O som do silêncio

Diziam que mesmo durante o sono, os espadachins de mais alto nível mantinham sua guarda, mantendo suas espadas por perto, prontos para se defender caso pressintam a sede de sangue de inimigos que tentem feri-los enquanto dormem. Contudo, lá estava o temível Kawakami Gensai, O Retalhador, dormindo em paz e longe de sua espada, um sono profundo e pesado. Ohgo deslizou os dedos pelos cabelos do rapaz, afagando-o enquanto dormia. A respiração do rapaz estava alta, mas não chegava a ser um ronco. Era um sono restaurador, que curava a profunda exaustão que curvava os ombros daquele homem. Suzuka sorriu e decidiu deixá-lo dormir enquanto preparava o desjejum. Estavam bem abastecidos, não teria problemas em preparar uma excelente refeição.

Quando levantou-se, sentiu o corpo dolorido. As dores lembraram-na da atividade intensa da noite anterior, e fizeram-na corar enquanto se vestia. Ohgo estava feliz. Feliz como não se sentia a muito tempo. O mundo lhe parecia mais colorido. O vento frio da manhã, mais quente. Começou a cantarolar baixinho enquanto apanhava os utensílios para começar a preparar a refeição. Lembrou que iria precisar de temperos, e decidiu apanhar algumas folhas frescas no jardim de ervas que plantara. Gensai com certeza se surpreenderia com o sabor vivo de uma refeição preparada com temperos e vegetais colhidos na hora.

Sorrindo e cantarolando baixinho, Suzuka caminhou para fora. O dia estava lindo. Nenhuma nuvem a vista em um céu de azul profundo e infinito. O sol trazia um calor agradável e bem vindo, aquecendo a fria manhã de outono, deixando a temperatura agradável. A geisha sentiu o cheiro das pimentas em flor no jardim e caminhou até a pequena horta. Ajoelhando-se diante dos vegetais, perguntava-se se deveria pegar algumas pimentas para temperar o peixe.

E então, sentiu. O familiar, férreo e amargo cheiro de sangue e suor. E sentiu arrepiar a sua espinha. Sentiu como se um animal selvagem estivesse atrás de si, e hesitava em virar para olhar. Lentamente, virou-se para observar atrás de si, como se pudesse ser atacada se realizasse movimentos bruscos. Entre o jardim e a casa, entre ela e Gensai, havia um homem de preto. Trajava um quimono negro que contrastava com o jardim colorido. Usava um chapéu cônico de palha que impossibilitava que Suzuka visse o rosto inteiro dele. E, em sua cintura, um par agourento de espadas sem adornos.

-"Senhorita, procuro Kawakami Gensai."

O homem ergueu o rosto, como se quisesse olhar melhor para Suzuka. A geisha percebeu então que a face do homem era cortada por uma imensa cicatriz, de algum ferimento antigo que roubara-lhe o olho esquerdo. Um tapa-olho de couro escondia o olho morto do homem, que tinha uma barba rala, e que poderia até ser bonito, não fosse o desleixo com a própria aparência e a horrenda cicatriz que lhe desfigurava. Seu outro olho era de um tom que lhe lembrava mel. Mas tinha uma vivacidade tão intensa que parecia brilhar com uma luz dourada. O olho unico desse homem pousou sobre Suzuka durante alguns momentos, enquanto moça falava. Parecia medir e pesar suas palavras. Quando Suzuka se levantou, o olhar do homem desviou dela para a casa, onde se sustentou por alguns segundos antes de voltar a ela.

-"Entendo. Lamento muitíssimo o incômodo. Com licença."- o homem curvou-se em uma reverência educada à Suzuka, e se retirou com passos leves. Leves demais, a jovem Geisha não pôde deixar de notar. Para um homem grande e armado, ele não fazia barulho algum ao caminhar. Era como se um fantasma deslizasse à sua frente, em plena luz do dia.

Quando Suzuka entrou de novo em casa, Gensai estava de pé. Terminava de se vestir, atando a espada a faixa de sua cintura. Ele sorriu quando viu Suzuka.

-"Bom dia."

O jovem Gensai sorria para Suzuka, quase irreconhecível do retalhador soturno que conhecera em um beco sujo e frio. Porém, quando Suzuka lhe contou do encontro sinistro que tivera no jardim, uma sombra tornou a cobrir-lhe a face e a alma. Ele rapidamente se dirigiu até a janela, afastando a cortina de palha discretamente com os dedos, para observar lá fora através da pequena fresta.

-“Este era pra ser um local seguro... Será que o lugar foi comprometido? Como era o homem que encontrou com você?”- A voz de Gensai não transparecia tensão. Ele estava absolutamente calmo, embora atento.

-“Mesmo que eu começasse hoje a lhe ensinar técnicas de espada, Ohgo-dono, seria impossível para a senhorita enfrentar um samurai armado com décadas de experiência. Temo que o máximo que possa fazer seja lhe ensinar alguns poucos truques de defesa pessoal para que a senhora possa encontrar algum tempo para fugir e se esconder.”- Gensai mantinha seu tom de voz tranquilo e cordial, embora tenha falado sem realmente olhar para Suzuka. Ele mantinha os olhos voltados para o lado de fora da casa, através da fresta na cortina.

Gensai parecia ter um misto de emoções ao ver sua espada nas mãos de Suzuka. A expressão original do samurai ao encontrar sua espada foi de repulsa, mas misturada a um certo alívio. A Geisha pôde sentir a determinação do homem quando ele segurou a espada com o punho firme e a atou à cintura. A Geisha entendeu, então. Para Gensai, a aparição do homem estranho no jardim, somada a visão de sua espada significavam a ele o despertar de um sonho doce. Um sonho onde ele era apenas um fazendeiro que vivia no interior com sua esposa amorosa e dedicada. Ver essa esposa oferecer-lhe sua antiga arma, com a qual ele havia retirado a vida de inúmeras pessoas, era como um despertar sangrento. Uma convocação final de volta a sua realidade sombria.

-"Diga, Ohgo-san. O homem que a senhorita viu no jardim possuía uma cicatriz no rosto? Usava um tapa-olho no seu olho esquerdo?"- Suzuka sentiu que o pedido dela para que ele a instruísse nas artes da espada era algo que o incomodava profundamente. A pergunta que retornava a conversa de forma abrupta para o assunto anterior era em parte fruto de dúvida genuína, mas em parte fruto de uma tentativa desesperada de mudar de assunto sem ter que dar uma resposta ao pedido.

Durante toda a conversa, Gensai permanecia com os olhos fixos na fresta da cortina, observando o jardim vazio. Ele falava tão baixo que Suzuka precisou se aproximar para poder entender as palavras que beiravam sussurros. Apesar da negativa implícita do samurai, a jovem geisha permaneceu impassível em sua determinação de aprender as artes da espada. Mesmo a explicação de Gensai que o pouco treino que ele poderia dar a ela seria insuficiente para que a jovem enfrentasse um samurai armado, a teimosa Ohgo permaneceu firme e observava o samurai com olhos rebeldes.

-"Você devia escutar os conselhos de Gensai, Ohgo-san."

a voz fria cortou o pequeno cômodo da cabana repentinamente, fazendo um arrepio percorrer a espinha dorsal de Suzuka, que se virou rapidamente, encarando a mesa central. Sentado à mesa, com as pernas cruzadas e se servindo de uma xícara do chá que Suzuka havia acabado de preparar para Gensai, estava o homem da cicatriz. A naturalidade com a qual o homem falou e com a qual se servia do chá era tão grande que Suzuka quase se perguntou se ele esteve sempre ali e ela é que estava louca. O homem era praticamente um fantasma.

Mesmo Gensai fora pego de surpresa. Imediatamente levou a mão ao cabo da espada. E se esgueirou lentamente para frente de suzuka, como se a protegesse com o próprio corpo, ficando entre ela e o homem agourento.

-"Ootsuka Akio-senpai¹..."- Gensai parecia pálido. Talvez o homem fosse realmente um fantasma, uma vez que sua mera presença era o suficiente para assustar mesmo o poderoso Kawakami Gensai.

-"Kawakami-san. Espero que perdoe a grosseria. Por favor, sentem-se comigo. Precisamos conversar."- Suzuka poderia jurar que o homem estava sorrindo, embora a imensa cicatriz deixasse qualquer semblante com um aspecto feroz e ameaçador.

Notas:

Suzu ficou assustada com a presença intrometida daquele homem na sua casa, como entrara ali? será que ela não fechou a porta direito? quem era esse homem tão inconveniente convidando para tomar o seu chá?

Suzu afastou para deixar Gensai mais tranquilo, mas manteve uma certa distancia caso seu samurai precisasse dela, ou ate mesmo de fugir.

Suzuka afastou-se, deixando os homens livres para uma conversa reservada. Percebera que Gensai estava tenso, mas não alarmado. Era como se estivesse na presença de alguém muito importante, mas não necessariamente se sentia ameaçado por ele. O retalhador sentou-se na cadeira de frente para seu Senpai, que imediatamente serviu-lhe um copo de chá, como se ele fosse o anfitrião.

-"Por favor, Ohgo-san, junte-se a nós. O assunto que temos a tratar inclui a senhorita, e eu gostaria da sua opinião a respeito. Ouvi dizer que é uma mulher de presença forte, tive grandes expectativas a respeito da senhorita.

Suzu olha para o Gensai esperando um sinal dele se eu poderia ficar, após sua confirmação  se aproxima da mesa e  acomoda-se ao lado do samurai.

"Kawakami-san, vejo que o senhor está recuperado de seus ferimentos. Acredito que sua rápida recuperação se deva aos cuidados de Ohgo-san. O feudo de Choushuu está em débito com a senhorita."

- Só fiz o que de certo era fazer senhor - Suzu respondeu cordialmente.

"O que continua a ser uma postura admirável." Ele a cumprimenta com a cabeça, em um gesto de respeito.  "Contudo, a realidade se impõe a todos nós. A Restauração continua, Kawakami-san. E seus serviços ainda são necessários" O retalhador engole em seco. Estava correto, então. Mais sangue era necessário para pavimentar o caminho da nova era.

A Gueixa fica  nervosa pois havia muitas perguntas para se fazer.

Ele leva uma das mãos até a parte interna de seu quimono, e então retira de lá de dentro um envelope negro. Gensai abaixa a cabeça, resignado. O dever o chamava, e ele não faltaria com suas obrigações. "Estou pronto, Ootsuko senpai ".  O samurai mais velho sorri um sorriso torto pela sua cicatriz. "sua disposição é sempre muito bem vinda, Kawakami-san. Mas este envelope é endereçado à Ohgo-san, e não ao senhor"

Suzu  se espanta e fixa curiosa, o que deveria ser, seus pensamentos começaram a borbulhar, seu coração acelerar, não sabia ao certo o que falar com aquele homem, por mim disse com a voz tremula:
- desculpa  tem certeza que é para mim? Do que se trata ?

Gensai está tão pálido que parece ter pintado o rosto de branco,
"Certamente há algum engano, Ootsuko-senpai. Ohgo-san não" .  - Disse o ancião.

E então você interrompe Gensai e apanha o envelope, mesmo Suzu contrariando seu samurai, a curiosidade era maior, e a Geisha sabia que não poderia fugir dos seus futuros deveres. Agora ela pertencia aquele mundo. Gensai está apreensivo. Ele sinaliza que não com a cabeça, instigando Ohgo a não abrir o envelope. , Ignorando os sinais de Gensai,  Suzuka começa abrir o envelope.

O samurai apreensivo disse baixo para sua Geisha: "Ohgo-san... Isso é um alvo. Querem que você mate alguém. E os olhos dos deuses estão sobre nós, agora. Ao abrir esse envelope, todos dentro dessa sala terão apenas dois destinos possíveis. Cumprir a missão, ou morrer". Mas já era tarde, a Geisha já havia aberto a carta, e retirava o conteúdo de dentro do envelope. Saindo do envelope, há um papel comum. Branco, dobrado verticalmente em várias camadas. Ao desdobra-las, escrito em uma caligrafia cuidadosa e elaborada, cheia de floreios estéticos, há um nome. Um nome que mesmo Ohgo, alguém que não acompanha as reviravoltas políticas da ocasião, conhece. Katsura Kagoro, um dos Daimyo de Choushuu.

Suzuka olhava para  aquela escrita delicada na folha de papel, nem parecia a sentença de um homem, mas um convite.  Olhou para Gensai e para aquele homem que estava estranhamente calmo na sua sala. Como não teve respostas ... Suzuka  enfim falou:

- Esse nome o que devo fazer com esse nome e como aproximar?

Gensai fecha os olhos. Ele parece visivelmente decepcionado. Ootsuko continua com a sua expressão impassível, observando Ohgo com seu olho único sem emoção, como se fosse o olho de uma boneca. "Vai haver uma reunião. Kawakami-san irá participar também, como guarda-costas do alvo. Isso deve facilitar as coisas. Você será convidada para a reunião na qualidade de Geisha. Faça apenas o que sabe fazer. Mas garanta que o alvo a chame para seu quarto."

A Geisha  escuta com atenção as informações enquanto o homem falava, mesmo sabendo que seu samurai estava chateado com ela , precisaria fazer , desde  que se envolverá com Gensai  sabia que sua vida mudaria para sempre ... e que as coisas ficariam talvez fora do controle mas ela precisaria fazer o que fosse preciso, já havia entrado para o jogo é ela era apenas mais uma peça... e se para ficar com O samurai precisaria jogar ela iria jogar.

"Quando estiver sozinha com o alvo, execute a Justiça dos Deuses. O alvo é um espadachim notável, então eu não recomendo confronto."

Então Suzuka ouviu com atenção, ficou um tempo processando toda a informação, imaginado a cena e como reagir, por apenas sussurrou, Usarei meu conhecimento... suave e delicado um sono da morte.