POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE,
POR MIM SE VAI À ETERNA DOR ,
POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.
JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR,
QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER,
O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.
ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA
EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!
(Dante Alighieri, A Divina Comédia - Canto III - Inferno)
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O fato é que, naquela manhã de agosto, a carta de baralho te esperava no espelho do banheiro. Sorrateira, quase tão gasta quanto aquela que você tinha manipulado centenas de vezes desde o primeiro encontro. Não uma carta de baralho qualquer, é preciso dizer. Uma carta gêmea da sua. Com um endereço e um horário no verso, escrito de preto em uma caligrafia apressada. Era uma convocação e você sabia. Havia chegado o momento de pagar sua dívida.
Aquela carta de baralho era o símbolo de uma aliança que havia resgatado sua alma da ignorância e sua vida do mal. Não, não uma aliança. Um pacto. E resgate também era uma palavra forte. Não havia redenção do outro lado do Véu. Cada noite era uma guerra e cada dia se arrastava no terror de ver o Sol descer rumo ao horizonte. A mitologia egípcia dizia que o Sol morria todos os dias, atravessava o Mundo dos Mortos em uma barca e então passava pela ressurreição que iniciava um novo dia. Quase fazia sentido agora. Talvez os egípcios simplesmente soubessem demais das coisas.
E o que dizer daquele local? Uma clínica veterinária. Um maldito petshop. Aquilo, por si só, quase fez com que você desse a volta e fingisse que nada daquilo estava acontecendo. Mas a carta - a maldita carta - queimava em suas mãos com o peso de todas as promessas e de todas as dúvidas jamais respondidas. E você entrou. E a menina no balcão sorriu com ingenuidade comercial ao ver a carta na sua mão. Você se deixou conduzir à sala de cirurgia mais aos fundos do terreno. E lá estavam. Oito desconhecidos, sentados em cadeiras dobráveis que haviam sido posicionadas da melhor forma possível ao redor dos instrumentos da sala.
A ideia de que haveria um grupo não havia passado pela sua cabeça. Mas fazia bastante sentido, se fosse pensar bem. Os Senhores do Medo não caçavam só na sua vizinhança, afinal. Porém, com que surpresa você percebeu que havia dois tipos de cartas de baralho nas mãos dos presentes: Ás de Espadas e Dama de Copas. Você tinha acabado de se sentar na última cadeira vaga quando escutou vozes no corredor, bem a tempo de interromper qualquer chance de que o silêncio entre "Os Nove" fosse quebrado.
- ... não serão questionadas. - era a voz de uma mulher que tinha voz de professora, mas soava exasperada, como se discutisse algo pela milésima vez com um interlocutor particularmente teimoso.
- Você pretende continuar sem um Tutor pra sempre? Você sabe que o Felipe aprovaria. Você sab--- Depois. Mas você não vai escapar dessa conversa de novo. - era a voz de um homem, bastante grave e ainda mais exasperada que a da mulher, o que indicava que talvez aquele não fosse o melhor momento para uma reunião como aquela.
Contudo, quando a porta da sala de cirurgia se abriu, o seu coração finalmente encontrou um pequeno alívio. Enfim vocês se reencontravam.
Bruna, Del Vechio e Gerson mexeram-se na cadeira quase ao mesmo tempo quando o homem abriu a porta. O Ás de Espadas. Quase um metro e noventa, os cabelos loiros cortados curtos, a barba por fazer que criava sombra no maxilar bem quadrado. Usando uma jaqueta de couro que só não era mais surrada que a calça jeans, com uma camiseta que um dia foi preta onde a serigrafia do Iron Maiden já desbotava, o homem tinha o típico porte onde se lê "Perigo, Não Entre". O nariz bastante reto só podia indicar duas coisas: ou era só pose, ou ele nunca tinha perdido uma briga em seus (talvez?) trinta anos. Mas o loiro sorria de forma amigável para o grupo reunido, mantendo a porta aberta enquanto dava passagem à mulher.
A Dama de Copas, conforme Doc, Dom Inácio, Mayane, Victor e Ana logo reconheceram. Ela era uma cabeça mais baixa que o homem, mas dava para sentir para onde o poder se curvava apenas pelo jeito com que ela caminhava. Pisando no mundo com a suavidade de um gato. Havia tatuagens cobrindo a parte interna dos antebraços da moça - ela não parecia ter mais de 20 e poucos anos - e uma pequena lua crescente, como um sorrisinho delicado, era marcada em sua testa, quase entre os olhos esverdeados. Ela era morena e tinha os cabelos presos em uma trança que ultrapassava a linha da cintura. E - pelo vestidinho leve que usava - parecia não ser do tipo que sentia muito frio. Sem sorrir, meneou a cabeça para aqueles que conhecia antes de se dirigir ao grupo:
- Mais dos meus atenderam à convocação que dos seus. Ótimo. Isso nos dá uma chance maior de que não acabem fazendo muita besteira. - o loiro fechou a porta atrás de si, rindo de um jeito debochado das bravatas da mulher. Ela continuou olhando o grupo de frente, como se a risada irônica dele não existisse - Nós temos motivos para acredit---
- Paixão, você não acha que seria mais didático começar dizendo quem somos, o que esperamos, como pretendemos fazer isso, e só depois despejar neles a missão? É um ECB recém-formado. Bah eles nem sabem o que é ECB! - a mulher virou-se devagar na direção do outro e ficou encarando o loiro por alguns segundos, estreitando e depois abrindo bem os olhos.
Por fim, ela suspirou fundo e pareceu relaxar um pouco, encostando-se na mesa de operação e esperando que ele fizesse o mesmo antes de tomar a palavra novamente.
- É bem verdade que eu queria iniciar os protocolos logo de uma vez, mas é fato que vocês devem ter dúvidas. A primeira coisa que vocês precisam ter em mente é que o papo do lobo solitário é muito bonito nas histórias. Mas isso aqui não é um conto sobre cavalaria. Vocês são soldados em uma guerra insana. Seus irmãos-de-armas são tudo entre vocês e seu encontro inevitável com a Morte. É por isso que vocês estão reunidos aqui. Porque Bela Vista precisa de um ECB que a defenda, e este ECB é composto por vocês. E cada um aqui precisa de alguém que vigie suas costas, alguém para dar cobertura. Não existe esperança, nem valor, em lutar essa batalha sozinho.
A moça mal tinha feito uma pausa e o sujeito, simpático daquele jeito, ofereceu um adicional:
- Exército de Caçadores de Bruxas. Sim, de verdade. É um nome bastante brega, nós também achamos isso. Mas é como a tradição manda, desde a época medieval, até os dias de hoje. - ele deu de ombros - Vocês podem tentar rebatizar. Nunca funciona. Acabam sendo conhecidos como "ECB do Padre" ou coisa que o valha. - ele apontou na direção de Dom Inácio, como que para comprovar suas palavras. - Mel e eu não participamos de ECB nenhum. Porque somos cons---
- Ok, um pouco de novidades por vez. - ela tocou de leve a mão do Caçador ao interrompe-lo, fazendo com que ele olhasse para ela por um instante. E até um cego saberia que havia algo importante a ser dito que ela simplesmente queria impedi-lo de dizer - Eu me chamo Mel da Paixão. E ele, Ace. Quero dizer, Diego Litsz. Mas, é Ace.
- Pros íntimos. - ele endireitou a postura e caminhou sem pressa para mais perto - Parece primeiro dia de escola? Parece. Mas é importante saber o nome uns dos outros. Saber que habilidades têm. Então, vamos lá.
Mel exibia uma expressão de puro tédio, mas Ace parecia estar se divertindo com a miséria dos novos Caçadores. Descaradamente.
OFF: Bem-vindos ao jogo! No primeiro post de vocês, fiquem à vontade para descrever seus personagens, e narrar a percepção que eles têm tanto do Mentor representado pela carta que escolheram quanto do outro Mentor. Se quiserem fazer uso de imagens para os personagens, fica a critério! Aproveitem essa momento para dar ao seu personagem contornos realísticos e pensamentos próprios. Vocês podem interagir com os NPCs ou entre si, sem preocupação! Este é o momento de se conhecerem e de formularem perguntas.
Vai haver mais direcionamento no próximo post, com explicações e detalhamento da missão.
Não se prendam aos trios definidos quando do encerramento das vagas. Nessa cena, todos estão juntos e a interação é livre. É o momento para se conhecerem mesmo e para começarem a testar a interpretação que querem dar aos personagens.
Bom jogo pra nós!~
¹ Adaptado da primeira frase do livro "1984", de George Orwell, em que tudo começa em abril.