Jornada Através da Noite

Não há papéis pequenos, apenas atores pequenos.

Konstantin Stanislavski

Lnrd escreveu: Uma ratazana cortou o caminho, prontamente esmagada por um pisão do monstro. A cena fora algo grotesca, um animal gordo e sujo espirrando sangue para todo o lado. Mas o que se seguiu foi pior ainda: pelas barras das calças dele, ratos menores desceram, seja lá de onde estivessem anteriormente, e começaram a se banquetear naquela janta canibalista.
- Como vai a família, Ezra Mendell? – perguntou de súbito, como se uma conversa casual para descontrair o ambiente. Porém um demônio perguntando pela vida de alguém podia ser algo bastante perturbador. Estava apenas “jogando conversa fora” ou conhecia a família dele?

Ezra tossiu forçadamente já que talvez essa função não estivesse mais ativa nele já que era um "organismo morto", mas procurou manter-se "cool" ou frio durante a conversa já que bem se Kadir, um vampiro como Andras, porém não igual ao mesmo sabia praticamente de tudo sobre ele... então o que impediria que trocassem "figurinhas"?

- Tudo continua na mesma. Embora não tenhamos sido encaminhados para um colóquio sobre famílias distantes.

"Muito bom, muito bom", consentiu a Ezra enquanto acompanhava seus "filhotes" se alimentando. "Mansões decrépitas são sempre um ótimo ambiente para drama familiar, não?", continuou, numa demonstração de que realmente tinha informações sobre a vida do rapaz. Aquilo era alarmante, mas poderia não significar muita coisa: o "37" também sabia do endereço dele e era íntimo da história do avô, logo... .

Mas o sinistro "xerife" prosseguiu naquele jogo, agora mais abertamente.
- O trabalho de vocês na casa da garota foi bastante "amador", então tivemos que melhorar o cenário. Limpamos o apartamento e a mente do "marido"... . Já com a amiga, o trabalho foi mais "fino"... . – Haviam pego Marcela.

Os ratos voltaram, escalando por dentro das roupas do monstro, aninhando-se sabe-se lá onde.

"Ela acredita que Letícia foi dar uma 'volta ao mundo' pra curar o término, agora que havia ficado 'rica'", disse, referindo-se ao pagamento pela noite do "incidente" com Jezabel e Radiance.

Aquelas inquietantes “amenidades”, demonstração de que era bem informado, seguiram com mero prólogo ao que veria em seguida, o real motivo daquela reunião.

Andros falou novamente sobre como muitos acreditam que Cain fora o primeiro grau do sangue, amaldiçoado por Deus a uma eternidade de sofrimento e arrependimento pelo fratricídio. Tal informação era negada pela Camarilla até então, acreditando que a linhagem havia começado com os fundadores de cada clã. Nos últimos dias, entretanto, a crença passava por uma revisão. Fosse como fosse, Hugo, Ezra, Erick e Letícia eram o 13º, rarefeito e enfraquecido. Mas havia mais.

Muitos “antigos” viam com maus olhos “jovens” como eles, símbolos da decadência da espécie. Aquilo só piorou quando eles começaram a “dar cria” à 14ª, à subsequente 15ª e, dizem alguns, 16ª geração. Aquilo era algo que muitos consideravam ou impossível, ou proibido.
- De fato, há “decimo-terceiristas” incapazes de transformar humanos. A existência desses inferiores é lida como um dos sinais do apocalipse.

“Gehenna” foi a palavra usada, o lugar dos restos, do fim de tudo. “O nosso fim”.

Era o tempo em que os Antediluvianos, primeiros vampiros, mães e pais de todas as linhagens, retornariam para... se alimentar da própria prole. O papel de Cain era nebuloso, mas alguns achavam que ele destruiria a própria raça.
- Para o bem ou para o mal, dizem que já começou. Não como a esperada catástrofe que arrasaria com tudo, mas num processo lento. Archangela Serracosta, matriarca da cidade foi para o Leste com outros grandes líderes resolver a questão. Foi aí que Júpiter assumiu.

Era a família de Erick, mas havia algo nele que dizia que não se sentia exatamente confortável com aquilo.
- Mas enquanto os “adultos” resolvem os problemas maiores – disse mostrando os dentes, num sorriso macabro –, nós vigiamos as ruas.

Foi assim que falou sobre os “Caitiff”, nascidos dentro dos clãs, mas desconectados deles, sem as mesmas características, e dos “Sangue-fraco”, certos vampiros da 14ª, 15ª e 16ª geração que começavam a apresentar condições únicas.
- Eles caminham sob o Sol.

Você pode ter paz. Ou você pode ter liberdade. Nunca conte com os dois ao mesmo tempo.

Robert A. Heinlein

Ezra empertigou-se e com um arremedo de voz resmungou
- Amador? Até que pra quem até outro dia achava que tudo o que está vivendo hoje não passava de ficção pensei que tudo tinha dado certo.
Arrumou o gorro  na cabeça e ficou quieto naquele momento.

Ele escutou todo o relato sobre o principio dos antediluvianos até os dias atuais... e bem não pode deixar de pensar que o problema estava nas "crianças" ....

- Acho que essas "crianças" que podem andar no sol estão aprontando algo seria isso?

A resposta era um tanto evasiva, mas parecia que iriamos ser quebra galhos da seita, lidando com todo tipo de ação que peões lidariam. Peões, era justamente o que nós eramos agora, peões. A sensação de recomeçar agora era boa, mais uma escada para eu escalar, fazia tempo que eu havia atingido um plato em minha hierarquia social. A cena canibalizadora era desconfortável, eu bebia sangue de outras pessoas, mas aquilo era bem mais sujo.


Ele menciona um trabalho anterior, talvez fosse do resto do grupo, me mantenho quieto sobre isso. Ele conta a história de nosso tipo, e os eventos que viriam a trazer um novo mundo para os membros. Era estranho, basicamente a sociedade se emaranhava em um misticismo, não conseguia acreditar muito naquilo, mesmo tendo me tornado o que sou. Ele começou a falar sobre essa geração mais alta, quase indiferenciáveis das pessoas comuns. Deixo uma duvida escapar, sem querer.

- Nós não somos 'sangue Fraco" somos?- Rapidamente percebo a idiotice de minha duvida, mas agora era tarde.
- De toda forma, assim. Eu não sou muito do tipo que é bom em contato físico, quero dizer, eu não sou um meliante nem criminoso. Como que eu poderia você sabe...- O final da frase era estranho demais para eu falar, como se a ficha tivesse caído só agora. Talvez eu tivesse pego um peixe maior do que podia abocanhar.

"Matar."

Nunca  havia brigado quiça matado alguém, como eu seria util para um trabalho desse tipo.