A lua minguante pairava sobre a Segunda Cidade, envolta por uma névoa tênue que flutuava sobre os telhados e ruas. O ar noturno era pesado e úmido, trazendo consigo um silêncio inquietante.
Na sala de meditação do pequeno santuário que Soshi Ayami chamava de refúgio, apenas a luz bruxuleante de uma vela solitária iluminava o rosto pálido da jovem shugenja. Seus olhos se fixavam na chama enquanto ela sentia a presença de seu ancestral pairando nas sombras da sala, um sussurro constante que lhe oferecia conselhos obscuros. Desde a tentativa de golpe do clã Escorpião, há mais de 100 anos atrás, o clã caíra em desgraça, mesmo que os membros mais jovens como Ayami não tivessem tomado parte no levante do século anterior.
Ayami não gostava do sentimento de inquietação que dominava seus pensamentos. As sombras que ela havia descoberto, conspirações que apenas roçavam a superfície da verdade, começavam a pressioná-la. As instruções para parar sua investigação estavam claras, mas o dever para com seu clã e a insaciável curiosidade a corroíam. As palavras do ancestral ecoavam em sua mente como um enigma que ela sabia que ainda precisava desvendar.
Foi então que um leve toque na porta de papel interrompeu seu devaneio. Uma mensageira imperial, da família Seppun. Silenciosa, a serva se curvou profundamente antes de entregar-lhe um pequeno pergaminho lacrado com o selo imperial da princesa Iweko Myuki. O olhar de Ayami permaneceu fixo no selo por um momento, enquanto a serva recuava e desaparecia na noite, deixando-a sozinha com a mensagem.
Suas mãos, firmes e experientes, romperam o lacre com cuidado. O conteúdo da mensagem era direto e preciso, mas carregado de significado:
Sua presença é solicitada no Santuário do Crepúsculo imediatamente.A noite guarda segredos que precisam de olhos atentos.Que as sombras guiem seus passos.
Ayami sabia exatamente o que aquela convocação significava. A governadora da Segunda Cidade, princesa Iweko Myuki, a chamava para uma reunião secreta. A natureza da mensagem, cripticamente velada, indicava que o que quer que estivesse por trás daquele chamado não deveria ser conhecido por outros. Talvez os segredos que ela havia começado a descobrir não fossem apenas suas paranoias... ou talvez houvesse uma ameaça muito maior por trás das sombras que cobriam a cidade.
A brisa matinal da Segunda Cidade era um alívio sutil no clima sufocante das selvas ao redor. Kitsuki Hanbei, imerso em seu habitual silêncio, observava as ruas movimentadas da cidade colonial com um olhar atento, quase clínico. A vida fervilhava ao seu redor, mas ele não se deixava distrair pelos barulhos ou pelas cores vibrantes dos mercados. Seu pensamento estava sempre voltado para o propósito: o assassinato que o trouxera até ali.
No modesto aposento que lhe fora designado no Bairro Dragão, Hanbei mantinha uma ordem quase obsessiva. Pergaminhos estavam dispostos sobre a mesa, com anotações detalhadas de suas observações sobre o crime. Fragmentos de evidências físicas — pequenos pedaços de tecido, uma lâmina que parecia fora de lugar, e as estranhas manchas de sangue que ele ainda tentava interpretar — repousavam ao lado de seu chá, que esfriava enquanto ele mergulhava nas profundezas de sua análise.
Foi nesse cenário de quietude que o inesperado ocorreu. Três batidas suaves à porta interromperam sua concentração. Hanbei levantou o olhar, quase relutante, e se dirigiu até a entrada. Ao abrir a porta, deu de cara com uma mensageira da família Seppun, vestida com as cores da governadora da Segunda Cidade, a princesa Iweko Myuki. A mensageira fez uma reverência educada, mas havia algo em seus olhos que traía uma tensão incomum.
- Honrado Kitsuki Hanbei-san, sou Seppun Ritisharu, portadora de uma mensagem da princesa Iweko Myuki-no Kami. Sua presença é requisitada de imediato no palácio governamental. A princesa deseja falar com você, em privado.
Enquanto caminhava pelo labirinto de ruas até o palácio, Hanbei sentiu o peso de olhares discretos sobre ele. Sua posição como investigador já atraíra atenção indesejada, e agora, a convocação secreta só aumentava essa tensão.
O clã Dragão não era muito numeroso em Nova Rokugan, pois suas terras originais nas montanhas ao norte do Império tinham sofrido menos do que as de outros clãs com a invasão das hordas das Terras Sombrias. Hanbei viera a saber que menos de 3.000 membros do Clã Dragão residiam na Segunda Cidade.
A chegada ao palácio trouxe a atmosfera de outro mundo. A opulência da Segunda Cidade contrastava com a simplicidade de sua vida no norte, mas ele sabia que era apenas uma cortina para o que realmente se passava ali: poder, intriga e segredos. Guiado por guardas silenciosos do Clã Leão, Hanbei foi conduzido até uma sala discreta, longe dos salões de audiências públicos. O Santuário do Crepúsculo.
Quando a porta deslizou suavemente e ele entrou na penumbra da sala, viu a figura da princesa Iweko Myuki. Sentada à frente de uma janela aberta, sua postura era serena, mas havia algo de impenetrável em seu olhar. Ela o aguardava, e o silêncio no ar parecia prenunciar uma verdade perigosa que estava prestes a ser revelada.
- Bem-vindo, Kitsuki Hanbei-san - disse a princesa, sua voz suave, mas firme - Temos muito a discutir... e pouco tempo para o que está por vir.
Doji Ruri estava em seu estúdio, cercada por tintas e papéis, quando o som de um golpe na porta a tirou de sua concentração. O aroma familiar das tintas misturava-se ao cheiro do chá que sua mãe havia preparado, criando uma atmosfera de tranquilidade que contrastava com a ansiedade que frequentemente a acompanhava.
Ao abrir a porta, Ruri encontrou uma mensageira, vestido com as cores reais da família imperial Seppun. Seu olhar, sério e respeitoso, fez seu coração acelerar.
- Doji Ruri-san? - ela perguntou, inclinando-se levemente - Sou Seppun Ritisharu. Venho em nome da princesa Iweko Myuki. Ela a convoca para uma audiência particular. Imediatamente.
- O motivo não foi revelado - respondeu a mensageiro - Apenas que sua presença é requerida com urgência.
Ruri sentiu a pressão do olhar do mensageiro e, ao mesmo tempo, a oportunidade de sua vida se descortinando diante dela. Enquanto o mensageiro aguardava, ela rapidamente se lembrou das histórias que ouvira sobre a princesa: uma mulher inteligente e influente, conhecida por sua paixão pelas artes. Poderia ser uma chance de mostrar seu talento, mas também um convite para um mundo que a deixava nervosa.
Sob a lua minguante da noite quente e úmida, Ide Tadayoshi estava em sua sala de audiências na residência oficial da família Ide do Clã Unicórnio na Segunda Cidade. O espaço era adornado com tapetes finos e pergaminhos de histórias ancestrais, criando uma atmosfera que refletia a herança do clã. Ele revisava documentos sobre as rotas comerciais e as alianças necessárias para garantir a segurança do clã nas colônias, quando uma batida firme na porta interrompeu seu pensamento.
Uma mensageira da família Seppun entrou, sua postura rígida e a expressão séria denunciando a importância da mensagem.
— Ide Tadayoshi-sama — disse a mensageira, inclinando-se respeitosamente — Sou Seppun Ritisharu. Recebi ordens da princesa Iweko Myuki. Ela o convoca a uma reunião secreta no Santuário do Crepúsculo. Imediatamente.
A notícia reverberou em Tadayoshi como um tambor, cada batida trazendo à mente as inúmeras responsabilidades e desafios que enfrentava. A princesa, conhecida por sua astúcia e poder, raramente chamava cortesãos para audiências pessoais, especialmente em tempos tão turbulentos. Ele sabia que uma convocação desse tipo significava que seu papel como embaixador era mais crucial do que imaginara.
No início da primavera, as flores começavam a desabrochar nas colinas ao redor da escola Kitsune, onde Mio se dedicava a estudar as tradições de seu clã. A brisa suave trazia o perfume das cerejeiras em flor, e a jovem aproveitava a manhã ensolarada para praticar sua dança, um reflexo da graça que herdara de sua mãe.
Enquanto se concentrava nos movimentos, um leve toque interrompeu sua meditação. Era Seppun Ritisharu, a mensageira imperial, que se aproximava com um semblante sério. Sua presença estava carregada de uma formalidade que fez o coração de Mio acelerar.
- Mio Kitsune-san - começou Ritisharu, com a voz firme, mas respeitosa - A princesa Iweko Myuki solicita sua presença em uma reunião secreta.
Mio sentiu um misto de empolgação e apreensão. A convocação da princesa não era algo comum e, ainda mais, era uma honra que poucos recebiam.