O Caminho pela neve

A vida pacata de Zhou Lin seguia normalmente com seus afazeres domésticos e do campo, vida essa que ela adotou após seu casamento precoce. Ela era filha do mestre Xei Yen, um velho mestre de artes marciais e filosofia, que dedicava seus ensinamentos em uma pequena aldeia no interior da China. Xei Lin, agora dita Zhou Lin, casou-se com seu amigo de infância, Zhou Feng a pouca mais de um ano. Ele era filho do melhor amigo de seu pais e o casamento foi uma grande celebração na aldeia.
A excelente performance em artes marciais de Lin foi deixada de lado à medida que ela passava a se dedicar ao lar, seguindo os passos de sua mãe, Mei. Feng não era exatamente bom em lutas, mas gostava do estudo da medicina e estava se dedicando ao cultivo e estudo de ervas medicinais. Ele nunca tinha impedido a esposa de seguir no caminho do kung fu, mas a menina quis assim.
O casamento ia bem, até aquele fatídico dia...

Naquele dia, ambos saíram para cultivar a terra e plantar, após o almoço ele iria para um pequena estufa cuidar de suas ervas e ela iria para o campo colher alguns legumes. Ela não esperava, mas se descobriu hábil na coleta dos vegetais. Fazia isso com alegria e cantarolava enquanto o fazia, já pensando no que faria para o jantar.
O dia estava frio, por mais que ainda não fosse o auge do inverno, a neve já tingia de branco o chão por toda a extensão das terras onde sua vista alcançava. O nublado indicava que a noite chegaria mais cedo e Lin decidiu que era hora de regressar. Com sua cesta em mãos, bem guarnecida, ela rumou para seu lar. Uma antiga canção chinesa passava por sua cabeça e saía por sua boca em um murmurar suave e alegre. Ela não via a hora de chegar e se aquecer diante do fogão e conversar com Feng. Tinha certeza que ele também pensava o mesmo e se preparava para retornar ao lar. Ao avistar a casa ela sorri e acelera o passo para chegar o quanto antes.

- Feng! - gritou animada para o marido anunciando seu retorno - Já está em casa? Pode ir colocando a água no fogo! - esperava ouvir a voz dele vindo da casa ou da estufa, mas nada ouviu. De início não estranhou achando que ele poderia ter se afastado um pouco da casa, só que esse pensamento não duraria muito. Viu as estranhas marcas vermelhas e acelerou o passo - mas o que é isso? - o ar lhe faltou por alguns segundo quando teve certeza que não eram pétalas de flores vermelhas e torceu para que fosse o sangue de algum animal recolhido por Feng.

Ela abriu a porta devagar encarando o escuro no interior do ambiente que já devia estar com os castiçais acesos.

- Feng? - chamou novamente pelo marido - Feng, está em casa? - tinha medo do que podia encontrar dentro de casa e seu coração estava acelerado e a respiração ofegante. A mão que empurrava a porta tremia de preocupação.

O silêncio do lugar era quase palpável, o que fez um arrepio percorrer a espinha da pequena Lin, mas mesmo assim ela reuniu coragem e entrou em sua cozinha, ficando horrorizada com o que viu. Seu altar destruído e a espada da família desaparecida, a Yín LongXïn. A Âmago do Dragão Prateado, como era conhecida a espada, representava a sabedoria e a força do clã de Feng. Nada daquilo fazia sentido para ela e novamente ela gritou pelo marido.

- Feeeeeng! - achando aquilo tudo muito estranho, ela deixou a precaução de lado e entrou com tudo na casa e foi olhar cômodo por cômodo, mantendo os punhos erguidos caso precisasse se defender de algum ataque surpresa. Ela tinha esperança de não encontrar nenhum ladrão ali, mas sua preocupação agora era com o esposo - Feng! - então ela vai até as janelas abertas para olha em volta da casa.

Mesmo com os olhos marejados, Lin vasculha sua casa não entendendo porque invadiriam uma casa pobre, será que só a espada da família havia sumido? Não fazia sentido, já que era uma simples espada, sem valor material - apenas o valor sentimental e talvez histórico. Suas economias ainda permaneciam no mesmo lugar e isso só deixava a situação mais estranha.
Sem mais nada na casa para vasculhar, ela seca as lágrimas com a manga de sua túnica curta e, preocupada com o marido, resolve sair. Ela respira fundo buscando se acalmar e acende o lampião, rumando para o exterior da casa. Talvez a neve revelasse algo, uma pista ou pegadas que lhe indicassem um caminho. Talvez Feng estivesse ferido ou perdido na mata próxima ou tivesse rumado para a vila.
Por precaução, ela pega uma ferramenta agrícola, como um rastelo ou garfo de feno, que pode servir bem como uma lança, e vai até a mancha diante de sua porta e procura por pegadas antes que a neve que caía cobrisse qualquer vestígio de seja lá o que for que passou por ali.

A jovem Lin confirmou que suas economias estavam bem escondidas e seguiu pela nevasca com seu lampião, perdendo aos poucos a trilha na neve, o que era desesperador, afinal, ela precisava de um rumo. Obviamente se afastavam da cidade e ela fica na dúvida se voltava para a cidade buscar ajuda ou se seguia sozinha, pois voltar poderia ser crucial para salvar o marido, mas seguir sozinha também era perigoso. Decidiu voltar para a cidade e buscar ajuda e foi até a casa de seus pais, mesmo estando tão tarde e escuro. Não seria a neve forte que a barraria.

- Pai... - batia na porta da casa - pai socorro! Sou eu, a Lin... abre por favor... acho que levaram o Feng... Ele desapareceu e... tinha sangue... Pa...i...

Quando a porta da casa se abriu, Lin jogou-se nos braços do pai, com tremores que iam muito além do frio. Seu pai a acolheu e junto a sua mãe, ela se aqueceu e aceitou a bebida quente ofertada por ele. Respirou fundo para acalmar-se e começou seu relato:

- Eu... acho que sequestraram o Feng... eu estava indo atrás dele, seguindo umas pegadas na neve, mas elas começaram a desaparecer... Achei perigoso ir sozinha e por isso vim até o senhor - ela tremia e tinha os olhos vermelhos - tinha sangue na porta de casa e a espada da família sumiu, mas nossas economias estão no mesmo lugar de sempre. Vim em busca de ajuda. O senhor sabe se a família do Feng tem algum inimigo, ou mesmo a nossa? Por sequestrariam ele? Ou eram ladrões e o Feng foi atrás deles... eu não sei... eu não sei... tenho que descobrir - ela se levantou disposta a não perder muito tempo ali - minhas coisas...

Como sempre as palavras de seu pai, o velho mestre, eram calmantes e precisas para a jovem Lin. Uma sabedoria que ela almejava um dia alcançar.

- Tem razão, meu pai - ela suspirou - me deixei levar pelo desespero - ela foi se acalmando aos poucos enquanto bebia mais um gole do chá e refletia em cima da sabedoria de seu pai - eu irei atrás de Feng. Mesmo estando algum tempo sem treinar, sei que tenho condições para enfrentar qualquer perigo. Tenho todo o equipamento de que preciso aqui na academia e o levarei comigo.

Por fim, ela encara o velho homem à sua frente e sorri para ele antes de ir para o salão de treino. Ela tinha uma espada dada por seu pai no dia de sua graduação e por sorte tinha deixado na academia, em segurança. Antes de partir, abraçou os pais e fez uma oração aos antepassados para que pudesse seguir seu caminho com segurança. Um pouco mais agasalhada, Lin partiu antes do amanhecer e voltou para o ponto onde a neve começou a cobrir as pegadas.

Voltar à sua casa não teve o mesmo gosto de outrora, agora estava tudo vazio e quieto. Sua bela casa. Seu lar... incompleto sem seu marido.
Como estava decidida a ir atrás de Feng, Lin se prepara antes de sua jornada: faz uma longa meditação, se alimenta e prepara uma mochila com tudo que necessita para uma viagem. Pega um pouco de dinheiro e o resto o esconde novamente e, antes de sair, tranca bem sua casa. Ela estava motivada com as palavras sábias de seu pai.
Ver aquela marca de sangue foi mais um incentivo para pôr-se na estrada e assim o fez, seguindo pelo mesmo caminho que seguiam as pegadas anteriores. Mantinha a esperança de encontrar Feng com vida e isso a motivou a caminhar com afinco pela neve.

Seguindo as pegadas, Lin chega à floresta, apreensiva. Era estranho bandidos seguirem pela floresta, mas era um bom lugar para se esconderem ou despistar perseguidores, mas ela estava determinada a seguir em frente. Ela segue até o bosque com cautela.

Agora a mata parecia diferente para Lin, como se ela conhecesse um outro lado da floresta, mas não era nada mais do que a sua visão modificada pelo amadurecimento forçado que ela tinha tido nas últimas horas. Não um passeio bucólico pela floresta, e sim uma busca. O silêncio era tanto que ela ouvia sua respiração e passou a respirar mais devagar para conter aquele ruído, mas era inútil. Era uma sensação horrível. Ela mantinha sua caminhada sem parar sempre mentalizando coisas boas até ser interrompida por uma movimentação mais a frente. Ela sacou a espada e aguardou, poderia ser só um animal, mas também poderia ser um dos captores de seu marido. Esconde-se atrás de uma árvore.