[ON] Leon: Esperança e receio

Ano terrestre 2213
Nave espacial Argo 2
Destino: Marte, planeta vermelho
Duração da viagem até o momento: 252 dias
Tripulação preparada para acordar após 187 dias de hibernação criogênica


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A capitã Elisa estava sentada na cama de sua cabine. Com os cotovelos apoiados sobre os joelhos ela escondia o rosto nas mãos, esfregando os olhos. Sentia-se cansada.

Como capitã, seu processo de hibernação criogênica foi o que durou um tempo menor para que ela pudesse acertar todos os detalhes necessários para a chegada da nave em marte e providenciar as fases de despertar da tripulação, que ocorreu por etapas com pequenos grupos acordando de cada vez.

Ela havia despertado a cerca de vinte dias. Ou seria mais? Ou seria menos? Ela balança a cabeça, as vezes tudo parecia ficar confuso, principalmente o tempo, que no espaço era mais difícil de se ter uma noção dele.

“Capitã Elisa, tripulação iniciando processo de despertar criogênico. Sua presença é solicitada na ponte”

Era a voz de Athena, a inteligência artificial do computador de bordo que mantinha todos os sistemas da Argo funcionando em perfeita sintonia.

- Estou indo, Athena. Solicitar presença de Benipe nas câmaras criogênicas

Ela responde e bate as mãos na coxa, se levantando da cama. Havia um trabalho a ser feito e ela não iria deixar que o cansaço a impedisse de cumprir seu dever.

Levantando-se ela caminha até a pequena pia em um dos cantos da cabine. Joga uma água no rosto e por alguns segundos observa seu reflexo no pequeno espelho pendurado na parede. Sorri mostrando todos os dentes, vira o rosto para um lado e para o outro e então passa a mão pelo cabelo ajeitando uma mexa que teimava em sair do lugar. Estava cansada, mas ficou satisfeita com sua aparência.

Elisa abre a porta e observa o corredor dos alojamentos. Estava vazio.

Ela sai da cabine e ao se virar para fechar a porta algo chama sua atenção. No pequeno espelho sobre a pia ela via sua própria imagem. Pela posição que estava seria impossível sua imagem estar refletindo ali, mas lá estava uma Elisa de olhos totalmente negros, virada pela ela, sorrindo e acenando.

“Te vejo mais tarde” – Ela ouviu um sussurro.

Estática, ela fecha os olhos com força e então tem um sobressalto quando sente uma mão tocar seu ombro. Era Dr Benipe.

- Capitã? Se assustou? Está tudo bem? Athena me avisou da tripulação...

- Sim! Está! – Ela olha mais uma vez para o espelho, mas nada estava refletido nele. Ela suspira. – Está tudo bem, Bene. Apenas cansaço. Vamos!

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Câmara Criogênica.

Leon mal tinha abertos os olhos quando sentiu dois pares de mãos puxá-lo para fora.

Estava frio e ele sentia um forte enjoo. Alguém lhe ofereceu um pequeno recipiente de metal que ele aceitou e então pôs-se a vomitar.

Visão turva, corpo pesado, pensamentos confusos. Era o processo de despertar criogênico.

Com dificuldade foi ajudado a alcançar sua cabine, sendo colocado deitado. Os olhos ainda estavam pesados. Ao longe ouvia uma voz que pedia que ele dormisse. Por um instante ela lembrou a voz de sua esposa. Quanto tempo não a ouvia?

Sono. Acabou dormindo.

OFF:

Leon acorda, sabia do processo e todo o embasamento teórico de como aquilo tudo funcionava, mas nada foi o suficiente para não ter as reações que o processo causava. O frio tocou sua pele como um beijo de volta a vida. A mudança repentina entre a dormência e a "volta a vida" não fizeram muito bem para o seu corpo de imediato, que pôs pra fora tudo o que ainda estava dentro de seu corpo.

Ainda tentando recuperar os sentidos, foi conduzido até sua cabine, não conseguiu discernir nada, apenas foi deitado na cama. Uma voz pediu para que ele dormisse, uma voz familiar.. Seria sua esposa? Não, infelizmente aquilo era impossível.. Se perguntou se ainda lembrava da voz dela, a tanto tempo que não ouvia.. Dormiu divagando nos turvos pensamentos.

Acordou depois de muito tempo. A vista ainda pesada, mas estava bem melhor do que antes.. Olhou ao seu redor, sua cabine estava como tinha deixado, os objetos todos arrumados. Livros sobre engenharia e circuitos estavam perfeitamente empilhados em uma prateleira. Do lado de sua cama, uma foto do seu casamento, no espelho Leon também deixava uma foto de sua esposa, tirada numa viagem que fizeram, com a paisagem da Rússia atrás..

Ainda demorou pra levantar da cama, pensava que anos atrás sua esposa deveria estar acordando da criogenia também.. Tudo lembrava a ela..

Bom, precisava ir trabalhar, estava ali pra isso. Se levantou e foi em busca de alguém que pudesse lhe delegar trabalho.

Antes de sair ele dá uma última olhada para a foto da esposa. Ele abre a porta e o ele vê é diferente do que esperava.

Ele esperava encontrar um dos corredores da Argo, mas estava em uma espécie de compartimento de carga. O local era amplo e estava mal iluminado. Não parecia haver mais ninguém ali além dele.

Os passos ecoam conforme ele anda e um objeto mais afastado chama sua atenção. Parecia uma capsula de resgate.

Se ele se aproximasse mais poderia ver que se tratava de uma capsula de um modelo mais antigo, cerca de dez anos atrás ou mais.

Podia ver o nome “Dragon” escrito na fuselagem da espaçonave.




Tinha certeza de que já ouvira esse nome antes e como poderia esquecer, a nave de comunicação que sua esposa tripulava havia sido batizada com este nome.

- Bam! – Era o som seco de uma batida. Em uma das escotilhas do pequeno módulo uma mão feminina pode ser vista ao bater no vidro.

A mão escorrega lentamente, deixando uma marca no vidro,  até sumir novamente dentro da capsula.

- Leon! Leon! Eu estou aqui... Por favor, me ajuda... Estou ficando sem ar... – Ele ouve nitidamente. Era a voz de sua esposa.

OFF:

Leon sai de sua cabine, não sem antes dar uma última olhada para a foto de sua esposa, era um hábito no qual criou nos últimos 10 anos, uma espécie de "tchau, estou indo trabalhar e já volto".

Porém, ao sair, Leon de depara com um local diferente do que esperava, "será que foi feita alguma reforma na nave enquanto estava congelado?" pensava. Mas seria impossível, teriam que falar com ele antes, aliás, ele era o engenheiro daquela tripulação. Começa a se questionar se a criogênese tinha afetado sua memória.

Avançando no corredor irreconhecível, Leon se depara com um objeto mais ao longe, ao chegar perto viu que se tratava de uma cápsula de um modelo mais antigo. De mais ou menos uns 10 anos atrás. Leon reconhece o nome na hora, "Dragon". Era o nome da nave de comunicação que sua esposa embarcou para nunca mais voltar.

Será que a tinham encontrado flutuando no espaço? Leon torce para que não, se fosse isso, provavelmente sua esposa estava morta. Não sobreviveria mais de 10 anos a deriva no espaço. Mas então, o que aquela nave estava fazendo ali?

-Bam!

Um barulho interrompeu os pensamentos de Leon, um som seco de uma batida. Em uma das escotilhas do pequeno módulo uma mão feminina pode ser vista ao bater no vidro.

A mão escorrega lentamente, deixando uma marca no vidro, até sumir novamente dentro da capsula.

De repente, Leon ouviu, e desta vez nitidamente, a voz de sua esposa, e estava pedindo socorro. Leon não pensa duas vezes em como aquilo seria possível. Imediatamente corre em direção a nave até a escotilha e usa toda sua força para abri-la.

- Mika! Já estou indo! Aguenta firme meu amor!

Leon se aproxima do módulo espacial de sua esposa. Alcança a escotilha e tenta usar a força para abri-la, mas a porta não cede. Não importava o quanto tentasse, a porta não abria.

- BAM! BAM!

Novamente uma mão batia no vidro, desta vez com mais força, antes de tornar a escorregar para dentro do pequeno módulo.

- Leon, eu não aguento mais... Por favor... Não consigo respirar... – Era a voz abafada de sua esposa.

Mesmo que olhasse para dentro na nave, não conseguiria ter uma visão de quem estava lá dentro pois o vidro da escotilha estava embaçado deixando a marca da mão ainda mais nítida. Pequenas gotículas se formam conforme o ar se adensa dentro do módulo e duas delas escorrem sobre a marca no vidro, como se ele chorasse...

As luzes do galpão piscam e se apagam.

- BAM!... BAM!... ... bam... ... ... ... bam – As batidas ecoavam no galpão escuro. Primeiro mais forte e diminuindo aos poucos.

- Leon... Leon... Estou com medo... Eu vou morrer... Não desista de mim... – A voz de Mika agora ecoava pelo galpão escuro.

Uma luz se acende iluminando apenas o local onde o módulo e Leon estavam. O restante do galpão permanecia mergulhado em um profundo escuro.

Leon podia ver que algo havia mudado. O módulo era o mesmo, mas a aparência, antes bem conservada, agora era de uma nave velha, amassada e com pontos de ferrugem nas dobras de encaixe da porta.

O vidro da escotilha, antes embaçado por gotículas de água, ainda exibia a mesma marca de mão só que agora estava empoeirado. Tudo naquela nave denotava o amplo passar do tempo.

Envolta pela poeira, a marca da mão desta vez permitiria a visão parcial de dentro do módulo. Se Leon olhasse veria um interior escuro e uma roupa de astronauta esparramada no chão. Seria impressão ou podia ver parte do crânio pelo visor do capacete?

Toc... toc... toc... toc

Atrás de si o lento som de passos se aproximando ecoam. Mesmo sem se virar, consegue sentir que, talvez ainda encoberto pela escuridão que tomava o restante do galpão, alguém parava próximo a ele

- Leon? - Era a voz de Mika que vinha da escuridão atrás dele.