"E o que exatamente ela está fazendo aqui?", reverberara à apresentação de Letícia. O tom de Válery era sério, mas parecendo mais guiado pela dúvida que pela reprovação em si. Devia haver algum motivo plausível para o fato inusitado dela estar a salvo no meio daquele bando.
- Estávamos prontos para Aduke e o candidato dele. Não esperávamos tanta gente.
- Espero que não seja um problema, minha cara. Foi um encontro fortuito. Creio que esses jovens podem ajudar no meu argumento. Convido todos para estarem juntos e receberem a hospitalidade da casa.
- E agora damos abrigo a... – Resmungara Jezabel, nalgum ponto beirando o infantil.
A chefa de segurança concordara, convidando aquela “horda” a acompanha-la. Seja lá o que aguardasse no final, seria um espetáculo com grande plateia.
O terraço da Torre Serracosta era dividido em quatro blocos, separados por um “teto verde” em forma de xis – ou cruz.
O primeiro poderia ser descrito como uma entrada de presídio disfarçada de recepção de lux. Peças de arte e móveis de caros compunham a decoração tanto quanto os seguranças armados, as câmeras, as telas de vigia e os equipamentos para garantir que nada pegasse a “presidência” de surpresa. Temiam assaltos ou um ataque terrorista? Tratava-se aparentemente do único acesso àquele cume.
Não havia sinal algum da figura berrante de Sakuya até o momento.
Dirigiram-se à próxima ala, sem desperdiçar mais tempo no jardim suspenso. O vento era forte ali. Teria Hugo notado que ninguém se incomodara?
Entraram no grande “hall”, um amplo salão dos que podiam ser convertidos no que viesse a calhar: espaço de festas, sala de jantar natalino,... ou tribunal. Sem muito o que competir aos olhos, era fácil ler de imediato a situação: numa grande poltrona central, quase como um trono, uma mulher de aparência jovem sentava-se, claramente a líder de tudo aquilo. Além, apenas uma presença elegante e altiva, à direita dela.
Interromperam o que fosse que conversavam ao perceberem a aproximação daquela onda de gente.
As visitas detiveram-se à frente da “chefe”, ao que Válery fez uma mesura e colocou-se ao lado direito dela, após anunciar os presentes:
- Senhora Júpiter, trago aqui nosso membro Aduke e o protegido dele, Hugo Fernandes. Ele trouxe como convidados Jezabel e Gábor. Com eles, Ezra, apadrinhado de Kadir, e Letícia...
- E quem seria “Letícia”? – questionara a figura de pé, com um olhar difícil de decifrar.
- Respeitável Vincent... ela é o... o “acidente” de Jezabel e Radiance.
Uma sobrancelha erguida em dúvida fora a única mudança de expressão visível. “Perdoem-me pela situação”, interferiu o homem mais velho. “Esses jovens são portadores de notícias que podem ajudar no meu pleito”.
Aquilo não fora o suficiente para descartar a desconfiança, mas o pequeno conselho parecia disposto a ouvir o que estivesse a ser colocado lá. Logo, puseram-se a deliberar.
- Aqui trago um homem de negócios, de ambição. Passei a observá-lo há algum tempo, de modo que creio que seja o momento de fazer valer meu direito a um discípulo.
- Não é boa hora – interferira Vincent, como se fosse a força mais relutante ali, quem precisava de convencimento. Era como a voz a aconselhar a realiza – Muitos problemas recentemente, tensões diversas em vários campos... .
- E mesmo assim Kadir teve direito a trazer alguém da escolha dele.
- Sim – concordara.
Vincent era difícil de definir. Tinha traços fortes, bastante marcantes, apesar de andróginos. Um rosto que tendia mais ao de uma mulher, mas falava de maneira bastante grave. Tinha um estilo único.
Transitava entre o sedutor e o perigoso, uma rosa com espinhos de aço. O olhar gelava.
Já Júpiter era mais uma modelo dalgum tipo artístico e contemporâneo de moda. Dos tecidos ao cabelo, era pouco tradicional.
- Deve saber o que é um "salto de fé". Jogar-se no abismo sem questionar. "Crer para ver" – tomava a palavra, assumindo a direção da situação. – Somos uma "família" de escopo mundial, unida por “laços inquebráveis de sangue”. Pode pensar nos "Maçons", nos "Illuminati" etc. Uma mistura de recursos financeiros e conhecimentos místicos – falava a sério, apesar de dizer coisas absurdas.
Continuara, mencionando crer que Aduke já havia introduzido-o à proposta. Estava sendo convidado a associar-se a um “clube” que tinha mais que recursos financeiros. Qualquer pessoa racional avaliaria aquilo como fantasia, apesar de considerar tentadora a oferta. Gente como aquela era responsável por erguer estados, apesar de excentricidades.
Havia, porém, o farol de perigo permanente: gente rica e fanática era capaz de acobertar atrocidades inacreditáveis. A questão era se essa “capa” serviria para ajudar Hugo ou se seria usada contra ele.
- Você pode não acreditar, é direito seu. Mas pode arriscar e entrar mesmo assim. O que somos? “Bruxos”? Impossível? Então o que temer? E você pode recuar, deixando de lado a oportunidade de ter acesso a todos os nossos recursos. Digo apenas isso: uma vez que revelemos a você o que somos, não há retorno. De forma alguma. Apenas garanto que mundo completamente diferente e inacessível se abrirá a você. Um que você nunca, nunca alcançaria na sua vida, não importa o quanto se esforce. Está ciente?
Para Letícia, aquela situação era totalmente inacreditável, uma vez que fora privada do direito de escolher. Já Ezra podia reconhecer aqui e ali as mesmas palavras que foram a ele ditas.