Era impossível perceber as estrelas daquele ponto da cidade, fraca luminosidade frente a sóis artificiais que iluminavam escritórios, fachadas e passagens públicas.
Cometas sonoros cortavam velozes as ruas, ameaçando atropelar corpos menos celestes.
O relógio batia já as 22h, mas o dinheiro não dormia.
Assim como a Cidade Alta.
Lá era o pulsante coração financeiro de Santa Dômina. Uma realidade paralela por onde a pobreza chegava apenas de maneira periférica. Ou em subempregos – afinal, não importava a situação, ricos sempre optavam por pagar mal “serviços menores” –; ou separada pelos vidros dos poucos ônibus que cruzava a área – número apenas suficiente para que o pessoal da limpeza, secretariado etc. chegasse na hora.
Apesar disso, a violência sempre chegava.
Na TV, sempre ela, a âncora dava notícias desanimadoras para a população em geral. Novidades que muitas vezes significavam oportunidades de negócios para a classe abastada.
Na superfície, aquela lógica era justificada, máquina pública incapaz de dar um nó sem que este se desfizesse ou simplesmente não estivesse lá. Mas aquela era uma Meca da corrupção. Cada chance de uma empresa privada assumir uma área antes coberta pelo governo significava apenas uma coisa: retorno de investimento de campanha – qual razão duma firma de transporte marinho, saneamento ou saúde investir em eleições se não para, ela própria, ganhar alguma licitação?
Um jogo de tronos no qual o povo era menos que peões.
Apesar de tudo, a normalidade prosseguia.
Na calçada de uma praça, o sangue vazava pelo paletó de um executivo que sangrava após uma facada certeira no rim. O relógio que ostentava fora tentação demais para o homem que o atacara. Poderia sustentar a família por muito, muito tempo com a venda daquele acessório. Ou comprar muitas, muitas drogas.
Poucas eram as almas que paravam diante daquela cena para ajudar.
No interior branco de uma galeria, a curadora, cercada de enormes quadros, proferia palavras confusas a uma plateia pouco interessada. O que importava ali era o preço das obras expostas. E o quanto se poderia lucrar com a revenda.
Como claro e escuro, o ambiente era dividido entre vestimentas sonolentas de tão sóbrias e roupas que não permitiam ser ignoradas.
Vários andares longe dali, num tradicional restaurante situado no terraço de um arranha-céu, um músico arrancava do piano melancólicas notas de jazz para acompanhar jantares cuja quantidade de comida era inversamente proporcional ao preço do cardápio. Não só os pratos pareciam arte, mas pessoas que serviam eram praticamente modelos de vitrines.
Não muito longe, no interior de um amplo espaço de coworking, trabalhadores de diferentes empresas dividiam espaço e despesas enquanto trabalhavam em projetos particulares. O monótono som de teclados e conversas ao telefone só fora rompido pelo espatifar duma tela no chão, seguido do repetido bater de um teclado contra a mesa que pouco antes o sustentava. Um surto de ira. Mas não de um adolescente perdendo num jogo online. Era um homem maduro em desespero no meio do trabalho.
O noticiário não parecia ter sido favorável a ele.
Cometas sonoros cortavam velozes as ruas, ameaçando atropelar corpos menos celestes.
O relógio batia já as 22h, mas o dinheiro não dormia.
Assim como a Cidade Alta.
Lá era o pulsante coração financeiro de Santa Dômina. Uma realidade paralela por onde a pobreza chegava apenas de maneira periférica. Ou em subempregos – afinal, não importava a situação, ricos sempre optavam por pagar mal “serviços menores” –; ou separada pelos vidros dos poucos ônibus que cruzava a área – número apenas suficiente para que o pessoal da limpeza, secretariado etc. chegasse na hora.
Apesar disso, a violência sempre chegava.
Na TV, sempre ela, a âncora dava notícias desanimadoras para a população em geral. Novidades que muitas vezes significavam oportunidades de negócios para a classe abastada.
Na superfície, aquela lógica era justificada, máquina pública incapaz de dar um nó sem que este se desfizesse ou simplesmente não estivesse lá. Mas aquela era uma Meca da corrupção. Cada chance de uma empresa privada assumir uma área antes coberta pelo governo significava apenas uma coisa: retorno de investimento de campanha – qual razão duma firma de transporte marinho, saneamento ou saúde investir em eleições se não para, ela própria, ganhar alguma licitação?
Um jogo de tronos no qual o povo era menos que peões.
Apesar de tudo, a normalidade prosseguia.
Na calçada de uma praça, o sangue vazava pelo paletó de um executivo que sangrava após uma facada certeira no rim. O relógio que ostentava fora tentação demais para o homem que o atacara. Poderia sustentar a família por muito, muito tempo com a venda daquele acessório. Ou comprar muitas, muitas drogas.
Poucas eram as almas que paravam diante daquela cena para ajudar.
No interior branco de uma galeria, a curadora, cercada de enormes quadros, proferia palavras confusas a uma plateia pouco interessada. O que importava ali era o preço das obras expostas. E o quanto se poderia lucrar com a revenda.
Como claro e escuro, o ambiente era dividido entre vestimentas sonolentas de tão sóbrias e roupas que não permitiam ser ignoradas.
Vários andares longe dali, num tradicional restaurante situado no terraço de um arranha-céu, um músico arrancava do piano melancólicas notas de jazz para acompanhar jantares cuja quantidade de comida era inversamente proporcional ao preço do cardápio. Não só os pratos pareciam arte, mas pessoas que serviam eram praticamente modelos de vitrines.
Não muito longe, no interior de um amplo espaço de coworking, trabalhadores de diferentes empresas dividiam espaço e despesas enquanto trabalhavam em projetos particulares. O monótono som de teclados e conversas ao telefone só fora rompido pelo espatifar duma tela no chão, seguido do repetido bater de um teclado contra a mesa que pouco antes o sustentava. Um surto de ira. Mas não de um adolescente perdendo num jogo online. Era um homem maduro em desespero no meio do trabalho.
O noticiário não parecia ter sido favorável a ele.