Chloe se sente aliviada quando não recebe mais que um olhar passageiro dos lobos ou de qualquer um ali. Cada vez que Sam e Skye a limpavam ela descobria um arranhão ou corte novo. Ela não tinha ideia de onde tinha conseguido a maioria deles e quando elas chegaram nos pés ficou horrorizada ao ver que tinha perdido mais de uma unha, esse horror logo evaporou no calor das dores e ardências que ia descobrindo em si mesma.
Shaw faz a pergunta sobre os Dragões e a Legião e as palavras parecem correr sobre Brendan como se ele não as tivesse ouvido.
"Os Dragões estão todos lá menos Fantasma na Maquina. Estavam lá, estão vindo pra cá." Ele lambe os dentes e oferece uma das folhas que fica mascando.
"Pelo que ele disse eles estão fora da cidade a maior parte do tempo assim como a Legião, mas não trabalham juntos." Não é nada difícil lembrar da primeira reunião em que Axel e Shaw viram os alfas dessas alcateias lutando até a beira da morte. Não é nada difícil lembrar do cheiro de sangue.
"De um jeito ou de outro a Legião tá cobrando um preço em sangue desses caras e se os dragões ainda tem todas as patas devem sendo cuidadosos. Os caçadores ainda tão aí fora e não acho eles uma ferramenta confiável." Os caçadores, mais uma adição ao problema. Mais uma variável para equação sem fim de Axel.
Shaw escreveu:- Você está agradecendo ao quê, cara? O que que deu certo? Quem falou para vocês não ficarem juntos?
"Bom, parece que deu quase tudo certo. Pegamos sua menina de volta e os nosso também." Ele dá uma olhada para Chloe como se ela não fosse uma vítima e sim algum tipo de herói.
"Olhos do Céu disse que não era a hora e que Dover não ia suportar todo mundo assim. Disse um monte de coisa, mas quis dizer que se a gente ficasse espalhado vocês iam chamar a atenção dos puros e a gente ia garantir que eles tivessem medo de ir pra cima com tudo. Mas eu só tava pensando na nossa fam... alcateia. Nossa alcateia precisava da gente e o cara convenceu Julgamento e Justiça de que tinha um plano pra achar os nossos." Ele olha de Axel para Shaw.
"Ele disse que os puros iam cometer um erro em algum ponto." Ele parece satisfeito e um pouco constrangido. Mas não mostra nenhuma vergonha ou hostilidade. Brendan o observa de lado sem mostrar nada.
"Willow Crest. A gente é de Willow Crest e a Irm..." A mulher mais jovem o corta com enfase.
"Eastmound e Sparhall. Antes dos puros nem todos eramos Irmandade Ardente, somos agora." Ela diz como se as palavras fossem um mantra, um ritual, como se ela tivessem poder de mudar a realidade para se tornarem mais reais. Talvez para ela o poder fosse real.
"Canção no vento afogou eles fogo e fumaça." Ela fala as palavras com raiva, talvez tentando aumentar as chamas que ficaram na sua memória.
"Mas eles são urathas, podem aparecer a qualquer momento e por isso tem dois dos meus na Sombra." O tom e o discurso permitem um pequeno salto da solenidade intensa para a praticidade.
Anne se aproxima quando é chamada. O rosto brincalhão e a energia agitada em algum lugar distante. Ela se arrasta a contra gosto. Cada passo um esforço. Mas não é tristeza que ocupa a lua cheia. É fúria. Suas palavras carregadas dela fazem os pelos arrepiarem na pele dos urathas e os parentes se perguntam de novo, como é inevitável que façam, que monstros estão tão perto abaixo da pele das pessoas que eles amam? Ou essas pessoas são só máscaras que os monstros vestem?
"Não tem nenhum lugar mais seguro que aqui. Tem mais destituído por metro quadrado que bêbados no dia do pagamento." A insatisfação escorria das palavras dela.
"Fizeram um perímetro e a mensagem que Nine mandou..." Ela engasga nas palavras trabalhando a garganta dolorosamente.
"Ela disse que iam recurar devagar para dar espaço para os transportes com os parentes. Eles pegaram Combustão e eu to no escuro. Eu quero sair daqui e..." Ela termina fechando as mãos em punhos e rosnando alto, Axel consegue ver a contradição na uratha. O juramento é a maior lei para um lua cheia, mesmo assim um mestre do ferro deveria ter desprezo por leis, exceto pelas que funcionam e se existe um consenso nas tribos da lua é que o juramento da lua funciona. Sam via os olhos amarelos e sabia que ela lutava contra o próprio corpo que queria sangue pela ofensa.
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O que Shaw encontra na sombra é frustante e tranquilo. O lugar era silencioso e calmo. A brisa corria pela grama sem preocupação e nem a presença dos urathas fazia qualquer diferença. O céu de eterna tempestade do outro lado não revelava nada, não mostrava qualquer contrição ou sentimento pelo sangue derramado e isso parecia errado em algum nível fundamental. A perda de Shaw e da alcateia deveria ser sentida por todos. Ele não conseguia lutar contra a sensação de que tudo a volta dele deveria ser raiva e tristeza e revolta, mesmo sabendo que o mundo é indiferente as pequenas tragédias. O Caminhante Noturno ficava longe da casa, um contorno mais escuro que a noite a distância.
"Não há guerra aqui. Suas palavras são fortes..." A voz era o estalar crepitante de fogo no escuro, galhos quebrando quando o predador se aproxima, era o som que pesadelos tem.
"... Eu sei o caminho da vingança." Shaw não precisa olhar para saber onde. Ele sente a atenção do caminhante e onde ele percebeu o fim de Francis.
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Sam sabe que Anne a viu e não disse nada. Sabe também que arde com uma violência que não aceita ser acalmada com palavras e conforto. Então as palavras do elodoth caem como uma marreta entre eles. Se alguém tinha ordenado aquele caos isso era uma grande e complexa e arriscada armadilha. Isso ou tudo tinha fugido do controle. A sensação de que aquilo era proposital. Que tipo de pessoa podia apostar com tantas vidas? Ou pior, planejar destruí-las...
"Nenhum dos puros pod..." O rosto dela se fecha e o que era seriedade se torna raiva, talvez inflamada pelo descontentamento cativante de Anne e Shaw ou as suspeitas de Axel.
"Meu pessoal tá sangrando por aí, uma boa parte dos parentes nas macas são alcateia. Os outros ainda são meus pra proteger."Ela olha para as três garotas.
"Todos são." Um pouco da solenidade retorna, abalada e frágil.
"Eu não tenho que justificar nada para você." Por um longe segundo parecia que isso ia ser o fim.
"Sabe como eles fazem a coisa aqui, né? Juntos. São a última gota de esperança no fundo do copo." Ele diz para ela e depois se vira para Axel ainda sem muita seriedade.
"Ela é uma babaca pretensiosa, mas não arriscaria os parentes. Ela não tramou nada. Presas reluzentes aqui não planeja, ela estuda até cansar e depois age como se não tivesse estudado nada." Morte, ele parecia sincero. Soava sincero. O lábio levantado em desgosto e raiva na cara da lua cheia vazia parecer ainda mais verdadeiro e talvez fosse.
"Só porque você age como uma criança e pensa como uma criança. A gente tem sonhado com isso desde que eles tomaram tudo da gente." Ela olha de um para o outro quando fala.
"Mas os planos mudaram e mudaram e mudaram e a gente atacou junto com Trovão e parecia que ia dar certo. A alcateia de fora chegou com a bruxa deles e fudeu tudo." Ela fala cada palavra como se pudesse usá-las para ferir Axel.
"Mais gente morreu. Mais alcateia. Eu quis ir embora. Uivo Cortante arrancou a liderança de mim e a gente tem seguido ela. Ela é forte e esperta, o plano dela é bom e ela nunca ia planejar enfraquecer vocês." As ultimas palavras tem dor intensa, como se engolir cacos de vidro fosse melhor, mas são sinceras. Tão sinceras que Axel quase não percebe a dúvida. A incerteza, uma fratura na confiança da lua cheia para seu alfa. Mais algumas perguntas e ele encontraria exatamente o significado daquilo.
"Franky..." É quase um sussuro e sem uma audição aguçada eles não teriam ouvido. Sam e Chloe só seguiram o olhar de Skye um segundo depois. A voz torturada e pequena se repetia da porta e o cheiro de sangue e fumaça era arauto mais insistente que o som. Os dedos completamente negros de Aponi esticados na direção de Anne, a cahalith entrava carregada, uma perna devorada até a altura do joelho. De um lado Amy e do outro Jenna, as duas com mais sujeira grudada em sangue e cinzas que roupas.
"O Theo?!" Ela diz e nem parece uma pergunta. A atenção que ele tinha mantido na troca intensa de palavras esquecida como se nunca tivesse existido. A mulher agarra a outra e mesmo silvando de dor Canção no Vento a abraça com força, os dedos deixando marcas negras na camisa branca de Anne. As duas começam a falar frases cortadas na primeira língua e ninguém precisaria entender o que é dito. O corpo das duas conta uma história simples quando as duas vão para o chão e os soluços viram a única linguagem.
Brendan assiste impassivo, em silêncio respeitoso. Morte da um passo para trás como se as emoções fossem repelentes. Presas Reluzentes demonstra surpresa e seu rosto fica vermelho de vergonha, ou talvez raiva. As duas luas cheias que chegaram só se afastam dando espaço.