por Tellurian Seg Set 16, 2019 11:55 am
O cavalo de Toshiro era, de fato, um belo animal. Toshiro deslizou as mãos pela crina macia do cavalo, admirando o reflexo vermelho que os pêlos do garanhão castanho tinha em contato com a luz. Sentiu que uma camada de sal começava a se acumular por entre os grossos pelos da anca do animal, e se perguntou se deveria contratar os serviços de um cavalariço para dar banho em seu cavalo, ou se deveria fazê-lo ele mesmo. Cavalos eram animais caros de se manter. Aveia e alfafa eram despesas caríssimas, pois pouquíssimas das raras terras férteis em solo japonês dedicavam-se ao seu cultivo. A escassez de pasto também limitava muito o número de animais. Além disso, eram necessários o emprego de serviços relativamente caros, como o de ferreiros que fariam os cravos e ferraduras dos animais, além da selagem dos cascos. Poucos estabelecimentos no Japão possuíam estábulos, o que tornava o preço dos poucos estabelecimentos que aceitavam hospedar os grandes animais bastante salgado. E, vez ou outra, eram necessários os serviços de cavalariços. Talvez, investir na criação e comércio dos animais fosse uma boa opção. Certamente, haviam senhores dispostos a pagar excelentes quantias por animais saudáveis que sirvam aos seus exércitos feudais.
Afinal... precisaria ter um meio de vida que ao mesmo tempo mantivesse seu padrão confortável de vida e que sustentasse a família que pretendia constituir com Asami.
A lembrança da moça provocou-lhe uma fisgada no coração. Ainda lembrava dos soluços angustiados da moça que ecoavam pelo corredor no silêncio da noite, enquanto ela chorava copiosamente em seu quarto. Sentiu faltar-lhe o ar no peito quando pensou que talvez não a veria mais. Sua última visão daquela moça linda e alegre seria o rosto dela em lágrimas? Sua última lembrança dela seria não as das curvas femininas, dos seios pequenos e da pele quente que lhe foram revelados em seu único abraço, mas a do ardor do tapa cheio de mágoa em seu rosto. Sentiu o coração pesar quando pensou que sequer tivera a oportunidade de provar dos lábios vermelhos da moça.
Sua determinação fraquejava. Não queria abrir mão de seus planos, e das maravilhosas possibilidades de um futuro com a moça. Talvez por conta da perspectiva da perda, Asami agora lhe parecia ainda mais bela e preciosa. Porém o peso do dever sobre os ombros do samurai era imenso. Dedicado e severo, honraria com seu papel e com sua missão, mesmo que ela lhe custasse a felicidade. Resignou-se, e lançou um último olhar à Hikari-ya. Não tivera a oportunidade de ver Asami uma última vez, mas decidiu acreditar nas palavras da jovem Hikari Kagura, de que tudo se encaixaria se tivessem tempo para sarar as mágoas.
Ao longo da cavalgada, tentara manter os pensamentos focados em sua missão. Lutava com os sentimentos crescentes de ansiedade em seu peito. A sensação era a de estar ferido. Como se estivesse doente. Como se lhe faltasse algo importante demais. Mas sempre que o coração descompassava, ele afastava tais pensamentos forçando sua mente a se dedicar à missão. Contava as passadas do cavalo, bambolejando na sela em um ritmo imaginário. Repassava possibilidades na cabeça.
As cinco horas de cavalgada pareceram-lhe dez, mas ele alcançou o vilarejo fora da cidade. Havia ultrapassado os vastos campos de plantio de arroz que circundavam Kyoto, e agora descera a Nakasendo no sentido que desceria até as praias de Osaka, e chegou até uma encruzilhada. Seguira por estradas secundarias de pouco pavimento, até chegar no pequeno povoado. Muitos dos moradores do povoado eram pescadores de Osaka, que subiam o rio no outono para pegar as trutas coloridas em sua migração rio acima. Havia poucos lugares para se hospedar, a maioria eram casas de família que os moradores alugavam para viajantes que queriam aproveitar as fontes termais que abundavam na região. Boa parte do turismo era absorvido por uma única grande pousada, um Ryokan espaçoso com sua própria fonte termal.