A chuva caía em gotas pesadas, que encontravam o pequeno
wagasa¹ e formavam um som ritmado, que até poderia fazer parte de uma melodia animada. Porém, a noite lúgubre não permitia distrações felizes. Toshiro caminhou pelas ruas e vielas de Kyoto até alcançar a zona do baixo meretrício. O envelope preto que continha o nome do alvo e as instruções pesava no compartimento interno do
gi do samurai, mas ele sabia que as informações seriam precisas e valiosas. Não tardou a encontrar o alvo.
Avistou-o dentro de uma casa de chá, em companhia de pelo menos duas belas moças, e dois homens. Toshiro não saberia dizer se eram guarda-costas ou amigos aproveitando uma noitada juntos. Guarda costas complicariam as coisas. Mas, estavam animados. Shigekure trocava olhares e dizia obscenidades aos ouvidos de uma jovem geisha que o acompanhava. A moça lhe oferecia sorrisos. Talvez, as coisas não fossem demorar tanto. Pelo jeito, logo sairiam. Mas Toshiro não quis correr riscos, e julgou que uma garrafa de saquê por cortesia da casa iria acelerar os ânimos. A urgência em saciar o desejo retiraria o alvo da vista de todos logo. Então, pagou uma garrafa de um bom sake para a mesa de Shigekure, e subornou o atendente para que ele dissesse que era uma cortesia da casa. O truque deu certo. Em questão de algumas doses, a própria geisha parecia embriagada e mais entregue às carícias e obscenidades do alvo.
O fim da chuva trouxe o golpe de misericórdia na paciência do casal, que sentiam a urgência em consumar o que o álcool havia incitado. Assim que as últimas gotas cessaram, ambos se levantaram, deixaram algumas moedas sobre a mesa, mesmo sob protestos dos outros dois homens, e então se despediram e saíram, com Toshiro silenciosamente em seu encalço.
A rua seguia com seu calçamento de pedras arredondadas, escorregadias pela chuva, paralelamente ao rio que cortava o bairro da zona de baixo meretrício. Estava bastante escuro, porque a chuva apagara quase toda a iluminação das ruas. Mas a lua cheia que enfeitava o céu após a dissipação das nuvens escuras iluminava as ruas como um imenso farolete, dando um clima romântico ao cenário. Shigekure apalpava a jovem enquanto caminhava, e lhe dava beijos no pescoço e lhe sussurrava nos ouvidos. A moça respondia com risadas e timidez fingida. Ambos caminhavam em direção a uma grande ponte de madeira que cortava o rio. Subitamente, a moça se desvencilhou de Shigekure e correu em direção ao leito do rio, e depois para sob a ponte, rindo provocativamente e lançando olhares lascivos. Shigekure correu atrás da moça, cambaleante, mas feliz. Toshiro não se exaltou nem teve pressa. Sabia que o casal buscaria refúgio sob a ponte para consumar o desejo. Teria tempo de sobra para alcançá-los, e não precisaria atrair atenção indesejada correndo atrás deles. A rua estava deserta, mas a noite tem olhos. Caminhou tranquilamente para fora da rua pavimentada, chegando à margem do rio, e em pouco mais de um minuto já havia alcançado a ponte.
Sussurros sensuais e gemidos femininos preenchiam a escuridão. Os olhos treinados de Toshiro acostumaram-se rapidamente à escuridão, e ele observou o casal recostado a um dos pilares de sustentação da ponte. Os belos seios da jovem geisha estavam expostos, e Shigekure os sugava com a ânsia que a virilidade exigia. A moça desamarrava-lhe os cordões da calça enquanto gemia, sussurrando o nome do alvo e exaltando suas
qualidades. Mas a cena erótica teve pouco apelo ao Hitokiri, que se aproximou, fechando o Wagasa e se anunciou.
-"Shigekure Kouji. Meu nome é Yamamoto Toshiro. Não nutro rancores pessoais contra o senhor, mas é imperativo que pereça em nome de uma nova era."A Geisha grita e se cobre às pressas. O jovem mercador parece ficar confuso e precisar de alguns segundos antes de entender finalmente o que estava acontecendo. E então, sacar uma
Wakizashi². Shigekure sabe que agora os deuses estavam observando. Seu nome e o da sua vítima foram ditos em voz alta, e o alvo havia sacado a sua arma. A partir daquele momento, o destino do casal estava selado. Ele flexionou as pernas, assumindo a postura de
iaijutsu³, que eram suas técnicas favoritas.
Quando a jovem percebeu o que estava acontecendo, rasgou a lateral de seu Yukata e jogou fora os calçados, correndo desabaladamente enquanto gritava por ajuda, tentando fugir. Toshiro manteve a calma e decidiu cumprir sua missão primeiro, e lidar com as complicações depois.
Ele finta, fingindo um ataque e atraindo o contragolpe de Shigekure. O mercador era destreinado e estava bêbado. Segurava a espada com uma mão apenas, enquanto com a outra lutava contra a calça que caía, tentando preservar a dignidade. Tentou um golpe muito amplo, muito desajeitado... que Toshiro aproveitou com precisão. Com a velocidade de um relâmpago, sacou a espada e golpeou o inimigo num único movimento, cortando-lhe o torso. O sangue voou e espirrou nas roupas escuras de Toshiro e em seu rosto, quando o corpo de seu alvo já havia caído sem vida.
Em seguida, era hora de lidar com as complicações. Correu atrás da Geisha com tudo o que tinha. Ao sair da ponte, viu-a a pouco mais de cem metros de distância, adentrando as ruas de um bairro residencial. Tinha que silenciá-la logo, antes que seus gritos atraíssem os Lobos de Mibu.
Quando alcançou-a, a viu esmurrando a porta de uma casa. Seu penteado desfeito e seus longos cabelos caindo como uma cascata de ébano sobre os ombros. A maquiagem borrada pelas lágrimas que escorriam-lhe pelo rosto desesperado. Ela gritava e implorava ajuda. E quando viu seu algoz se aproximar, caiu de joelhos.
-"NÃO! n-não, pelo amor de deus, não! Eu não vou contar nada, eu juro! Eu não sei quem você é, eu não vi seu rosto! Por favor! Eu não quero morrer!"Porém, o samurai se aproximou de forma irrefreável. O destino impiedoso. A era cruel. A sentença inescapável. A moça implorou, chorou. Tentou recorrer aos seus dotes físicos para sobreviver, como havia feito a vida inteira. Abriu as pernas e exibiu seu sexo ao seu algoz, deslizando os dedos pela flor de forma lasciva enquanto convidava o homem ao desfrute. Uma última tentativa inútil e desesperada de evitar o inevitável.
Os olhos dela se arregalaram em descrença quando a lâmina cortou a pele macia de seu peito. Ela tentou falar algo, mas apenas sangue veio aos seus lábios vermelhos. Toshiro viu a luz se apagar nos olhos da jovem, e sentiu a lâmina da justiça mais pesada do que nunca.
- Notas:
¹- Guarda-chuva japonês, feito de papel impermeabilizado com óleo e tinta
²- Espada curta
³- Técnicas de saque de espada
[/i]