Ato III - O Último Confronto

O tom de voz de Baraz fez acender um sinal de alerta no grupo. Ivor sacou sua espada enquanto erguia a tocha com a outra mão para enxergar mais adiante. Nerók sacou sua besta e escondeu-se atrás de Barbalarga. Eunsech olhou para os lados, à procura de qualquer fera oculta... Belediel era a mais tranquila de todos, pois sabia que o melhor lugar para se enfrentar um monstro desses era num espaço aberto como aquele. Por fim o momento de apreensão passou tão rápido quanto ele viera, e nada foi visto ou ouvido. 

Passado a tensão, o grupo resolveu retomar a caminhada e continuar seguindo os rastros dos duergars que haviam roubado as estátuas anãs. Conforme eles andavam pelo salão, vagas lembranças passavam pela mente de Frafur, e quando barakor viu os dois enormes portões de ouro maciço ele lembrou-se por completo que aquele local era conhecido como o Salão das Boas-Vindas.  Era um ponto de referência para todas as raças subterrâneas amigas dos anões que quisessem alcançar o Salão de Mitral, especialmente os gnomos das profundezas.

Os portões permaneciam intactos mesmo com o passar das eras, e por sorte não seria preciso abri-los, pois eles já estavam escancarados. Fora do Salão das Boas-Vindas, eles se depararam com os Despenhadeiros Abandonados. Se o salão que eles acabaram de sair era gigantesco, nada se comparava a esse enorme complexo de cavernas naturais e pontes de pedra. Havia uma centena de caminhos diferentes e todos eles passavam por cima de um grande poço negro que era o precipício.

Os rastros dos duergars seguiam pela ponte de pedra que estava à frente deles, e quando Baraz buscou calcular a extensão da ponte viu algumas figuras do outro lado do precipício. Ele apontou e todos os outros que enxergavam na penumbra puderam perceber a presença daquelas figuras – pelo menos três delas. O problema foi que elas também haviam percebido a chegada do grupo, e logo que perceberam elas saíram da linha de visão deles entrando no túnel de uma caverna. A ponte tinha uns setenta metros de extensão, e só dava para caminhar duas pessoas lado a lado sem correr riscos para cair despenhadeiro abaixo.

Thoqquas eram criaturas semelhantes a minhocas; o seu corpo sinuoso emitia um brilho alaranjado como se ele tivesse em chamas, o que iluminava um pouco a área ao seu redor. Ele media uns 30 centímetros de diâmetro e tinha mais de um metro de comprimento. O thoqqua invocado pela Sophia tinha como missão atravessar a ponte e enfrentar quaisquer ameaças do outro lado.

Isabela tentou dar uma alternativa, a de voltarem até o Santuário dos Cinco Pináculos, mas a ideia não foi para frente. O propósito dos anões nunca foi de reocupar aquele território; além do mais, as figuras vistas do outro lado do precipício teriam mais tempo para fugir ou preparar uma emboscada. O grupo portanto seguiu com o plano inicial, e o thoqqua rastejou velozmente sobre a ponte de pedra. Em alguns segundos, a criatura alcançou o outro lado. Ela estava a uma distância longínqua dos demais, mas para aqueles com a visão agraciada na penumbra podiam ver a criatura parada, como se não houvesse nenhuma ameaça visível. Não demorou muito, e o tempo de duração da invocação de Sophia acabou e o thoqqua desapareceu.

O pelotão dos combatentes tomou o caminho da ponte, com o pequeno halfling à frente para procurar por armadilhas a pequenos intervalos de distância. A leoparda de Sophia, Nevasca, acompanhava-o. O resto seguia uma pequena fila dupla: Johan e Barbalarga na dianteira; Baraz e Ivor logo atrás; Isabela e Belediel em seguida; e Frafur montado em Felpudo, o enorme rothé das profundezas, na retaguarda. Tomdrill, Darksol, Sophia e Nerók haviam ficado para trás, e eles esperariam o primeiro grupo atingir o outro lado em segurança para então atravessarem a ponte de pedra.

O halfling não havia encontrado nenhuma armadilha, e eles estavam chegando quase na metade do percurso. Nada havia acontecido até então e parecia que eles teriam uma travessia segura. Apenas parecia, pois um anão de rosto cinzento surgiu no fim da ponte. Ele era careca e usava vestes da cor da pedra, um disfarce perfeito para se camuflar no subterrâneo. Antes que qualquer um do grupo pudesse fazer algo, o duergar ergueu o seu braço direito e apontou com o indicador para o alto. Uma pequena esfera flamejante surgiu da ponta de seu dedo e numa velocidade impressionante começou a voar para cima em direção ao teto. Enquanto fazia o percurso, a esfera flamejante aumentava de tamanho. Os rostos dos membros do pelotão dos combatentes acompanhavam a trajetória da bola de fogo como se tivessem parado no tempo. Ela ia em direção ao teto bem acima de suas cabeças, e antes da explosão iminente só deu tempo deles verem as estalactites que preenchiam o teto a uns quinze metros de altura.

O som foi ensurdecedor, e com a explosão um pedaço da rocha acima cedeu. Entre estalactites e rochas pequenas que caíram sobre o grupo, um espigão de pedra colossal caía exatamente sobre a ponte e sobre as suas cabeças em impressionante rapidez. Era uma estalactite gigantesca e não havia tempo para se desviarem dela. Apenas os que ficaram lá atrás e Eunsech, à frente de todos, estavam momentaneamente seguros.

A ponta da estalactite gigante atingiu o centro da ponte, exatamente no meio de onde estavam Belediel, Isabela, Baraz e Ivor. Os quatros aventureiros por sorte não foram atingidos pela parte mais pontiaguda – o que resultaria numa morte certa -, porém foi inevitável escaparem do restante da rocha que caiu sobre eles como uma massa pesada e poderosa. A estalactite chocou-se com força contra a ponte de pedra, e um pedaço significativo dela ruiu com a colisão, derrubando os quatro aventureiros no precipício.  

Frafur, numa das extremidades do grupo, conseguiu fazer Felpudo recuar um passo antes da ponte sob os seus pés ruir. Barbalarga não teve a mesma sorte; o chão em que se sustentava desmoronou-se antes que ele tivesse tempo de reação e o goliath despencou para a escuridão abaixo.

A ponte quebrada havia separado Johan, Eunsech e Nevasca de todo o resto. Os três estavam no lado em que a ponte seguia até o anão que causara aquele desabamento; já Frafur, os conjuradores e Nerók haviam ficado do outro lado. Antes que qualquer um ali pudesse lamentar a morte daqueles que caíram do precipício, eles ouviram um berro enfurecido e uma figura passou velozmente pelo duergar que ainda estava com o braço erguido. Era visivelmente um anão: barba marrom, cabelo farto dividido em tranças, rosto sisudo, olhos quase fechados pela fúria inabalável. Johan reconheceu-o pelas pinturas no Santuário dos Cinco Pináculos. Era Mirtandir, o herói anão que recebeu treinamento pessoal do próprio Bruenor Martelo de Batalha. Ele corria em direção ao halfling que parecia completamente desprotegido sem nenhum aliado à sua frente. O anão usava um escudo de madeira e um martelo na outra mão. Os seus olhos eram dois pontos vermelhos na escuridão.