Muitos dos que lutam por um futuro melhor dizem que em breve virá uma era onde as pessoas poderão viver suas vidas sem conhecer o gosto do sangue ou o cheiro de um cadáver. Que virá uma era de paz duradoura, onde as batalhas e a violência serão coisa do passado. Mas, como Suzuka pôde vivenciar hoje, tal era ainda não chegou, e provavelmente ainda há um longo caminho a se percorrer até que ela finalmente chegue.
A geisha caminhava descomposta pelo beco, rumo a rua. Ainda tremia, e lutava para manter as pernas bambas com força suficiente para que pudesse se mover e fugir dali. A tira de seu
okobo¹ parecia prestes se arrebentar, e ela praticamente mancava, então, precisava se apoiar na parede. Porém ao alcançar a curva que saía do beco, indo para a viela que levava a rua principal, ouviu novamente a voz do assassino, que conversava com um associado. O homem desconhecido perguntava ao assassino se sua vítima tinha habilidade digna de nota.
Ogho se encolheu e se escondeu, mas não pôde evitar dar uma espiada rápida nos dois homens conversando. O assassino de chapéu negro estava de lado pra ela agora, e ela podia ver suas feições. Ele não tinha o rosto temível que ela havia imaginado. De fato, suas feições eram tão gentis que ele poderia ser confundido com uma garota, se não fossem seus braços fortes e seu olhar rígido. Conversava com um homem grande, que deveria ter cerca de 1,80m e trajava um quimono púrpura. Tinha um bigode desgrenhado e sorria com escárnio. Suzuka percebeu que lhe faltavam dois dentes.
-"Ele era bom?"- perguntou, com a voz desafinada e um certo tom de escárnio.
-"Não. Sua habilidade não era digna de nota."- respondeu-lhe o espadachim.
-"Então porque a reverência?"- o homem rude cuspiu no chão enquanto falava.
-"Porque, apesar dos apesares, ele era um adversário que lutou com tudo o que tinha até o fim. Eu o respeito."- O espadachim mantinha os olhos fechados enquanto falava, em visível sinal de irritação.
-"Bom, poucos estariam a altura do grande Kawakami Gensai, não é mesmo?"- O homem riu e deu tapinhas nas costas do assassino, que apenas o olhou com frieza.
-"Você tem algum alvo pra mim?"- Perguntou, com ira contida na voz. O homem percebeu e tirou a mão do ombro do assassino rapidamente.
-"Teremos algo grande, em breve. Mas por enquanto não."- Ele deu um passo para trás, com suor frio escorrendo da testa. Parecia sentir que havia ultrapassado algum limite e agora sua vida estava em risco.
-"E o que farei enquanto isso, então?"- Gensai suspirou, aliviando a tensão entre os dois.
-"Aproveite Kyoto, ué. Temos belas geishas por aqui."- o homem sorriu nervosamente e coçou atrás da cabeça.
E então Kawakami Gensai olhou de leve para trás, e Suzuka poderia jurar que ele a teria visto, e rapidamente tornou a se esconder com o coração aos saltos.
-"Sim. Talvez eu faça isso."- Kawakami respondeu, com a voz cansada. E então se retirou.
Suzuka avaliou suas opções. Precisava se retirar, precisava ir pra casa, não podia ficar ali. Mas achou que não teria outra opção além de passar casualmente pelo homem na viela, como se fosse uma transeunte qualquer, que nada sabia. Confiava em suas habilidades de interpretação e achava que poderia fazer isso. Se recompôs como pôde, refazendo o seu penteado e consertando a maquiagem com a ponta dos dedos. Endireitou a postura, envergou seu melhor sorriso, e caminhou confiante pelo beco.
Contudo, as coisas deram tremendamente errado. Assim que o homem grande a viu, sacou uma
tanto² da manga de seu quimono púrpura.
-"Você viu"- o grande homem disse, com os olhos arregalados.
Suzuka tentou negar, dizendo que não sabia o que o homem estava falando. Porém, o cadáver cheio de sangue na viela deixava pouco espaço para a geisha se fazer de ingênua.
-"Nada de correr riscos, garota. Sinto muito."- o homem começou a caminhar em direção à Suzuka, e a olhou de cima abaixo. Ele chegou tão perto que a geisha podia sentir seu cheiro de suor e seu hálito de cigarros. Ele deslizou a língua pelos labios rachados e sorriu maliciosamente.
-"Mas sabe... se você for boazinha, eu posso ser legal com você."- enquanto deslizava a lâmina pelo yukata de Ogho, afastando o tecido como se quisesse expor os seios da moça.
Ela aperta os seus olhinhos puxados, encarando-o, pela primeira vez com firmeza, pois era algo que ela não se permitia era que confundissem sua profissão com prostituição. Ela era uma geisha tradicional, e tinha estudado para isso.
-"Desculpe, não entendi sua fala, senhor. Acho que deve estar me confundindo. Agora, se o senhor aparecer na casa de chá onde trabalho, será um prazer atendê-lo"- Suzuka se esforçava para manter o sorriso no rosto, à despeito do coração aos saltos em seu peito.
-"Ora, vamos... não seja assim. Temos a noite inteira pela frente."- Ele sorria, e deslizava a lâmina pelo yukata da moça, alcançando a
obi³, e fazendo menção de cortá-la.
A moça se assusta e dá um passo para trás, evitando a lâmina do homem, repreendendo-o por não respeitar as tradições.
O homem se enfureceu, e deu-lhe um forte tapa no rosto, com as costas da mão. A violência do tapa cortou o lábio de Suzuka, e a fez perder o equilíbrio e a força das pernas, lançando-a ao chão sujo da viela.
-"Puta suja. Faça seu trabalho e talvez eu a deixe viver."- o homem tinha os dentes cerrados e a raiva transparecia em sua expressão.
lágrimas escorriam pelo seu rosto que ardia. Não tanto quanto seu orgulho, se sentia frágil e humilhada ali, caída, em frente aquele homem, temendo pela sua vida. Se lutasse, sabia que não venceria. Se corresse, sabia que ele a alcançaria. Se ficasse ali, sua honra seria manchada.
Ali, de joelhos, tirou suas roupas de um jeito que pudesse esconder os objetos que carregava consigo, ficando nua diante daquele homem, iluminada apenas pela luz do luar. Esperando ser invadida por alguém que não conhecia. Seus olhos o observavam, mas seu pensamento voava para casa, para sua família.
O homem a observou nua, e sorriu maliciosamente.
-"Boa menina", ele disse, enquanto soltava os cordões da sua calça, expondo-lhe o pênis ereto.
Ele aproximou o membro do rosto da moça e a agarrou pelos cabelos, enquanto sorria.
-"Vamos começar com essa sua boquinha suja."- ele disse com a voz maliciosa.
Suzuka fechou os olhos, se resignando do seu destino, e abriu a boca para permitir a entrada do membro malcheiroso do homem rude.
Porém, sentiu como se um relâmpago tivesse caído a seu lado. Gotas molhadas alcançaram seu rosto, e ela abriu os olhos a tempo de ver a cabeça do homem rolar para fora de seus ombros. Seu sangue espirrou e pingou no rosto de Suzuka.
-"Verme imundo"- disse Kawakami Gensai, com os olhos faiscando ódio quando o corpo do agressor de Suzuka caiu no chão pesadamente.
Enquanto a Geisha o olhava, ainda sem reação. Gensai suspirou profundamente, e a olhou com tristeza. Caminhou até as roupas da moça, e a cobriu com elas.
Em seguida, ofereceu-lhe um lenço, para que limpasse o sangue do rosto.
-"Este servo seu implora pelo seu perdão, senhorita. A nova era, onde coisas imundas como essa não mais acontecerão, está vindo. Por favor, seja apenas um pouco mais paciente. A senhorita está bem? Ele lhe fez algum mal?"- Ele tinha os olhos tristes, e falava com Suzuka com ternura na voz.
- Notas:
¹- Calçado feminino tradicional japonês, similar a uma sandália com salto de madeira.
²- pequena espada, similar a uma adaga
³- faixa que segura o yukata fechado