Ethan K. Packer

A coisa do outro lado exulta. Dá para sentir sua alegria como ondas de calor. Elas trazem um sorriso ao seu rosto mesmo contra a vontade. Os dentes estalam e batem "Meu senhor em seu reduto se alegra! Exulta com tamanha devoção! Logo filho da Lua, quando tiver provado o valor das suas marcas, logo filho do Lobo, quando tiver provado o sangue da presa, logo caminhará sob sombra do senhor!" A coisa gargalha e gira e gira. Os braços estendidos com as garras em um louvor estranhíssimo. A coisa então segue a pular de um lado para o outro e depois mais alto para longe e mais longe.

Os segundos passam e ele não retorna. Até sua alegria contagiante se foi. "Á Cesar o que é de Cesar" A voz é doce e carinhosa. A luz clara vem das suas costas. Assim que se vira lá está ela, sob um facho de luz da lua. "Imprudente, mas como vencer sem riscos? Eu gosto de apostas." Ela se aproxima flutuando como se fosse uma pluma e ela é inconfundível. Quase humana, mas impossivelmente diferente. É como se ela tivesse saído das suas memórias da primeira noite. Ainda lembra da sua oferecendo consolo.

Ela se aproxima olhando com carinho. Um sorriso suave nos lábios.

Ela gargalha e flutua em volta de você como se não tivesse peso. "Aquela coisa não tem nada a ver com o Guardião Lunar. Não tem nada a ver com a Mãe Prateada. Não. Não mesmo. Ele te enganou?" Ela toca o seu rosto com profunda gentileza. "Meu pequeno lobo perdido. Sempre olhe de verdade os espíritos que encontrar. O Guardião Lunar lhe deu olhos que fazem seus irmãos das outras luas parecem estúpidos e cegos." Ela ainda tem um sorriso no rosto. Sua aflição parece não tirar a graça do que aconteceu.

Ela se afasta como que dançando uma música que só ela pode ouvir. "Nós somos feitos do mesmo poder que corre em suas veias. É só querer. É só fazer meu lobo perdido." Ela te encara com olhos que parecem desmontar cada parte do seu corpo. Desfiar a trama de que é feito. Um sorriso enorme se estende no rosto claro demais. Feito de luz. Mesmo assim é fácil perceber como o resto a sua volta parece escuro. "Se quer o meu conselho. Tome o que foi prometido. Prove o que foi pedido. Se ele usou palavras para te enganar faça o mesmo ou consiga quem o faça. Luna tem cinco faces que mostra a todos. Você vai precisar de ajuda."

Ela passa para trás de você. "Vim te avisar de outra coisa. Loba sem Sombra está vindo. Cada vez mais perto. Ela quer levar você para conhecer lobos perdidos e sem guia. O que vai fazer?" Ela pergunta com os braços em volta de você como uma mãe calorosa.

Ela repousa o rosto no seu ombro por um instante então o atravessa como se não estivesse ali. "O que ele disse mesmo? O Guardião Lunar o escolheu... Me diga meu lobo, não é essa a verdade? Não anda entre os mundo com a benção de Luna?" Ela parece mais escura nesse momento. Como se houvesse alguma coisa além de gentileza e cuidado no que ela é. "Ele nunca mentiu. A oferta que fez é tão valida quanto a promessa que saiu da sua boca. Você se comprometeu a tentar e ele a mostrar conhecimento e poder. A única coisa que falta meu lobo perdido é saber quem é o mestre de quem ele fala. Excitante, não é" Ela então some na escuridão que ela mesmo se torna.

Um instante depois uma batida na porta. A voz de sua mãe com um toque ou dois de preocupação. "Tem uma amiga sua aqui. Aquela estranha cheia de coisa pendurada. Você tá bem? Posso mandar ela embora?"

A água quente não consegue lavar totalmente a sensação de que assinou um contrato com o diabo sem ler. Dá para ouvir o tom de sua mãe. Ela está dando uma dura em Maria sem nem imaginar o perigo que corre. Talvez fosse até mais incisiva se soubesse. Isso, ou ela não sairia de casa nunca mais.

Quando você sai do banheiro vê que sua mãe trouxe bolo. Maria esmigalhou o seu pedaço no prato e provavelmente não saiu da primeira mordida. Sua mãe anda de um lado para outro ocupada. Assim que te vê "Essa garota é muito estranha filho. Acho que ela usa drogas. Parece uma hippie louca. Com certeza tem um parafuso a menos. Você tem que ter cuidado. Melhor mandar ela embora logo." Sua mãe cochicha tentando ser silenciosa de verdade. Mas a cara que Loba sem Sombra faz do outro lado da sala mostra que ela está ouvindo. Os olhos sérios da Sombra Descarnada fixos na sua querida mãe.

A mulher se levanta bate com cada um dos dez dedos da mão na mesa e começa andar para a saída. Sua mãe olha para você como tivesse acabado de ver... Bom, ver o que viu. "Filho, você não vai a lugar nenhum hoje. Não de novo." A voz dela não é firme e sim assustada.

Você ouve Loba sem Sombra assoprando a sua porta fora de vista e então ouve a maçaneta e ela sai.

Ethan a princípio fica apreensivo, mas depois relaxa e diz: - Mãe, você sabe como são esses professores de arte e ela é minha preceptora de Arte antiga, então pega leve, vai complicar minha negociação das cargas horárias e se eu fizer uma boa negociação ficarei em casa mais tempo e não é isso que a senhora deseja? Então tenha paciência com ela, por favor. A abraça, beija e continua: - Não me espere, nem sei se volto hoje ou durmo na casa de algum amigo perto da facul. E caminha até a porta e parte atrás de Maria, rumo ao seu destino.

A mãe dá volta na mesa e se senta perto do filho. "Eu não minto para você filho. Eu te respondo o que quiser." Ela leva um copo calmamente a boca e toma um gole grande e lento. "Seu pai achava que as lendas tinham coisas repetidas. Como as histórias de dragões que os fosseis de dinossauros inspiram. Mas sem evidência física. Mais que isso, no fim, ele achava que piramides, ou zigurates eu não sei direito, tinham alguma coisa a ver com isso. Ele tava desorientado. Ele ficava tão obcecado. Tão confuso. " Ela calmamente dá uma mordida em um dos sanduíches. Ela parece estar pensando intensamente enquanto come.

"Eu não sei porque ele deixou a gente. De verdade, isso era só pano de fundo. Acho que o problema era eu. Ou ele. Não esperava algo assim, mas ele deixou a gente e eu não vou mentir sobre isso. Me recuso a ter vergonha. Você... Não devia deixar isso encher a sua cabeça. A culpa não é sua." Ela pousa uma mão carinhosa no rosto de Ethan. A pele quente e macia combina perfeitamente com a ternura do gesto.

Ela parece achar graça "Vaticínios filho?" Ela ria algo doce e feliz. "Menino, você tá bobo hoje. Lobisomens também, é?" Ela coloca uma mão no seu braço ainda com um sorriso bonito no rosto. "Antigamente as pessoas acreditavam em cada bobagem. As pesquisas do seu pai estão no sotão. A gente pode ir lá dar uma olhada, mas tá cheio de poeira, melhor você tomar o anti alérgico, ok?" Ela se levanta e começa a recolher a sujeira da mesa. "Só me promete que vai parar com essa coisa de achar que essas besteiras são alguma coisa séria, tá? Aí eu te mostro as fotos e textos, todas essas coisas velhas e sem uso. Um monte enorme de especulação e deduções enviesadas. Saltos de fé também. Só não se deixe levar. Você é um adulto agora e os amigos imaginários já passaram." Ela diz lavando o último copo. "Te espero lá em cima. " Ela fala passando a mão no seu ombro.

No sótão empoeirado ela anda entre as caixas de papelão seladas com fitas velhas e manchadas. O lugar era meticulosamente organizado, mas estava claramente abandonado. Ela aponta duas caixas grandes... "É isso Ethan. Eu vou deixar você com os papeis dele e espero que não fique com o nariz escorrendo. Se tiver uma crise de alergia pode me chamar, eu tenho remédio lá embaixo. Pouca coisa tá em inglês, então... Boa sorte filho." Ela não faz nenhum movimento para tirar as caixas de seu lugar em meio as pilhas. Daria um pouco de trabalho, mas nada que um uratha sozinho não resolveria em poucos segundos.

Assim que ela sai você abre as caixas e encontra todo tipo de pesquisa. Fotos, depoimentos escritos, escritos antigos, desenhos e até uma estátua que cabe na palma da mão.



A estátua estava etiquetada, mas o texto só dizia "America Central" na caligrafia cuidadosa do pai.



Varias paginas amarelas na mesma caligrafia extremamente rebuscada e arcaica. Alguma língua latina provavelmente. Mas impossível saber mais do que isso. As paginas pareciam uma coletânea de cartas ou algo parecido, talvez também paginas de um manuscrito.



Um estranho e detalhado estudo anatômico em uma língua ainda mais estranha que a dos primeiros papeis.



O coração de Ethan tanta pular para fora do peito. Ele lê o texto suando frio. As palavras estão em inglês e alemão e os papéis dessa vez não são tão velhos. Informações erradas e desconexas, mas partes o suficiente da verdade para dar arrepios. Porque seu pai tinha guardado aquilo? A tinta vermelha era o ponto mais estranho, era feita com sangue e de alguma forma mantinha sua cor e cheiro.



Uma pagina de um arrancada de um livro sobre evolução e especies. Teria sido posta na enorme pilha do 'não tem nada haver" ou na do "nem sei o que isso tá fazendo aqui" se não fosse a foto encontrada logo depois.



Os olhos inteligentes demais da pantera olhavam para ele através do tempo. Olhavam para a pessoa com a câmera no escuro. Era um olhar humano demais. No verso da foto velha. "Estranho sim, meu amigo. Mas não mais estranho que o tipo de gente que se tem nos circos de aberrações. São só ossos diferentes do normal, possivelmente uma deformidade. ASS: George M.k. Howard 1992"

Lá fora o sol já abandonou o zenite e ele sabe que o almoço está em um pote na porta do sótão. Sua mãe o deixou lá em algum momento.

Infelizmente o google nem consegue ler a caligrafia rebuscada. A comida foi feita com cuidado, como sempre. As folhas de papel e as caixas o encaram enquanto mastiga. Um mistério que o desafia.