Os pais de Juno foram unidos pelo destino quando se conheceram na Universidade Estadual de Portland. Jana Yadav saiu da Índia ainda jovem optando por cursar medicina nos Estados Unidos, fugindo de um casamento arranjado e optando em rebelar-se contra a família. Os seus pais faleceram quando ela era uma criança, acabou sendo tutelada por tios que visavam apenas manter os negócios de uma maneira que Jana ao crescer não concordaria. Quando atingiu a maioridade pode por fim decidir como gerenciar aquilo que herdara. Sempre teve interesse em ir para os Estados Unidos, e influenciada por uma prima foi fazer uma especialização na Universidade Estadual de Portland.
Conheceu Noan Ó ’ Brien um homem de cabelos ruivos e olhos azuis profundos que roubou seu coração. Eles apaixonaram loucamente e depois de formarem casaram-se. Estabelecendo-se em Hillsdale uma cidade localizada no estado americano de Michigan. Eles passaram a administrar uma pequena clínica humanizada, fazendo atendimentos à população local e gratuitamente para quem não podia pagar nesse meio tempo o casal enfrentou inicialmente o repúdio da família Yadav, mas com o passar do tempo não havia outro remédio a não ser aceitar. Jana teve duas crianças: Kalash herdara da mãe os cabelos negros, olhos amendoados, mas a personalidade vinha do pai. Juno exibia uma cabeleira vermelha ondulante, sua pele morena, com sardas e olhos castanhos a faziam destacar-se entre os outros. Seu sorriso tranquilo, a voz firme e os gestos graciosos tornaram-se um conjunto atrativo para os garotos que estavam por perto. Ela era protegida em casa, o irmão sempre muito zeloso, deles podia esperar que Juno pudesse ser diferente.
Enquanto ela crescia demonstrava habilidade para as artes, pintava, desenhava e apreciava ver a mãe tocando piano. Após alguns anos as habilidades artísticas dela cresciam aceleradamente enquanto seu irmão dedicava-se a seguir os passos dos pais sonhando é ser um grande médico.
Perto de completar dezessete anos Juno passou a ter pesadelos vividos, uma grande floresta petrificada, onde muitos olhos amarelos brilhavam na escuridão e uivos distantes a faziam estremecer mesmo dormindo.
Por inúmeras vezes acordou sentindo calafrios, suando e assustada. Seus desenhos ganharam tons sombrios, figuras esguias esgueiravam-se na escuridão de seu traço e ela podia jurar que até atmosfera de sua casa havia mudado desde que esses pesadelos começaram. Os pais acharam que a filha estava estressada coisa da idade, mas para Juno havia muito mais naqueles rabiscos do quê podia se ver. Após uma semana agitada quando a lua crescente estava no céu, ela adormeceu pesadamente sendo levada a um sonho que a transformaria em outra coisa. Ela estava em uma floresta retorcida, mas trajava roupas antigas, sua aparência era diferente em uma das mãos uma lança e na outra carregava um espelho, enquanto caminhava percebia que estava sendo observada por olhos amarelos assustadores. Havia algo de corrupto no ar. Ela podia ouvir sussurros em seu ouvido “Mate... mate... devore... profane... eles profanaram a terra... eles profanaram o seu povo... em breve não restará nada... em breve tudo vai virar poeira e cinzas!” Sangue denso manchava o troco das árvores, um rio agitado borbulhava levando em sua correnteza ossos de todos os tamanhos, ela viu o cadáver de uma mulher que grávida dilacerado ao ponto de se ver o feto em seu ventre, mas era um ser pequeno, deformado e odioso aos olhos dela. Tambores começaram a ecoar, o cheiro de fogo, cinzas e uma caverna brotava do solo. Juno se viu saltando dentro daquela caverna, mudando de forma, os seus ossos esticando, unhas dando lugar a garras imensas e uma ferocidade infinita explodindo em seu peito. Ela uivou com tamanha fúria e naquele momento não estava mais sozinha, uivos imponentes uniram-se ao seu. Juno agora era uma criatura gigantesca que rasgava vários seres esguios de odor fétido, carregava uma lança que perfurava tudo e na outra mão um espelho antigo que parecia ter vida própria. Sua memória parecia interliga-se ao passado, o espelho brilhava, iluminando um caminho que a levou ao seu quarto e seu coração parecia querer sair do peito.
Juno não tinha certeza se de fato estava acordada, a razão se desprendia de seu corpo, sentia as roupas sumirem do corpo, ouviu gritos familiares e diante dela uma criatura esguia com grandes olhos amarelos sinistros surgiu e foi quando ela ouviu o grito abafado da sua mãe. O cheiro de sangue invadiu suas narinas e o que se deu depois daquilo foi uma mudança violenta em seu corpo, crescendo, fazendo tudo a sua volta ranger e por fim uma escuridão total…
As sirenes ecoaram em sua mente, a sua casa ardia em chamas e ela estava nua alguns metros do lugar quarteirão, ela estava caída, alguns momentos depois sentiu o corpo ser coberto por uma manta e vozes desconhecidas ao seu redor.
Os dias passaram, sua cabeça doía, sabia que a família morrerá em um incêndio, estava sozinha agora, um advogado esteve lá, havia coisas para assinar e outras podiam esperar. Um casal a visitava diariamente, ela sentia que podia confiar neles, talvez aquele fosse o elo tribal falando. Edgar “Canção Do Vento” um Galliard e Valentine “Toque Da Cura” uma Lua Crescente eram Filhos de Gaia, que chegaram até ali através do aviso de espíritos que tinham alguma ligação com Juno. O coração dela estava sofrendo, mas ainda assim havia uma centelha ardendo dentro dele sentimentos de perda, dor, medo e a fúria nasciam ali até mesmo o mais pacífico dos seres poderia surpreender com uma sede imensa de justiça!
Após a sua primeira mudança Juno amadureceu sua visão de mundo, a maneira que encarava as coisas deu lugar ao desejo de ver além do véu. Aos poucos ela compreendeu que suas lágrimas devem dar lugar a sede de lutar em prol do bem maior, após a morte de sua família ela doou metade dos bens às causas da tribo e prefere a vida simples. Pietro disse que no momento certo o caminho de Juno será tão claro quanto à lua que ela nasceu e ela deverá seguir esse caminho com o coração forte. Por isso ela foi batizada de “Canção de Luna”.
****A vida pós mudança era um dedilhar de acordes novos. Por vezes tudo era agridoce, ela compreendia que sua espécie vivia dentro de um outro mundo enquanto Gaia sofria as fronteiras além dela eram corrupção, dor e crueldades que se enraizaram nas criaturas que não enxergavam a mãe em sua infinita amorosidade.Dentro caern cumpria suas atividades, seguindo uma rotina, saudar Hélios pela manhã, sentir o ar preencher os pulmões, ouvir o som do vento, da água e dos animais. Tudo tinha uma voz, não precisava ser uma criatura do além véu para entender, mas sim abrir o coração para Gaia e senti-la vibrar dentro de si.A noite saudava Luna, um uivo longo, suave que tentava igualar-se à pureza de todas as coisas, mas ainda assim não era suficiente para honrar toda a força da rainha da noite.Ela arrumou um meio de fazer cabanas sustentáveis, um espaço tranquilo para um repouso ou quem sabe apenas uma mera pernoite de um visitante. Para manter os recursos era comum Juno sair do caern, assim como passou a atuar como voluntária em algum centro infantil, contar histórias, ensinar pintura, ajudar em qualquer atividade que ajudasse a criar uma ponte de esperança e empatia.Em algumas noites ia a bares indicados por colegas de tribo ou parentes. Beber um pouco, sentir aquela normalidade fluindo, cantar ou apenas ouvir a voz dos outros tocar seu coração. Escrevia muita coisa em um caderno, não era incomum vê-la participando de uma festinha aqui ou ali. ****Os sonhos de Juno eram cheios de cores, vozes que ecoavam desde o borbulhar da água, o cantarolar de um pássaro ou canções que se perdiam em fragmentos. O fogo acima dela, sob seus pés o vazio, ao longe asas em chamas rasgando a escuridão e olhos amarelos multiplicando-se por todo mundo vazio que a cercava. O pássaro dança nos céus, movendo-se guiado etéreo.Às vezes o sonho era apenas Juno correndo sem destino, a pele humana se desfazendo lenta deixando seus pedaços e criando uma trilha de pedra escuras e seus olhos não conseguiam enxergar nada, mas seu olfato sentia como se uma nuvem de podridão flutuava acima dela em uma eterna perseguição.Uma noite Megumi a convocou junto com os outros e o ritual de ligação com o totem envolveu uma jornada onírica compartilhada com Lia, Juno e Maddie, que acabava de se encerrar agora. Para ela as visões eram diferentes, o pássaro altivo, ao seu redor um círculo de fogo e suas asas criavam uma ventania tão quente que parecia que Juno iria queimar até morrer. Dentro dela uma centelha ardia a cada bater de asas do grande espírito, o corpo de Juno parecia ficar translúcido, um espelho surgia diante dela e podia ver seu coração batendo acelerado.Os outros ali eram apenas sombras tremeluzentes, sabia quem eram, mas não conseguia falar com eles ou entendê-los. O grande pássaro parecia falar, uma língua antiga, que ia e vinha como se fosse apenas um sussurro cheio de fogo que fluía dentro de sua mente.Depois tudo foi silêncio, calor e fúria crepitando dentro de Juno que ao acordar se via do outro lado. O mundo físico parecia tão pequeno diante da visão que tinha e seus olhos pareciam maravilhados demais para que palavras pudessem expressar tudo que sentiu.- Edgar e Valentine: