e mesmo exterminando-os.
- Minha mãe é da Guarda Encantada – a política daquele povo – e o pessoal lá é muito rigoroso no combate ao uso de trouxas como servos e esse tipo de coisa. Daí isso é bem raro.
Àquela altura o protesto já tinha ficado bem para trás, conforme o longo monólogo seguia. No fim, ele confessou que não conseguia diferenciar bem as coisas, já que até um protesto tão “bondoso” quanto um contra familiares presos em gaiolas podia ser feito por ambos os lados: no caso, “anti-trouxas” defendiam que a única forma de liberdade total era deixá-los circular abertamente entre as duas realidades, mas se espertalhões tentassem lucrar maltratando-os ou cientistas começassem a fazer experimentos neles... .
A conversa só fora interrompida por um momento de escuridão, quando o Expresso Transmundial saiu da área iluminada, mergulhando na escuridão subterrânea. O silêncio que se fez tinha algo de opressor.
- Mas não precisa se preocupar com isso agora. Vai ter muito tempo pra discutir em “História da Magia” e em “Debates Metafísicos”... .
Ao longe, uma pequena luz começava a crescer e brilhar. Seria o fim do túnel?