A perseguição ao alvo se iniciara. Toshiro não apreciava a caçada, pois preferia se concentrar no caminho da espada. Treinos físicos, suor honesto. Dois homens colocando coração e espírito em sua lâmina e dispondo de suas vidas para que possam alcançar o aprimoramento. Sempre almejando montanhas mais altas. O caminho do assassino, que a vida havia levado Toshiro a percorrer, era mais sombrio. Exigia dissimulação, astúcia, e muitas vezes, determinação em ignorar o que soava tremendamente errado. Tudo em nome da missão. Tudo em nome da vinda de uma nova era.
Toshiro, até o momento, sabia apenas o nome do alvo e seu feudo de origem. Porém, desconhecia seu paradeiro. Não sabia mais nada a respeito de Yagoro Tsuchimichi. Porém, o tempo que trabalhou como Hitokiri nas fileiras dos Ishin Shishi o havia treinado no ofício. Conhecido pessoas. E algumas dessas pessoas tinham reputação duvidosa. Porém, para encontrar ouro, é preciso cavar fundo. Toshiro evitava o máximo que podia a associação com pessoas de má reputação, mas algumas vezes a necessidade o obrigava a recorrer a seus favores. Ohagi era escória mesmo entre aqueles considerados escória. Cafetão e dono de um cassino clandestino, de fala mansa e educada, astuto e ardiloso. Porém, escória bem informada. Escória útil.
Quando o sol morreu no horizonte, Toshiro iniciou sua caminhada pelo bairro da zona de baixo meretrício, buscando o estabelecimento onde encontraria sua fonte. Em pouco tempo, virando esquinas e dobrando em vielas, encontrara a entrada do cassino de Ohagi, uma cortina púrpura iluminada por uma sutil lanterna de papel vermelho. Sentado em uma cadeira, guardando a entrada, estava um dos leões-de-chácara de Ohagi. Um brutamontes mal-encarado que atende pelo nome de Inu.
Toshiro se aproxima, e Inu vira a cabeça, notando a chegada do hitokiri. Imediatamente, se levanta, e cumprimenta o samurai com uma reverência. Ele avisa que Ohagi se encontra na mesa de dados.
O ambiente fede a nicotina, bebida e perfume doce. O lugar fede a decadência. Consumo desregrado de álcool, bêbados sendo expulsos, jovens prostitutas de baixa classe muito maquiadas se exibindo em yukatas indecentes, servindo doses de saquê aos apostadores das muitas mesas de cartas e dados. Não há música, apenas as vozes dos clientes reverberando e tentando conversar de forma discreta em um ambiente muito apertado pra quantidade de pessoas que havia ali.
O samurai olha em volta, e nota que Ohagi estava na mesa mais ao fundo, possivelmente onde aconteciam as maiores apostas. Observava a mesa sentado, os olhos fixos nas mãos habilidosas do crupiê que lançava os dados. Tinha a companhia de duas belas jovens, também em trajes indecentes. Uma estava com os ombros expostos com um dos seios quase totalmente à mostra. O tecido caído cobria-lhe apenas o mamilo de forma desleixada, e a outra exibia as pernas cruzadas, expostas por uma fenda exagerada. Ohagi tinha um copo de saquê na mão.
Toshiro se aproxima e cumprimenta Ohagi formalmente. O homem, cujos cabelos grisalhos e pés-de-galinha nos olhos revelavam que já passava dos quarenta, apesar da constituição sólida, trajava um Gi impecável. Ele sorriu quando Toshiro o cumprimentou, e respondeu com cortesia.
-"Yamamoto-dono. Seja bem vindo ao meu humilde estabelecimento. Se sentindo com sorte, hoje? Ou, quem sabe, solitário?"- o homem faz sinal para que Toshiro se sente, e desliza sutilmente a mão pelas pernas da jovem ao seu lado.
-"Sua companhia será suficiente. Porém, um chá suave será oportuno." - Toshiro sorri e se senta à mesa.
O homem estala os dedos, e o crupiê encerra a mesa. Os jogadores logo se dispersam, seja indo para outras mesas ou buscando conforto no calor de alguma das moças à disposição. Sob ordem de Ohagi, a moça dos ombros expostos vai buscar chá para Toshiro.
-"Negócios, então. Em que lhe posso ser útil, velho amigo?"- Ohagi leva seu copo de saquê até a boca. A moça de belas pernas as descruza e cruza novamente. Toshiro estava sentado de frente para a moça, e não pôde deixar de reparar que a jovem não usava nada por baixo de seu yukata. A moça percebeu que fora observada por Toshiro, e lançou-lhe um sorriso lascivo.
-"Um figurão de Choushuu. Ele tenta um acordo com os gaijin"- Toshiro para de falar, e lança novamente um olhar para a jovem seminua que o olhava com lascívia
-"Moça, você não quer escutar essa conversa. Se ficar, compreenda seu destino."- Toshiro desvia o olhar da moça e pousa os olhos sobre Ohagi, que o observava com um sorriso.
-"Eu aplaudo solenemente um homem cauteloso. Mas não se preocupe, amigo. Eu mesmo compartilho de suas preocupações."- Ele segura a moça pelo queixo, e ela abre a boca vermelha, expondo a Toshiro o fato de que a moça não possui língua.
-"Ainda desenha, ainda aponta. Acho que sou mais severo."- o tom de Toshiro era definitivo. Ele não falaria enquanto não estivessem a sós. Aparentemente, Ohagi compreendeu. Ele bate palmas. A moça descruza as pernas novamente, e se levanta. Ela beija bochecha de Ohagi, e sopra um beijo pra Toshiro. Ela vira de costas, ainda olhando para o samurai e sorrindo, e então se afasta, movimentando de forma exagerada os quadris. A outra moça traz o chá, depositando a bandeja na mesa em frente a Toshiro. Em seguida, ela desliza a ponta dos dedos pela mesa e pelos braços do hitokiri, e se afasta, indo em direção as mesas de apostas.
[color=#663399]-"É como se diz: o cliente sempre tem razão."- Ohagi abre um largo sorriso e espalma as mãos.
-"Minhas meninas gostaram do senhor, Yamamoto-dono. Aproveite, só se vive uma vez. Mas, negócios. Onde estávamos? oh sim, Choushuu. Dadas as suas afiliações, e a situação política atual do feudo, que não é das mais agradáveis, imagino que estejamos nos referido a Tshuchimichi-sama?"Toshiro assente de forma direta e rápida, sem rodeios ou meias-palavras. Ohagi parece aprovar a atitude do samurai.
[color=#663399]-"Sim, eu posso ajudá-lo. Porém, eu mesmo preciso de ajuda. Sou um homem de negócios. Tenho certeza que o senhor entende, Yamamoto-dono. E, como tal, espero que meus negócios dêem retorno. Contudo, meu.... sócio, podemos chama-lo assim, aparentemente pensa diferente de mim, em mais de um aspecto importante. Eu fiz a ele uma proposta considerável pela sua parte em nosso empreendimento, mas ele tem hesitado. Talvez com alguém com suas capacidades o incentivando, ele se sinta mais motivado a assinar os papéis.
Toshiro coça o queixo, refletindo por alguns instantes.
-"Ohagi-desu, então ele precisa assinar os papéis?"Ohagi se acomoda no seu assento. Ele retira um cachimbo de sua manga, e o acende com uma caixa de fósforos. a fumaça espessa e o cheiro adocicado revelam um fumo de excelente qualidade, supreendente bom gosto de Ohagi.
-"O sócio em questão é meu irmão, Taisho. Mesmo homens como eu tem seus próprios códigos de conduta, Yamamoto-dono."- Ohagi era um
bokutou¹ até os ossos, Toshiro sabia.
Toshiro reflete por um momento, e então aceita os termos de acordo proposto por Ohagi.
-"Taisho é um degenerado. O senhor irá encontrá-lo no estabelecimento do outro lado da rua, provavelmente adormecido pela razão pela qual eu gostaria de encerrar nossa sociedade: ópio."***
Assim, Toshiro atravessou a rua, visando encontrar e persuadir Taisho à assinar os papéis que seu irmão Ohagi entregara a Toshiro, papéis esses que iriam transferir toda a operação de Taisho para Ohagi.
O estabelecimento do outro lado da rua mostra-se uma quase ruína. O primeiro andar fede a mijo e tem uma série de mesas de mahjong com pessoas de idade jogando. Um disfarce comum. Toshiro caminha até o fundo, onde encontra uma escada para o andar superior. Na base da escada, um brutamontes armado com uma espada faz as vezes de Leão-de-chácara.
Toshiro se aproxima e diz que quer subir para falar com Taisho. Porém, o homem o ignora. Diz que para entrar, é preciso comprar a entrada. O valor não é alto, mas Toshiro se sente insultado pela forma com a qual o homem se dirigiu a ele. Toshiro então é mais incisivo em sua ordem de deixá-lo passar, mas o homem não o leva a sério e pousa a mão sobre sua espada.
Ele nem viu quando Toshiro sacou a espada. A lâmina cortou-lhe a garganta com precisão, e o homem perdeu as forças e caiu morto antes que pudesse sequer perceber que fora atacado.
Toshiro sobe as escadas. No andar de cima, uma fina névoa de fumaça parece permear o ar. Uma série de pessoas, de várias idades e ambos os sexos, estão deitadas em almofadas pelo hall principal, entorpecidas pela droga. Toshito grita o nome de Taisho, dizendo que tem uma mensagem a ser entregue.
Dois homens de espada em punho respondem ao grito de Toshiro, saindo da última porta do corredor. O samurai troca alguns golpes com eles, mas eles não são páreo para Toshiro. Em pouco tempo, ambos estão mortos. Toshiro se aproxima da porta por onde eles saíram e entra no cômodo.
Nele, um homem na casa dos trinta anos está sentado atrás de uma mesa. Seus traços não enganam, é ele o irmão de Ohagi. Os dois são muito parecidos. O homem fuma um narguile.
-"Então, o dia chegou. Meu irmão enviou um assassino para me matar."- ele diz, enquanto traga profundamente seu narguile.
Toshiro explica a Taisho que não fora mandado para matá-lo. E exige que ele assine os papéis.
-"Eu não pareço ter escolha. Mas, talvez, eu possa lhe oferecer uma contra-proposta? Como você disse, eu preciso de homens inteligentes. E você parece bastante inteligente."-"Não trabalho com ópio, Taisho-desu. Essa mercadoria é lucrativa, mas perde-se clientes."-"Vê? um homem razoável. Eu não pretendo que você trabalhe com ópio, assassino-dono. Mas, quem sabe, o senhor tenha menos restrições quanto a jogo?"- Taisho serviu uma xícara de chá e convidou Toshiro a sentar-se à mesa.
-"Ohagi é um tradicionalista. Ele acha que os estrangeiros são um problema. Já eu, vejo neles oportunidade. Eu estou em vias de concluir um negócio com os ingleses e logo poderei expandir a minha operação. Ohagi teme isso. Ele quer tomar o controle para encerrar a minha operação, o homem sem visão. Mas, eis minha proposta: mate Ohagi. Como irmão e sócio, eu herdarei a operação dele, e lhe darei controle sobre o cassino. E então, você segue a sua vida, e eu sigo a minha."- Taisho toma mais um gole de chá, enquanto observa atentamente Toshiro.
-"Não, sua proposta não é adequada. Assine os papéis de seu irmão. Eu preciso da informação que ele possui."- Toshiro estava apreensivo. Talvez fosse necessário usar a força. Porém, não lhe agradava. Não havia honra em massacrar um homem desarmado e destreinado, mas faria o que a missão lhe exigisse.
-"Eu sou bem conectado. Talvez eu possa ajudar com essa informação."- Taisho insistia. Ele não tinha escolha além de tentar barganhar.
[color=#ffffff]-"Certamente poderia. Porém, eu fiz um acordo e preciso honrar com minha palavra. Assine os papéis."- O samurai estava irredutível. Taisho ainda tentou olhar ao redor, considerando suas opções. Lutar não era opção, fugir aparentemente também não. Havia apenas uma porta, mas para alcança-la teria de passar por Toshiro. Não haviam janelas. Deu-se por vencido.
-"Que seja, então! Maldito seja você. Me dê os malditos papéis para que assine."Seguindo os termos do acordo, Toshiro poupou a vida de Taisho e foi embora. Cruzou novamente a rua, e suspirou ao retornar até o cassino onde Ohagi o esperava. Ele estava sentado no mesmo lugar de antes, e conversava animadamente com as duas moças de antes. Os três sorriram quando Toshiro se aproximou e entregou os papéis. Porém, quando o samurai contou a Ohagi sobre a proposta de assassiná-lo, o seu semblante fechou.
-"Taisho sempre foi um garoto mimado. Mas não achei que ele teria os colhões para mandar me matar. Fiz bem em mandar o senhor e não um de meus garotos, Yamamoto-dono."- o bokuto colocou a mão sobre o ombro de Toshiro em agradecimento. Em seguida, ele fez um sinal com a mão, e ambas as moças se levantaram e se afastaram.
[color=#663399]-"Tsuchimichi está em Choushuu. Porém, ele tem um encontro com um embaixador do Shogum na próxima semana. Acontecerá em Kyoto, mas fora da cidade."- Ele lhe entrega um rolo de papel, onde consta os detalhes do encontro e do local.
Em seguida, ele faz um sinal com as mãos, e as moças voltam. A de ombros expostos senta-se ao lado de Toshiro, e desliza a mão pelo peito de Toshiro, tentando encontrar uma brecha no tecido para tocar-lhe a pele. Ela lhe lança um sorriso lascivo, convidativo.
-"Com os negócios concluídos, é hora da celebração, Yamamoto-dono. Por favor, desfrute da nossa jovem Imouto. Ela ainda é inexperiente, dizem os incautos. Por conta da casa, é claro. Qualquer coisa que o senhor queira beber, basta pedir. A sua contribuição foi muito apreciada, mas agora preciso me retirar. Divirta-se."- e então Ohagi se retira, acompanhado da moça muda.
- Notas:
¹- Grupo de bandidos que explorava jogo ilegal e prostituição. Décadas depois, dariam origem aos Yakuza.