Gerson sempre foi um homem muito prático, mais atento ao movimento do que ao que as pessoas estavam falando. Via mãos nervosas, pernas inquietas, alguns mais afastados, e alguns à frente, na sua vida sempre teve que estar preparado para uma surpresa.
" Que caralho, já veio um trampo", pensou já com ar de cansado. Museu, nunca tinha entrado em algum na sua vida, e queria ficar longe de algo que remetesse a policia. Nunca tinha passado por uma delegacia, mas vai que alguém o reconhece.
Sobrou a casa noturna, só que além de a possibilidade de encontrar os noturnos por lá, teria que ir no horário de funcionamento, a algum tempo não saía a noite de casa.
Levantou-se, foi até uma parede, estendeu os braços à frente. Apoiou as duas mãos espalmadas, baixou a cabeça e fechou os olhos. Precisava de um instante de isolamento para pensar. Refletiu sobre o que podia fazer e na sua utilidade.
Nervoso, e um pouco irritado com sua decisão, socou a parede, parte por raiva e parte para chamar a atenção, pois ia falar, virou-se passando o olhar por todos:
_Então galera, vô na boate, pode sê que eu conheça algum loco que trampe na noite por aí, e aí, vai que dá alguma coisa. E pra quem quisé sabê, meu nome é Gerson.
Cansado de ficar sentado, ouvindo já a algum tempo, precisava tomar um ar.
_Tem algum banheiro aqui, preciso jogar uma água na cara, já to meio injuriado de ficar tanto tempo sentado.
Ana Demiris viu Mel olha-la profundamente após a sua fala e compreendeu que a Dama de Copas reconhecia o que Ana realmente queria ao estar naquele lugar. As explicações dadas pela dupla e depois somente por Mel eram muito interessantes e instigavam Ana a querer saber cada vez mais: Lupinos, Umbra, Estrela Rubra...eram muitas informações e Ana as conhecia parcialmente e queria saber cada vez mais.
Mauro, presidente do Fraternidade, já havia explicado muitos conceitos para ela, muito do que acontecia naquela local agora que era novidade para os que estavam ali, para Ana era a concretização do que ouviu em teoria. A menina queria conhecimento, queria compreender este novo mundo para reconstruir o mundo que ela achava entender e conhecer.
Quando Mel menciona as três possibilidades de missões, não há dúvidas para Ana, ela irá onde o conhecimento está. Outros falam antes a direção que irão seguir, então após Gerson comunicar sua decisão, Ana levanta de sua cadeira, olha para o Padre e em seguida para todos:
"- Eu gostaria de me unir a você, Padre. Meu destino entre estas três opções, sem dúvida, é o Museu. Lá é onde devo estar."
O caos havia se instaurado naquele lugar, todos começavam a falar um por cima do outro, não havia ordem, não havia atenção e nem informação. Doc observava tudo calada, seu temperamento era calmo então dificilmente se deixava levar pelo calor de uma discussão, mas tudo aquilo era o suficiente para que ela se questionasse mais uma vez sobre o que fazia ali. De braços cruzados, apoiava a cabeça sobre a mão direita que havia acabado de levantar, logo após ela o próximo a se manifestar era o soldado.
“De fato, o que ele fala faz sentido, porém, eu vejo o que ele está fazendo e quem garante que todos aqui possuem esse “plus” que vai agregar ao grupo ou seja lá o que seja isso? Isso não faz tanto sentido ainda, mas vamos esperar e ver no que isso vai dar.”
Não tardou para que o próximo tomasse a fala, um rapaz que sequer revelava seu nome, mas que definitivamente era interessante. Ele revelava primeiro que o motivo de estar ali era mais uma das experiências com aqueles seres sobrenaturais, o que confirmava então a teoria de que todos ali estavam no mesmo barco, não que fosse impossível deduzir antes, mas Doc era uma pessoa que preferia se ater ao palpável ao invés de suposições sem embasamento. A próxima era Ana.
“Mais uma que tem ligação com mediunidade? Ou ela trabalhar em um centro espirita não tem nada a ver?”
Perdida em seus pensamentos, Doc não havia notado o surto emocional pelo qual Bruna passava, então, as palavras de Carlos, apesar de não ressoarem tão fortemente quanto ressoava em Mayane e Dom Inácio, a faziam pelo menos acordar pra realidade naquela hora. Diferente do que pensou quando começou a ouvir as explicações de Mel da Paixão ou quando viu a clínica veterinária, aquilo não era um filme. Flashes de memória, imagens de quando o véu finalmente caiu para Maria Ivri voltavam para assombrá-la, pessoas estavam morrendo e uma passava mal bem ao seu lado, isso iria contra tudo o que a mulher era e o jurava proteger. Pensava em fazer algo para ajudar, talvez lhe arrumar um copo de água, mas bastante pessoas já acalmar o coração de Bruna, mas aquilo definitivamente lhe deixou desconfortável, queria um cigarro mais do que nunca naquele momento, como queria...
Pelas próximas horas ouvia as instruções que Ace e Mel da Paixão davam, mesmo depois da partida de Ace, o ritmo da “palestra” não diminuia e aos poucos as dúvidas de Maria eram sanadas. Entender que aquele mundo sobrenatural existia, não era difícil, a parte complicada era entender os funcionamentos e regras daquele mundo, Doc retorcia o rosto por vezes diante das explicações da senhora Da Paixão, a ideia de ela tentar explicar partindo do pressuposto que eles conheciam o mínimo daquilo soava um tanto absurda, mas mesmo assim continuou.
Quando a caçadora citou sobre as experiências que vivenciaram nos últimos dois anos, novamente flashes de memória traziam imagens do acontecido a jovem doutora, olhava Mel nos olhos, aos poucos parecia que aquela distante lembrança ia se tornando cada vez mais vívida. Outro fato que lhe chamou a atenção, foi quando o tópico da conversa chegou nos métodos “miraculosos” a qual Mel se referia, ela parecia sentir uma espécie de aversão aquilo que não era entendida a primeira vista, o que infelizmente aumentou a curiosidade de Doc, imaginava se algum dia seria capaz de fazer algo do gênero, lembrava dos filmes e séries que já havia visto, era impossível não.
Então, chegaram ao último tópico que para ela era o mais estranho de todos, aquela história de fim do mundo era o mais difícil de acreditar, mas não impossível, lembrou-se então de tudo o que já havia ouvido sobre a biblia e questionou-se por um segundo se as coisas que ali estavam escritas haveriam acontecido de verdade, mas quando descritas naquele livro, acabaram mudando pra agradar o ego dos católicos. Antes de tudo não se considerava nada no que diz respeito a crença e nem odiava religião, pelo contrário, entendia a importância dela para outras pessoas, mas ela mesma, não comprava os insistentes discursos pregados de forma julgadora e errônea. De qualquer jeito, achava a ideia do fim de tudo ser trazida por “lobisomens” um tanto cômica.
As últimas informações finalmente eram dadas e Doc havia tomado uma decisão, seguiria os novos companheiros nas novas empreitadas, mesmo que não soubesse exatamente o que aquilo significaria para a sua vida. Quando Mel olhou para ela e concluiu ressaltando a importância da clínica, assentiu calada, já tinha ideia de que provavelmente aquela noite seria brutal. Esperaria os outros que já estavam falando terminarem, então levantaria a mão pedindo a vez.
- Já que seremos alvos querendo ou não, então que seja fazendo o bem, peço que me desculpem pelo comportamento de mais cedo. – Doc olhava pra baixo, parecia que ainda estava organizando suas ideias, então novamente olhava pra cima, sua cabeça girava de modo que pudesse olhar para cada um dos presentes ali. – Então, se essas coisas são tão perigosas do jeito que a Mel diz, talvez seja melhor pelo menos enquanto somos inexperientes nos dividirmos em números iguais. Eu pretendo ir até o Instituto Médico Legal, visto que é algo da minha área eu posso ter um entendimento maior sobre o que está acontecendo por lá. O padre e a Ana irão até o museu, o rapaz ali... – Apontava com o olho para Gerson. – Vai para a casa noturna, o resto de vocês pretende ir por onde?
Tentava ser assertiva e objetiva, seu tom era sério, sentia calma, mas também uma sensação ruim rondava seu peito, não sabia o que era.
Seu conceito de fé não era o mesmo; também estava acostumado a receber ordens e as executar quando necessário. Mas havia saído do exército justamente por ir contra a cegueira que atormentava e acalentava tantos ao mesmo tempo. Quando observou a reação dos outros, manteve a mesma falta de reação primária. Mas se interessou pela maneira com que o então apresentado "Gerson" se comportava. Estava aquém dos problemas comuns visto na pirraça constante do país pró ou contra militares. Havia parado de se importar com militâncias de redes sociais há muito, e o mesmo servia para qualquer um dos extremos; não julgava o homem que falava em gírias que muitas vezes eram associadas aos "do lado de lá". Ele parecia esperto e afiado. Nesse mesmo âmbito, talvez a maioria dos outros ali fosse mais preparado para algo como aquela situação toda. Teria sido mais fácil se os dois pombinhos o houvessem contratado como informante ou broker, ao invés de colocá-lo no meio de tudo.
Não estava irritado com pessoa alguma, mas também não iria se envolver além do necessário. Victor passou os olhos de Ana para o Padre, quando a mesma mencionou o Centro Espírita. Pessoas espirituais tinham uma tendência curiosa de se atraírem de maneira positava ou de simplesmente irem um contra o outro, ambas as situações com forças grandes, exageradas. Mas sua curiosidade instantânea foi substituída pela observação do "homem do governo". Não o conhecia, o que podia significar algo muito bom ou muito ruim. Da mesma maneira que os outros, ele também parecia oferecer riscos e perigo. Talvez aquele fosse o truque dos que se apresentariam como "Caçadores". Individualidades, especialidades, e principalmente... periculosidade.
Medo. Não negaria quando sentisse, mas não era aquela situação que o assustava. Era um tipo de coisa diferente e nada palpável que lhe causava medo. Não do tipo que se encontrava ali. Receio ou cuidado sim. Mas era justamente nesses momentos em que as mãos do Capello se firmavam sem tremer um instante ou milímetro sequer. A apreensão de um trabalho feito, a próprua nuância da confirmação Yin Yang da sociedade. Victor não saberia explicar decerto. Não era tão versado quanto alguns ali, embora preferisse falar formalmente. Também não sabia todos aqueles termos em latim. Não se considerava inteligente, ainda que talvez pudesse se dar o luxo de considerar-se afiado.
Como alguém que se sentara à mesa com o Deal, observou a dicotomia estelar daquela reunião às avessas. Conseguiria fazer um Four of a Kind? Um Flush? Tal como no pôker, sua própria mão era apenas dez por cento da jogada; o verdadeiro jogo estava na ação dos outros ao seu redor.
Lendo as reações de Ace até então, usou a linguagem corporal do homem como sinal de um início maçante. Cruzou os braços. Cada mísero detalhe, insignificante ou não, ficaria escrito em sua memória. Quase incapaz de se esquecer, e muito que se aproveitando disso. Uma hora e meia de instruções sobre coisas que nunca imaginaria serem confirmadas de uma maneira tão crua e direta. De alguma forma, se encaixavam com outras coisas que ele mesmo havia vivenciado ou investigado. Começou a juntar suas próprias peças enquanto prestava atenção; coisas do passado que pareciam se encaixar com coincidências convenientes demais. Coisas do presente que pareciam um pouco mais claras, e, infelizmente, mil outras coisas que acabaram por se tornar mais obscuras ainda.
Então a própria "Mel" e seu nome estranho fazia parte da linha principal que os levara até ali. Perguntou-se por um instante a circunstância de Ace e a primeira vez em que se encontraram. Hm. Talvez outra hora pensasse nisso.
E então, uma criatura pura, vindo do impuro. O sonho não alcançado de Einstein, ou o quadro perfeito por trás de Dorian Gray. E derramou-se no meio do assunto dos locais averiguados, como se tudo aquilo não se passasse de um estágio. Quando os olhos se encontraram nos de Mel, ele não se mostrou invasivo, mas não se importou com a profundidade dos dela. No que se referia a si, Victor Capello era simples e direto.
Ergueu-se.
Olhou Gerson e Ana, antes de parar os olhos no padre. Não comentou uma palavra sequer sobre o seu destino, mas não deixou de calcular os dados já jogados ali no chão. Quando Mel saiu, desta vez apenas acenou com a cabeça sem a observar diretamente já à porta. Ao invés disso, teve sua atenção puxada por Maria Ivri.
[Líder Nato] - Sou obrigado a dar o benefício da dúvida a esse exagero de informações cuspidas tão casualmente. Mas isso se aplica a eles, não vocês. Vocês estão, até que se prove o contrário, no mesmo barco que eu. Então usem-me como uma carta extra. Formem seus grupos e irei com aqueles que estiverem em "desvantagem maior". Imagino que isso faça parte de algum teste prático por parte deles. Se nós temos habilidades distintas, tenho certeza de que já há algum tipo de organização preparada, que não nos foi revelada. Observem suas cartas e suas habilidades, imaginem com quem podem se complementar, e não apenas combinar pontos semelhantes. Recomendo que haja um equilíbrio de capacidade analítica e defensiva entre os grupos ou duplas. Se uma das "ordens" foi que voltemos vivos amanhã, quer dizer que as chances de um grupo sem diversidade são medíocres. - Repousou os olhos em um ponto distante da sala.
"Você vai estar sempre comigo vovó?"..... "estarei sim minha neta, sua mãe ficaria orgulhosa do que você se tornou.... "
As lágrimas de Bruna então se misturaram com suas próprias lágrimas, quando foi que ela decidiu que tinha que ser forte e não poderia chorar pela perda de um ente amado? que deveria ocultar a dor e suprimir o passado com livros e conhecimentos em uma busca frenética por entendimento racional do que ela como garotinha não podia compreender aos 9 anos.
Mayane então ficou totalmente dispersa olhando para um ponto fixo na parede enquanto suas lágrimas corriam livremente pelo seu rosto, sentindo raiva de si mesma, talvez por acreditar que as lágrimas daquela mulher tivessem alguma explicação racional por detrás de tudo aqui, teria ela considerada Bruna fraca? teria ficado orgulhosa demais, ou altruísta demais com as crianças do orfanato que ela ajuda como voluntária, mas se esqueceu de dar atenção para sua própria criança interior
Envergonhada, Mayane olhava para baixo, se empolgara demais com assuntos espirituais e se esquecera de sua formação inicial como psicóloga. Durante a próxima hora e meia, o semblante de Mayane revelara-se séria e sem seu sorriso caracteristico. Sua atenção foi recapturada quando Mel disse a palavra Umbra que resoava como o Umbral espirita, um mundo caótico criado por mentes perturbadas onde a luz do sol não penetra e é um estado anárquico absoluto onde muito se diz e gritam, mas não parecem que sejam um diálogo. Em seguida, revelara sobre a Batalha final ou o apocalipse católico que se aproxima, e novamente se via em dilema entre o que aprendia nos livros e o que era o amor pela humanidade... pelos livros, a vida continua e a morte é só uma passagem, um evento como a chuva, ou uma ventania, mas isso não seria des-humano demais? Ela não precisaria ter medo do apocalipse, mas não podia deixar de pensar na possibilidade que nosso planeta-escola deixando de existir as almas teriam que continuar sua evolução em outro planeta, e esse não haveria de salva-lo?
Ela então olha para Joana que estava em um canto da sala acompanhando a apresentação. "Teria Joana feito parte desse grupo na idade média? Mesmo com todo o conhecimento religioso da época ainda assim ela decidiu lutar para que as gerações futuras pudessem andar pelo belo planeta azul... do contrário não se importaria com a destruição que está por vir.... ". Joana então captou os pensamentos da jovem médium e sem dizer uma palavra apenas repousou ambas as mãos por sobre seu coração espiritual fixando os olhos em Mayane como quem diz onde encontrar a resposta... sorrisos das crianças do orfanato então ecoavam em suas lembranças... por ela não valeria a pena salvar?
Mayane então enxuga as lágrimas do rosto e presta atenção nas disposições que o grupo resolvera tomar
Padre Inácio escreveu:- Se for possível pretendo ir ao Museu da Ordem Rosa Cruz.
Gerson escreveu:- Então galera, vô na boate
Ana Demiris escreveu:- Eu gostaria de me unir a você, Padre. Meu destino entre estas três opções, sem dúvida, é o Museu. Lá é onde devo estar
Doc. Maria escreveu:- .. nos dividirmos em números iguais... Eu pretendo ir até o Instituto Médico Legal
Victor Capello escreveu:- Formem seus grupos e irei com aqueles que estiverem em "desvantagem maior
- Eu vejo diante das opções para os lugares a serem investigados e até concordo com a sugestão da Doutora de nos dividirmos em equipes iguais, mas com pelo menos alguém com experiencia em armas para nos proteger em cada equipe.
- Eu fico tentada a ir com a Doutora investigar o IML, embora tivemos especializações diferentes, mas confesso que também fiquei atraída a ir com Gerson na boate para ver o ponto de encontro dos noturnos. - Ela então olha para Gerson e seu jeito "da rua" de falar e continua - Vou então com Gerson. e recomendo tanto ele como Bruna e Antonio sejam os lideres de cada equipe. O que acham? ...
- E antes que eu me esqueça, eu trouxe alguns cartões de visita com meu numero de celular - e distribui então seu cartão para os que estavam na sala.
Um tanto incrédula Doc ouvia o que Victor e Mayane tinham a dizer. A desconfiança do primeiro era entendível, visto o seu background, mas olhando para tudo o que já haviam passado e tudo que havia sido explicado e revelado naquela noite, pensava consigo mesmo que talvez fosse a hora de dar uma diminuída nas desconfianças e talvez dar uma chance para o que Ace e Mel estavam oferecendo, era o lógico, principalmente porque haviam a convencido a ficar e arriscar a sua vida, e se era pra ficar, que fizessem as coisas direito.
"Eu odeio militares", pensou mais uma vez.
A segunda era notável que suas intenções eram boas, mas ao mesmo tempo eram um pouco impensadas aos olhos de Maria.
- Antes de mais nada. - Doc parava, pegava o cartão oferecido por Mayane, então retirava o celular do bolso de sua jaqueta, digitava algo e então virava a tela para cada um deles, lá eles veriam o seu número de telefone que ficava disponível para quem quisesse anotar, enquanto o fizessem, se dirigiria a médium. - Sua ideia não está errada Mayane, eu também acho essencial dividir o poder de fogo, mas não acho que seja uma boa ideia definir líderes nesse primeiro momento, alguns de nós não confiam fácil em outras pessoas, alguns estão mentalmente instáveis, eu acredito que um ajudando ao outro sem o peso de uma "liderança", pelo menos nessa noite, tornará as coisas menos complicadas. Se algum de nós morrer debaixo da vigília do Gerson, da Bruna e do Antônio, você consegue garantir que eles não vão colapsar e ter algum surto emocional?
Seu tom era calmo, mas firme, por mais que fossem desconhecidos, Doc já sentia certa empatia em relação a algumas daquelas pessoas e era exatamente por isso que tentava agir de maneira racional, afinal, se Mel estava certa, teriam que arriscar suas vidas e ela sabia bem qual é o peso que uma vida tem.
Carlos realmente não sabia lidar com elogios. Não que ele não gostasse de ser elogiado ou de receber gestos de apreço e aprovação, mas ele apenas não sabia como reagir a eles. Mel sorriu pra ele, e o caçador corou e baixou os olhos. Ace lhe ofereceu palavras de aprovação, e ele coçou a nuca e pigarreou sem jeito. Realmente, ficar tão próximo de pessoas era algo que não lhe era familiar.
Então, fez o que lhe era familiar fazer: concentrou-se na missão. Refletiu durante alguns momentos sobre as opções oferecidas, as habilidades e as decisões que cada um vinha tomando. Algumas eram acertadas, mas outras pareciam precipitadas. Vitor era obviamente um lider, mas ele ainda estava centrado mais em si mesmo e menos nas habilidades dos seus pares. Ao invés de sugerir formações, colocou-se à disposição de qualquer pessoa. Não é bom.... se aquelas pessoas fossem sem direcionamento pra território inimigo, seria um banho de sangue.
Duvidava que Mel e Ace colocariam novatos tão verdes como todos aqui (Carlos incuso) em perigo extremo logo de cara, mas lembrou-se bem da frase de Mel: "Não existem lugares seguros". Alguém precisava ajudar aquelas pessoas a organizar os próprios pensamentos.
Mas que droga.
-"Algumas pessoas tem escolhas naturais. Outras com certeza não deveriam ir a outros lugares, porque chamariam muita atenção."- Maia falava sem olhar pra ninguém. Olhava para o chão, e mantinha as mãos nos bolsos.
Algumas pessoas tinham mantido sigilo absoluto sobre quem eram e quais as suas habilidades. "Trabalho pro governo", disse Tony. Isso podia significar qualquer coisa. Bruna era uma incógnita. Quanto realmente Gerson era hábil? Ele próprio não tinha nenhum conhecimento excepcional sobre nada que não fosse o próprio rifle. Mas iria sugerir a melhor divisão que conseguiu imaginar com o pouco de informação que tinha. E, acima de tudo, confiava que Mel e Ace não mandariam completos novatos, sem o menor treinamento, para missões que não admitem o menor erro. Poderiam aprender com a experiência.
-"Para o Museu, eu acho que deveriam ir a estudante de teologia, a Bruna e o padre. A Ana e Dom Inácio tem conhecimentos que podem ser úteis, e não vejo Bruna indo para outro lugar, dado seu estado emocional. A boate é um ninho, e não seria inteligente mandá-la ao Instituto Médico Legal."- Ele olhou para Mel e Ace ao falar isso, como se buscasse alguma validação nas suas palavras, e em seguida para Bruna, levantando as mãos como se pedisse desculpas, por medo de ofendê-la.
-"Para o IML, Doc é a escolha mais óbvia. As credenciais médicas dela garantem acesso. A médium também pode ser de grande ajuda, dada a natureza do lugar. Tony poderia acompanhá-las, seria bom ter um homem junto das moças"- percebeu que estava sendo terrivelmente sexista, mas já era tarde demais. Sorriu sem jeito e coçou o queixo nervosamente.
-"o resto de nós, para a boate. Gerson vai estar à vontade no lugar, pelo que parece. Vitor, como militar, vai ser importante para coordenar o grupo e responder a qualquer ameaça que surgir ao invadirmos o ninho. E eu posso dar cobertura. Sou bicho do mato demais pra baladas, mas eu não preciso entrar ou coisa do tipo. Posso servir de suporte."- Invadir um ninho sem planejamento prévio e sem conhecer os recursos a sua disposição. Era quase suicídio, e Carlos não pôde conter um sorriso ao sentir o coração bater mais forte com a expectativa.
-"Claro, essa é a minha opinião. O que o grupo decidir, está decidido"- Ergueu as mãos, e as colocou nos bolsos. Deu uma última olhada nervosa a todos os presentes, e então baixou os olhos e encarou os próprios tênis como se eles fossem a coisa mais interessante do mundo.
Mayane presta atenção no diálogo do restante do grupo e então diz
- Concordo com sua idéia Maria, realmente não tinha pensado no pós missão
então ela ouve o posicionamento de Carlos e conclui
- Tudo bem, acho que por termos cursado a mesma faculdade, porem em especializações diferentes, posso acompanhar Maria ... - e então olha para Maria - Se ficar bom pra vc
Mayane então olha para os demais observando suas reações
Me coloquei em pé mais uma vez. Fui até a frente da sala e impus minhas mãos sobre todas a pessoas.
-Gostaria de fazer uma oração pedindo para que Deus possa proteger cada um de vocês, aonde quer que vocês forem. Sei que talvez alguns de vocês não acreditem no mesmo Deus que eu sigo, mas peço que elevem seus pensamento até aquilo que dá sentido à sua existência.
Fiz mais uma pausa, fechei os olhos e comecei a rezar fervorosamente com uma voz firme e melodiosa:
Em nome do Pai, do Filho e do Espiríto Santo, Amém.
Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge Para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, Tendo mãos não me peguem, Tendo olhos não me vejam, E nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, Facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Jesus Cristo, Me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça, Virgem de Nazaré, me cubra com o seu manto sagrado e divino, Protegendo-me em todas as minhas dores e aflições, E Deus, com sua divina misericórdia e grande poder, Seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meu inimigos. Glorioso São Jorge, em nome de Deus, Estenda-me o seu escudo e as suas poderosas armas, Defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza, E que debaixo das patas de seu fiel ginete Meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós. Assim seja com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo. São Jorge Rogai por Nós. Amém.
Ao fim da oração, senti que de certa forma pude trazer um pouco de paz aqueles corações aflitos. Essa talvez seja minha função nesse grupo.
Troquei o número de telefone com o restante dos companheiros na sala e olhei para saber se Irmã Graça havia me respondido.
Sentei novamente em meu lugar e aguardei o momento para todos sairmos juntos, agora, com o coração mais leve, pois sentia dentro de mim a confiança de que Deus estava conosco, pelo menos por enquanto.
Eu olhei para Carlos em quanto chorava e disse: -Nossa, falar isso não melhora nada a minha situação, ainda estou morrendo de medo... Quando Ace colocou sua jaqueta sobre mim, eu fiquei um pouco mais tranquila, depois de ouvir aquelas palavras, eu comecei a me sentir melhor... Se existe a cruz, eu vou ser a espada da cruz nessa cruzada! Eu enxuguei o resto das minhas lagrimas que agora já eram poucas e disse: -Eu estou um pouco confusa com tudo isso, mas, se eu tenho um papel nossa joça toda, eu quero que ele seja manchado de sangue... Pelo sangue dos noturnos!!! Antes que Mel me levasse para a minha cadeira, eu olhei para o Ace, agradeci pela jaqueta e devolvi ela! No meu luar, eu ouvi atenta a instrução deles, fiz perguntas quando elas cabiam. Quando ela nos informou das missões, eu fiquei muito interessada na casa noturna... Mesmo com medo, tudo que eu queria era encontrar uma dessas sangue-sugas desgraçadas e fazer elas pagarem... Quando Carlos fala deu ir para o museu eu digo bem alto: -Cara, eu já estou melhor... Não precisa tomar decisões para mim! Nesse momento, eu vou para a maldita boate encontrar esses Noturnos!!! Só por acaso, Sera que vai ter muito deles por lá?
Após a oração do Padre, Ana se aproximou do religioso e agradeceu aquele momento de fé e as belas palavras proferidas.
A menina se despediu do Padre, pois seria ele que iria com ela para o Museu, e caminhou para saída. Ela iria para casa pegar alguns pertences relevantes e se preparar para a 1a missão.
E então, Maia é lembrado rapidamente de porque prefere ter pouco contato com as pessoas. Bom, ele tentou ajudar. Ele ergue as mãos espalmadas e dá de ombros.
-"Você quem sabe, moça. Eu estou indo para a boate. Eu não tenho celular, então não vou conseguir entrar em contato com ninguém"-
Após a oração do Padre, Maia faz o sinal da cruz e diz um "amem" bem discreto.
E então virou as costas e foi embora. Caso algum dos membros do ECB decidisse acompanhá-lo, ele os veria na boate.
Novamente, o diálogo se desenrolava em um ritmo frenético. O casal então passou a lecionar sobre o mundo das trevas, os noturnos e até sobre o fim do mundo. De certo modo, Antônio achou aquilo até meio exagerado. Estava claro que “algo de errado não estava certo”, mas fim do mundo já parecia coisa de astrólogo maluco. Mas enfim, o que ali não parecia maluquice? Fez com o que era ali dito, o mesmo que fazia com o resto em sua vida: atentou para os 10% mais importantes e descartou o resto. Era dono de uma mente afiada e precisava de pouco para deduzir o caminho a partir dali.
Quando a reunião chegava ao fim, achou razoável a ideia de Carlos e decidiu acompanhar Doc e Mayane até o IML. Quando da troca dos telefones, sugeriu ainda que uma pessoa ficasse encarregada de pegar o número de todos e que montasse um grupo virtual, onde todo o “ECB” pudesse ter ciência do andamento das missões. Antes de sair, após a benção de Inácio, abraçou o padre e o agradeceu por atender o seu pedido e permanecer com o grupo.
Como Antônio era um cara prevenido e mantinha o que precisava sempre consigo ou no carro, rumou direto para o IML onde aguardaria Doc e Mayane.