A alusão a serem inimigas pairou no ar sem resposta direta. Era óbvio que a novata havia se apegado àquela que fora a primeira a estender-lhe a mão no meio da escuridão, mas havia um claro limite em relação àquilo que a vampira estava disposta a fazer para protegê-la. Não arriscaria o próprio "pescoço imortal".
Em suma, mesmo se sobrevivesse, aquele não era um mundo gentil e as alianças baseavam-se em amarras políticas, disputas de interesses e regras diplomáticas. Violentas regras.
Entraram no carro de Ezra, deixando a Brujah para trás. Gábor indicara as “Luzes” como destino o grupo.
Aquele era o conhecido “bairro Asiático” da zona Sul, pouco depois do rio das Pedras. Era lar de toda a oposição inerente ao clichê: nalguns cantos, símbolos de diferentes tradições, indo da China ao Japão ou à Coreia do Sul. Noutros, inovações para todos os gostos, de artigos eletrônicos a moda e beleza. Mas aquilo era Santa Dômina, de modo que outra camada se somava.
A da divisão social.
Ao mesmo tempo que se podia encontrar produtos de ponta a preços absurdos, versões piratas de procedência muito questionável estavam logo à esquina. O que importava, de qualquer forma, eram as aparências.
Num post nas redes, dificilmente se diferenciaria um original dum fake.
O que importava é que lá era indiferente estarem em 2019 – ou “quase 2020” nalgumas mentes mais dinâmicas.
O que contava é que estavam no futuro.
Era também a “Meca Fashion”, cuja avenida principal acumulava grifes internacionais de haute couture, salões com filas de espera de meses e clínicas das celebridades. Além, seletas agências de modelo das quais, prometia-se, os próximos grandes nomes da semana surgiriam. Um paraíso para se passear, almejar ou – apenas para um pequeno grupo – realmente consumir.
Àquela hora, a iluminação artificial tornava o lugar simplesmente mágico.
Pararam sob um sinal de trânsito.
Sob a arquitetura vanguardista da fachada de um centro de convenções, atendentes distribuíam amostras de champanhe – obviamente legitima – a quem tivesse ingresso para os desfiles da noite, uma verdadeira parada de ideias impressionantes na estranheza e ousadia.
Enquanto jornalistas, especialistas, estudantes, artistas, gente do meio ou simplesmente curiosa juntava-se à porta, seja para entrar, seja para observar aquele inusitado movimento, uma recepcionista cansada segurava o segurar o choro ao sentir o salto destruindo dela os pés e a coluna. Já estava de pé e sorrindo fazia mais de 10 horas.
Não que o retorno financeiro valesse tanto a pena.
Garoava leve naquela noite.
Seguiram em frente.
Passaram a “área das luzes”, a “Nova Tóquio”, com telões e letreiros luminosos ao estilo “Time Square”, “Shibuya Crossing”. Lojas 24h enfeitadas de neon ou lanternas tradicionais.
Num canto, uma popular megastore de k-beauty brilhava e projetores e leds. Não era nada barata, mas definitivamente mais acessível que o resto.
Virando a esquina, entretanto, já era possível perceber a mudança de clima. Em estabelecimentos menores, casas ultraespecializadas dominavam com produtos para todos os gostos e preços. Um grupo de adolescentes harajuku observava acessórios inspirados numa famosa franquia de animes que misturava robôs gigantes e problemas de saúde mental. Faziam barulho e chamavam a atenção de turistas visitando a localidade.
Aquele lugar era uma espécie de Disneylândia onde fantasias loucas pareciam possíveis de serem realizadas, onde se podia parecer e sero que se quisesse.
Por baixo de toda aquela maquiagem, entretanto, o perigo rondava risonho, escolhendo a dedo a próxima vítima.
- Aqui. Estacione aqui - pedira Gábor.
Numa contradição, as redondezas desses núcleos tornam-se subitamente agourentas e com baixa iluminação, armadilhas noturnas.