“nunca acredite no contador de histórias, apenas na história”
REENCONTRO
A música parecia surpreender até mesmo a Morte, como se fosse alguma peça do Destino, mas não seria ela que questionaria seu irmão mais velho, apenas diminuindo o volume enquanto conduzia rumo à cidade mais próxima, olhando vez ou outra pelo retrovisor interno da kombi em como Eva iria lidar com as crianças, principalmente com a própria filha.
Eva conversava com as crianças de forma magistral, como se fosse uma psicóloga com décadas de prática, fazendo com que ambas se sentissem confiassem nela, se sentindo acolhidas e seguras. O que seria difícil para um total desconhecido após uma noite surreal como a que haviam experimentado.
Alice bebericava uma xícara de chá, enquanto conversa com Eva e Mindy, observando aquela total desconhecida que a salvou tratando dos ferimentos da colega com um kit de primeiros socorros.
As meninas falavam parte do que havia acontecido, parecendo que algo bloqueava suas memórias de forma completa, provavelmente um reflexo da experiência traumática. É comum o cérebro tentar descartar ou amenizar experiências traumáticas, ao menos era o que Eva havia lido uma vez em uma reportagem, caso contrário viver se tornaria insuportável.
Ambas narravam uma noite comum no acampamento, com o grupo reunido ao redor da fogueira para contar histórias folclóricas da região, provavelmente um conto de terror ou outro, o que era comum em eventos como aquele, até que gritos eram ouvidos vindo da sede. Todos riam, pensando ser alguma espécie de trote, mas os monitores estavam sérios demais, e bem... não chegavam nem perto de serem bons atores.
Os momentos seguintes foram a interrupção dos sons da floresta e o crepitar da fogueira pelo barulho de motos, tiros e depois os gritos de escárnio e correria, é como se uma gangue de motoqueiros marginais houve invadido o local. Os mais velhos guiavam os menores através das trilhas, o plano era fugir até a cidade mais próxima e buscar ajuda policial, visto que no acampamento não era permitido o uso de aparelhos celular, para aumentar a harmonia com o ambiente natural.
A floresta era densa e a luz da lua crescente não ajudava, para o azar... ou talvez sorte, tanto Alice quanto Mindy haviam se perdido do grupo, ficando um pouco atrás deles na trilha, até que ouviram os gritos mais adiante, era como se animais selvagens estivessem caçando e devorando seus colegas. As garotas agiram por puro instinto, se embrenhando no primeiro esconderijo que conseguiram achar, um arbusto ao redor de um tronco oco.
Eva parecia entender a experiência traumática que as meninas haviam sofrido, por mais que tenha vivenciado uma totalmente diferente, não deixava de ser também algo com o que teria sempre de lidar. Sabia até onde poderia forçar o limite de ambas, decidindo encerrar a conversa por ali e tentar ajudá-las a dormir um pouco, pegando um cobertor e travesseiros para que ambas deitassem.
Por vezes, Eva reparou em Alice a observando como se estivesse analisando seus traços físicos, como se tentasse lembrar de onde a conhecia. Ainda não havia ligado os pontos, mas as semelhanças físicas entre mãe e filha eram muito grandes. Por fim, ambas as garotas caíram no sono.
Morte: - Uau, não sabia que havia uma terapeuta entre nós. Você tem jeito com os jovens, mas não poderia ser diferente após salvá-los... — olhava para o reflexo dos olhos de Eva ao ver que ela ia se recusar com um aceno de cabeça — É sério. Eu só agi em minha defesa, mesmo eu tenho que seguir uma espécie de... regras, protocolos. E não poderia salvar Alice naquele momento, por isso você estava lá, no lugar certo e na hora certo, como deveria ser.
Estranhamente o Perpétuo continuava pisando fundo no acelerador, por mais que a kombi não atingisse uma velocidade muito superior a 100 km/h, saindo da estrada de terra e entrando na rodovia que levava em direção à Hill City, como se quisesse se distanciar do local o mais rápido possível.
Morte: - Isso não foi normal, aquelas criaturas não agem assim, ao menos os que lideram a sociedade deles. Provavelmente é um grupo de fora da lei, e isso não é bom, porque vai atrair os que querem manter a lei mais importante deles... — notava o olhar de Eva um pouco perdido na conversa, afinal de contas, era um universo totalmente novo para ela: Perpétuos, essências, vampiros x e y, sua própria filha, seus poderes, tudo era novo — a Máscara. É como os vampiros chamam o sigilo que faz com que a humanidade, como um todo, acredite que vampiros não existam de verdade.
Morte: - Fico feliz que vocês tenham conseguido se reencontrar, ela parece já saber, está pronta para conversar com ela? — olhava rapidamente para Alice dormindo ao lado de Mindy, voltando os olhos para estrada — Próxima parada, Hill City.