Seu rosto coberto de sangue te olha de volta. A parede as suas costas borbulha e derrete. Insetos que nunca viu antes se batem contra o vidro do outro lado tentando passar. O zumbido das asas chamam o seu nome. Centenas de vozes minusculas gritando o seu nome. Seus olhos são escuros como o céu noturno e pontilhados de estrelas do outro lado. Quando abre a boca os insetos jorram para fora numa torrente escura que cobre tudo e racha o espelho.
O som da campainha o trás de volta a realidade. No reflexo o seu banheiro de todos os dias. Mas o rosto ainda está sujo de sangue. As mãos que logo tentam senti-lo também estão sujas. Como se tivesse esquartejado um cervo e dormido nele. Nenhuma memória justifica isso. O panico começa a crescer no escuro dos pensamentos mais básicos. O banho é a saída imediata. É uma necessidade para poder pensar de novo. A água no começo é fria demais e depois quente demais. O sangue que escorre pelo ralo faz trilhas saindo da sua pele. Os dedos tateiam em busca de um ferimento que explicasse aquilo. Nada. Nunca esteve melhor. Nenhuma acne sequer. Nem aquela velha cicatriz na testa de quando caiu da estante.
Limpo. O pesadelo devia ter acabado, mas ver todo aquele sangue te deu fome. Sentir aquele cheiro metálico fez seu corpo gritar por alimento. Não era certo. Ainda pingando começa a ouvir vozes vindo do andar debaixo. Devem estar falando alto demais. Sua mãe nunca fala alto demais. A toalha que pega primeiro está velha. Parece limpa e boa, mas dá para sentir nela o cheiro de pele morta. sua pele. Melhor pegar uma nova no armário. A porta abre e o rangido que ela tinha piorou. Ficou mais alto e ofensivo. A toalha branca cheira a lavanda. Macia e suave.
Se vestir também é automático. Assim como uma olhada no espelho da porta. Normal. Como deveria ser. Mas lá no fundo as vozes. Se arrastando para perto. Se aproximando pelas bordas. Você fecha os olhos com força e elas param. Sons metálicos no andar debaixo. Uma voz desconhecida. Um cheiro estranho que diz perigo bem lá no fundo.