Dasdingou aproveitou sua invisibilidade para espionar os ocupantes da casa. Seu poder mágico inato aliado a sua furtividade natural lhe permitia passar sem ser notado por todos os lugares. A procura pela casa era mais difícil, já que exigia que ele se mantivesse discreto para não revelar suas posições.
O conde foi seu primeiro alvo. O nobre enlutado ficou na biblioteca por um longo tempo, contemplando um retrato a finada condessa Sara. O homem, que nem era tão velho, mas aparentava uma idade muito superior ao que realmente tinha, transparecia tristeza e pesar, e por vezes murmurava algo inintelígivel. ele passou algumas horas assim antes de subir com passos lentos e arrastados para o quarto principal no andar superior, no mesmo piso que os aventureiros estariam alojados. Na biblioteca, Dasdingou descobriu uma passagem secreta atrás de uma estante deslizante, ocultando alguns baús de ouro e pedras preciosas, embora em menor quantidade do que se poderia esperar de um nobre com uma propriedade tão extensa.
O pixie também foi atrás da mademiselle Pépin. A governanta ainda estava trabalhando, fazendo os papéis acumulados de arrumadeira e cozinheira. Duas panelas estavam sobre o fogão a lenha aceso, fumegando e espalhando um odor apetitoso de algo lácteo e pastoso. Ela estava preparando as refeições do dia seguinte com antecedência enquanto recolhia roupas quaradas do varal externo, remendava uma velha calça, e esfregava a louça empoeirada que tirara dos armários para os convidados usarem. Allém da louça belamente ornamentada e da prataria mais rebuscada, as coisas mais estranhas que Dasdingou encontrou foram alguns frascos com ingredientes bem estranhos, como fígado de ganso, orelhas de porco e cascos de boi.
Por fim, o ladino faérico também voltou sua atenção para o mordomo Fabien, que ajudava na limpeza e arrumação dos ambientes, certificando-se de que mademoiselle Pépin fizesse tudo de maneira adequada. Ele também pareceu tentar ficar sempre próximo da saída dos fundos, olhando várias vezes para o exterior, como à espera de alguém. Passaram-se muitas horas nesse estado, antes que ele fosse interrompido por um tilintar do sino da campainha da porta principal, na frente da casa.
Fábien correu para atender, mas endireitou sua postura antes de abrir a porta, mostrando-se muito digno.
- Boa noite, messieurs! O que desejam?
Por cima do ombro do mordomo, Dasdingou conseguiu ver três homens com vestes bastante ostentosas, portando-se como guardas de luxo.
- Spoiler:
- A Condessa Sadira Duran estende a honra ao Comte Tomas D’Aloure de convidá-lo ao Grande Baile de Máscaras a ser realizado no próximo sábado à noite, na Propriedade Duran. O conde pode vir assistido por seus servos, mas nenhum acompanhante será admitido. O homem estendeu um envelope bastante enfeitado ao mordomo.
- Mérci, messieurs! Entregarei esse convite a monsieur le comte. Os homens se despediram do mordomo e ele ficou observando enquanto se retiravam. Depois de fechar a porta, Fábien deixou o convite numa gaveta da biblioteca, trancado com uma chave.
O mordomo ainda sentou-se por muitas horas perto da saída dos fundos, caindo no sono ali mesmo.
Na manhã seguinte, Sanes, Dasdingou e o clérigo de Ezra Oliver Allard foram despertados pelo tilintar de uma sineta, e a voz de da governanta Pérret Pepin do outro lado de suas portas:
- O desjejum está servido, messieurs! Por favor, venham ao salão de jantar assim que puderem. Achar o caminho para o salão de jantar foi um pouco difícil para Sanes, mas Dasdingou já estava familiarizado com a planta da casa. O conde já estava sentado à cabeceira de uma comprida mesa, e a refeição tinha sido cuidadosamente servida num bonito arranjo de louças, mas a variedade e quantidade eram pequenas, limitando-se a variações de mingaus com algumas ervas para dar sabores diferentes. O conde levantou-se para saudá-los, mostrando que a força de seu corpo ainda estava presente apesar do espírito quebrantado.
- Bom dia, caros hóspedes! Espero que tenham dormido bem! Sentem-se, por favor, acomodem-se! Padre asasa, poderia fazer as preces por nós antes de comermos? Allard levantou-se e curvou a cabeça de olhos fechados antes de proferir uma oração com a voz muito empostada:
- Ezra, Nossa Guardiã nas Brumas, agradecemos-te por nos conceder mais uma noite livres dos males da escuridão! Abençoai nosso dia e essa refeição, e que sua benção caía sobre nosso anfitrião, o Conde Tomas D’Aloure, e que sua bondade restaure a luz de seu caminho! Continuai a vigiar por nós que caminhamos entre as brumas! Não tememos noite alguma, pois Sua espada corta toda a escuridão! O conde e os servos repetiram a última frase de Allard. O clérigo terminou e sentou-se, e todos puderam começar a comer. D’Aloure deu uma colherada provando o mingau, aprovando-o em seguida, e depois limpou a garganta antes de dizer:
- Meus caros, algo extraordinário aconteceu. Fábien me informou que noite passada um destacamento da Condessa Sadira Duran veio entregar um convite para seu Grande Baile de Máscaras. É um evento que alcançou muito renome em anos recentes, e cada convite é uma honra ferrenhamente disputada por todos em Port-a-Lucine. Certamente, é muito estranho que um convite desse tenha sido feito a mim num momento em que a minha reputação está tão abalada... O que acham disso?