Durante a conversa entre os dois irmãos, John seguia com as mãos firmes nas cordas que se amarravam as rédeas de seus jumentos. Seus olhos sempre buscavam algo a frente, atentos ao caminho, mas certamente estava escutando a conversa e uma grande dúvida e curiosidade crescia dentro de si. Estava se segurando para não se intrometer, mas como se conhecia bem, sabia que era difícil.
- E o que foi que aconteceu com seu irmão pra ele ter parado ao lado da carroça, do nada, nesse estado aí? Falava sem tirar os olhos da estrada.
Ao tirar sua camisa, Gambiru sente o vento em seu corpo que lentamente ia ficando mais frio, fazendo que com os pelos de seu corpo se arrepiassem um pouco. A noite realmente chegava. Ao notar que estava sendo observado, o irmão mais velho virou repentinamente sua cabeça para o condutor da carroça, mas apenas pôde ver as brancas bochechas de John K que estavam em tons mais avermelhados, quase rubro, mas não identificar seus olhos já que, naquele momento, estavam voltados para frente.
Juninho estava quieto, tentando recuperar suas forças perdidas em todos os problemas enfrentados naquele longo e árduo dia. Mas sua mente não descansava, doía pelo desgaste físico e emocional, mas doía mais pela sensação de aprisionamento em seu próprio corpo que agora era inútil, desprezável.
Ao escutar a proposta do kemono, o galego acelera um pouco o passo dos burros. Todos sentem um leve acelerar.
- Já estamos bem perto da entrada da floresta, então acho que podemos nos encostar um pouco para descansar em sua entrada. Talvez seja até mais seguro já que ninguém se atreve nem mesmo a chegar perto daquela área.O vento frio batia mais forte, fazendo Juninho tremer levemente sua boca e sentir o alívio de poder ainda estar sentindo algo depois da dor que sentiu ao ter um machado cravado em seu peito. Logo seu corpo quase inerte pendeu para frente até que sentiu a carroça parar totalmente.
- Chegamos. Afirmou Juca, praticamente sussurrando, sem ter em sua voz nenhum tipo felicidade ao dizer aquelas palavras. Era quase um temor.
A imagem que todos viam era uma floresta densa, que mal podia se ver o que se escondia entre as altas árvores do local além dos vaga-lumes que dançavam no ar gélido daquela noite. Mas eles ainda estavam no descampado que antecedia a floresta, onde algumas grandes pedras encontravam seu descanso ao chão. John parou a carroça ao lado de uma dessas.
Ao lagar as rédeas, viu a preocupação de Gambiru em relação aos lençóis e logo fez questão de sinalizar com as mãos que ele poderia ficar com o segundo lençol.
- Não se preocupe, com a companhia de Rico e Bhu, ninguém passa frio. Sorri enquanto descia da carroça para desamarrar os animais.
- E acho uma ótima ideia encontrar algo para construirmos uma fogueira, só não vou com você para não deixar a carroça nem seu irmão sem vigia.Notando que o local era realmente quieto e inabitado por qualquer tipo de criatura hostil, rapidamente o kemono volta com alguns galhos que servem para que a fogueira logo seja acesa pela grande habilidade que o galego tinha em trabalhos manuais.
- A fogueira foi fácil fazer, mas comida devo dizer que não tenho nada além das cenouras dos jumentinhos... mas podem comer, não tem problema, eles não vão precisar mais já que não vão seguir ao nosso lado a a partir de amanhã. A floresta é muito densa. Termina sua frase enquanto entrega para o único irmão capaz de se mover uma sacola onde carregava as cenouras, não sem antes pegar uma para ele mesmo se alimentar.
O jovem agalegado não comenta nada sobre a brincadeira que envolvia comer um de seus animais, mas era evidente que havia ficado triste.
Todos se ajeitavam para dormir, agora com a barriga um pouco mais cheia, iluminados pela luz da fogueira que também esquentava um pouco mais seus corpos em meio a noite. Os grilos e cigarras faziam seus trabalhos de compor a melodia que iria guiá-los em seus sonhos, mas algo vindo de dentro da floresta fez questão de tomar o papel central da canção e os presenteou com um lindo canto que logo associaram a algum tipo de pássaro já que o sono já lhes turvavam o pensamento. Dentro desse estado entre a consciência de suas percepções e a inconsciência do sono, puderam notar que aquele som era mais humano que qualquer outra música melancólica que eles já tenham ouvido.
Parecia mais como um assobio.
Os pássaros cantavam, o corpo já se sentia mais quente e até mesmo um pouco suado debaixo das cobertas. Os olhos pesados demoravam a abrir e o corpo lento e dolorido era vagaroso ao notar que já estava acordado. Gambiru finalmente sentia a soma total de todos seus esforços do dia anterior.
Ao se sentar, notou que a fogueira já estava apagada e nenhum dos dois que lhe acompanhavam estavam ao seu lado, apenas as roupas que dera a juninho que se encontravam no lugar onde ele dormiu. Sentiu um arrepio na espinha e, em um doloroso salto, já estava em pé, girando a cabeça em torno de seu eixo procurando a todos... mas não tardou a encontrar.
Estavam os dois, Juninho e John, em frente a carroça, calados como se não tivessem trocado nem uma palavra desde que acordaram, acariciando cada um o rosto de um dos jumentos. Antes que o kemono pudesse chegar perto, a carroça partiu no sentido oposto.
Juninho notou a aproximação do irmão e virou-se para vê-lo. Estava em pé, com as roupas que vestia antes de aparecer chamuscado. Se sentia bem, muito bem na verdade, mais leve do que nunca se sentira antes, como se todo peso que um dia carregara em seu peito houvesse sido queimado no dia anterior e as cinzas voaram para longe com os fortes ventos da noite. Estava totalmente recuperado.
De costas para os dois se encontrava John K., olhando sua carroça sumindo no horizonte.
- Minha sorte é que eles são os melhores com quem eu já trabalhei, porque nem mesmo eu sei voltar sozinho para cidade onde eu moro, mas eles... claro que eles conseguem... Passou a manga de sua camisa nos olhos enquanto sua voz ficava embargada, mas logo respirou fundo e girou nos calcanhares até para olhando firmemente para os olhos dos irmãos
- E então? Vamos ou não vamos entrar logo na floresta da flor, lugar onde dizem que nenhum homem de coração pesado que adentra essa terras consegue encontrar seu caminho de volta? Estava sorrindo, tentando fazer com que aquela frase tenebrosa parecesse algo feliz.
Mas dentro de si, todos eles sabiam que qualquer que fosse a decisão tomada, suas vidas já não possuíam mais um caminho de volta, tudo para trás já estava em escombros.
Tudo que eles podiam fazer dali em diante era decidir como seriam os seus futuros.