Esdres sentia cada uma das partes de seu corpo doerem a cada exame feito pelo Meistre Rain, que apertava e dobrava cada uma em ângulos dolorosos para ter certeza de que não tinham perdido sua mobilidade e funções vitais. O menor movimento dos dedos fazia dores lancinantes reverberarem por todo o corpo.
Os pequenos goles de leite de papoula que o meistre lhe dera foram um alívio bem-vindo, nublando seus sentidos e amenizando as agruras decorrentes do combate. Mas a vergonha de ter perdido a disputa com Cornell, não mais um Felinight, esse padecimento ainda ia incomodá-lo por muito tempo.
Sem saber se estava domindo ou delirando acordado, Esdres via rostos flutuando ao redor dele, expressando a mais profunda decepção pelo fracasso dele, seus olhares desaprovadores e desdenhosos fazendo-o reviver a derrota milhares de vezes em suaa própria mente.
O mais curioso é que não eram as faces de seu pai, Lorde Beron, ou de seu rígido tio-avô Asdulfor, ou mesmo de seu irmão, o herdeiro Arthur.
Eram rostos femininos.
Esdres enxergava a face desdenhosa da rainha Cersei e o olhar assustado da princesa Myrcella, o que era estranho, pois em momento nenhum olhara na direção delas, mas sabia em seu íntimo que elas tinham presenciado a queda do Cavaleiro Gato do Norte.
Os rostos delas foram seguidos pelos das damas do Norte, mas não de sua mãe ou de sua irmã Lícia. Ele via as faces de Wynafryd e Wylla Manderly, preocupadas, assustadas e decepcionadas. Wylla parecia até mesmo brava com ele por ter perdido. Jonelle Cerwyn também o olhava a distância, como se rissse da arrogância frustrada dele.
Até mesmo mulheres de baixo nascimento o contemplavam com desdém e desprezo, e Esdres identificou no meio da multidão de rostos femininos a filha do ferreiro Alyse Brazier, a alcoviteira Allanys e a linda meretriz Linda. Aquelas mulheres de poucos recursos e de dignidade mais escassa ainda o olhavam como se fossem superiores a ele, muito acima do desastre em que ele se tornara.
Mas um rosto permanecia imóvel e impassível, com os olhos fixos nele, sérios e compenetrados, como a mergulharem no fundo de seu âmago amargurado. Maehra Istven.
Por trás destes rostos, uma sombra imensa e ondulante se erguia muito acima de Esdres, e ele teve que afastar-se para distinguir-lhe as formas concretas. A capa escura agitando-se ao vento, a armadura de placas completa de aço escuro e detalhes vermelhos, o cabelo liso firmemente penteado para trás, o cavanhaque ostentoso cheio de empáfia.
Esdres estava aos pés de um gigantesco Cornell, o homem que o desafiara e o humilhara.
Nas sombras da capa ondulante, surgiram rostos, faces conhecidas, ansiosas e amigáveis. Esdres reconheceu os rostos com a familiaridade de quem já os vira muitas vezes em várias situações e mapeara cada detalhe.
Eram Beatrix Poole, Anya Harclay e Daria Snow. Suas aias. Suas amantes. Suas amigas.
Apenas quando ouviu a voz de Beatrix e sentiu a mão forte de Anya a sacudir-lhe de leve o ombro foi que Esdres percebeu que não estava sonhando, pelo menos não mais.
- Você está bem, Esdres? Precisa de alguma coisa? Viemos cuidar de você. Consegue nos ouvir?