ON: ENCANTO

Seguia à distância dentre as ruínas não mapeadas e logo via sinais promissores. Tentava manter a calma quanto tudo desapareceu sem deixar rastros. Agora estava em meio a uma tormenta. Sabia que não podia confiar em meus olhos. Via coisa. Corpos. Pior ainda, coisas que caminham, tão imensas que podiam eclipsar as estrelas.

Não sabia dizer o que era real. Nem ao menos, podia dizer se existia o real. Poderiam ser meus olhos? Precisava me livrar dos meu próprios olhos.

Diante a escuridão, eu podia ouvir a respiração deles. Apesar do momento de sanidade, ela se esvai. Cada vez a lucidez vem como menor frequência. Será alguma doença? Envenenamento? Ou pior, uma maldição?! Creio que logo isso não terá importância.

Não me recordo porque estou aqui. Ou mesmo como vim parar aqui. Há mais alguém aqui. Consigo senti-lo caminhando próximo a mim, enquanto rastejo em prantos. Eu morri? Seria ele um espírito? Não. Ele sussurra em meus ouvidos. Devo estar no inferno ao lado de um demônio.

Eu ouvi a maldita risada de Cathulhu. Era ele. Era ele o tempo todo. Em meio a escuridão, sempre ali. Foi por causa dele que vim até aqui, só não recordava até agora.

Há mais alguém ao lado dele. Não consigo vê-lo, mas ele esta bem ali. Não me resta mais nada a não ser confrontá-lo por minha vida. Ele é poderoso, como se ele fosse o centro do universo. Antes que pudesse proferir qualquer palavra para conjurar minha magia, um turbilhão rodopiou e me sufocou. Não só a minha voz como também a minha mente. Ele me ofereceu clareza. Seus lábios se moveram prontos para proferir seu nome...

Acordei ofegante e suando frio em meio ao desespero de minha própria mente. Felizmente, mais uma vez estava envolta em meus lençóis. Respirei profundamente para me acalmar e então sentei-me na cama pronta para levantar atrás de um copo d'água ou uma taça de vinho. Acreditava que a pior para da noite já havia passado, quando uma sombra no canto do quarto tomou vida e aproximou-se usando da luz lunar para revelar seu semblante e então apresentar-se.

Estava pronta para atacá-lo, mas ele parecia me conhecer. E como ele não demonstrava hostilidade. Observei seus trejeitos e tentei compreender o porque daquela armadura. Mas o certo é que ele possuía um sotaque charmoso.

Levantei-me e segui até os interruptores e acendi as luzes. Olhei-o mais uma vez dos pés a cabeça. Pensava em um gracejo para repreende-lo por invadir meu quarto de forma sorrateira, mas resolvi deixar isso de lado e ir logo para o assunto.

- Vejo que não preciso apresentar-me, Vossa Majestade Arthur. - Encarei-o esboçando um sorriso malicioso. - Por favor, sente-se majestade e me conte como posso ajudá-lo? - Assim que Arthur terminar com seus dizeres. - A propósito, Arthur. Quem recomendou-me à vossa majestade? - Concluo com um sorriso amistoso.

Assim que Arthur se acomodou, eu retornei e sentei-me na cama. Apoiei meu cotovelo em uma das mãos enquanto apoiava meu queixo na outra. Atentamente ouvi cada palavra de Arthur. Embora não ficasse claro a identidade de seu tio-avô.

Esbocei um leve sorriso ao ouvir "minha amada Inês".  Considerando que vossa majestade não havia desviado seus olhos dos meu, julguei que deveria estar diante de um homem devotado. OU talvez ele só quisesse passar tal credibilidade.

Reagi com certa estranheza ao ouvir sobre esse tal direito divido ao trono de todos os reis. Isso só servia como indicador do quão poderoso Arthur deveria ser. Mas, antes de qualquer questionamento, minha postura relaxada deu lugar a uma postura totalmente tensa.

- Flamígera... - Sussurrei.

Como tão poderoso artefato poderia estar nas mãos de uma jovem garota? Se estivéssemos falando da mesma entidade que tomou controle de meu corpo era o momento de considerar que talvez houvessem outros receptáculos. Haviam vários pontos a se considerar, mas no final só havia uma verdade. Seria um problema lidar com a Flamígera, independente de quem era seu portador.

- Bem, não diria que tenho uma conexão com essa arma. - Dou de ombros. - Mas, não nego que adoraria ter um artefato tão poderoso em minhas posses. - Talvez com a Flamígera em mãos eu pudesse dar um jeito de trazer meu pai de volta e assim proporcionar-lhe o descanso merecido. - Vejo que temos um problema e tanto para resolvermos, Vossa Majestade. - Levo o indicador a boca pensativa. - Flamígera é um artefato poderoso demais. Acredito que ela possa corromper até o mais nobre dos homens. Devemos dar um fim nela assim que a recuperarmos. O que me diz, Arthur? - Encaro Arthur curiosa por sua resposta.

O rápido consentimento de Arthur em destruir a Flamígera me soou suspeito. Certamente haviam desejos ocultos na mente do rei. Mas, o tempo se encarregaria de revelar suas verdadeiras intenções.

O observo seguindo até o canto de onde viera. Será que havia um portal preparado para ele pelo tal tio-avô ou ele mesmo possuía habilidades para tal ato? Rapidamente levantei-me da cama e logo dirigi-me a ele:

- Imediatamente? Vossa Majestade desejas mesmo que eu vá assim. - Dou dois passos adiante abrindo os braços para mostrar minhas vestimentas. - Acredito que se vossa amada Inês lhe ver acompanhado de outra mulher em tais veste, Vossa Alteza terá que dormir com os cães reais. - Rio da brincadeira. Então, completo. - Se puder aguardar alguns minutinhos...

Antes de qualquer resposta de Arthur, peguei minha mochila e adentrei ao banheiro para poder me trocar. Foi o tempo vestir minhas calças, uma blusa e dar um jeito rápido no cabelo. Não queria fazer Arthur esperar, muito. Sai calcei meu tênis e após vestir minha blusa e por minha mochila nas costas segui até o canto escuro do quarto.

- Agora sim podemos ir, Vossa Majestade. - Dei uma piscadela para Arthur. - Então, para onde iremos? - Completei abrindo um largo sorriso.

As palavras de Arthur soaram-me estranhas a ponte de fazer-me relutar. Relutei a ponto de parar diante do portal e dar uma boa olhada sobre aquele portal de trevas que ele adentrava.

Talvez também houvesse um Merlin, mas questionava-me se um dos homens mais sábios das lendas e histórias do Ciclo Arturiano teria tal envolvimento com as trevas. Contudo, ficava excitada em poder ter a possibilidade de conhecê-lo pessoalmente. Mas, achava mais provável esse portal ser uma magia de seu tio-avô.

- Hey, Arthur! - Chamei-lhe atenção tentando ganhar algum tempo. - Aquelas histórias sobre Merlin, Lancelot, Galahad em companhia são reais? - Perguntei curiosa.

Se notasse algo de errado recusaria o trabalho em cima da hora. Caso não percebesse nada de errado seguiria portal adentro.

A principio minhas suspeitas pareciam não se concretizar. Apesar que aquele que de magia necromântica ainda faziam meu ser desconfiar de algo. Mas, aparentemente só consegui ter certeza do egocentrismo de Arthur.

Contudo, decidi confiar na magia divina ali infundida e segui portal adentro.

- Desculpe-me por atrasá-lo. Só estava recapitulando para ver se não havia esquecido de algo. - Sorri em tom de zombaria.

Porém, as novas palavras de Arthur mais uma vez geravam duvidas em minha mente. Apesar de nosso acordo em recuperar a Flamígera, era melhor eu tomar cuidado com suas verdadeiras intenções. Por mais nobre que ele parecesse ser, ele ainda não estava contando-me toda verdade.

Era difícil não se incomodar com os gritos daquelas almas. Em muitos momentos durante todo o caminho, eu desejei ter conhecimento sobre algum tipo de magia de silencio. Até mesmo as palavras de Arthur em alguns momentos eram abafadas pelos berros de agonia.

- Sim, compreendo. - Apenas concordei, mesmo não possuindo a mesma visão de Arthur.

Estava mais preocupada em sair daquele portal antes que os condenados conseguissem agarrar minhas pernas e me puxassem para o reino deles.

Retomei minha atenção com os dizeres de Arthur e vi o velho homem ao fim de nosso caminho. Estava prestes a conhecer aquele as historias diziam ser um dos homens mais sábios que já existiram.

Acenei em cumprimento para o velho senhor. Contudo, a forma como chamou Flamígera só me fazia crer mais que eles não abririam mão tão facil do artefato.

Assim que chegamos na sala estendi a mão para Merlin.

- É uma honra poder conhecer o grande Merlin, ou melhor, Asdulfor. - Sorri gentilmente para ele. - E sim, irei ajudá-los em vossa empreitada.

Não desviei o olhar de Asdulfor, mas o pouco que pude notar fazia-me crer que estava em um castelo.

- Então, mestre Asdulfor. Poderia me dar mais detalhes sobre a missão? - Dei de ombros. - Fiquei curiosa para saber mais sobre a japinha que está sob o domínio da espada. - Conclui.

Apesar de não recordar-me de tal fato, talvez por ele ter sido encoberto ou simplesmente por minha falta de interesse em jornais e sites de notícias, o nome Maria Helena soava-me familiar. Mesmo tendo uma memória excelente, não conseguia recordar-me onde já havia ouvido esse nome.

Cerrei o cenho ao notar a atitude do velhote. Ainda sim, ignorei a situação e deixei com que ele prosseguisse com a conversa.

- Eu compreendo, mestre Asdulfor. Só pensei que solicitaria meus poderes para tal ato. - Respondi aliviada. - Então, o senhor sugere que violemos o túmulo de Nacional Lad? - Ri expressando certo nervosismo. - Não acredito que National Man ficara feliz...

Fui surpreendida com a passagem secreta que nem ao menos completei a frase. Apenas segui Asdulfor até a próxima sala. Tudo indicava que estávamos no salão do trono. Algo que confirmei ao ver o trono de ouro, mas o mais surpreendente foi a figura feminina sobre ele. Estava certa da insanidade que pairava aquele lugar. Isso até o próprio cadáver voltar-se a mim.

Assenti com a cabeça para as palavras de Asdulfor. Contudo, não pude evitar franzir o nariz em aversão a atitude de Arthur. Voltei-me para Asdulfor e tentei retomar a conversa.

- Então, mestre Asdulfor. Por onde sugere que comecemos? - Questionei.

Quanto mais eu ouvia aquelas palavras mais eu tinha certeza de que não se tratava de nada do que haviam dito.

- Ok, mestre Asdulfor. Eu já disse que aceito. - Suspirei aborrecida. - Vou falar com esse tal de Dr. Kidd.

Antes que desse continuidade, ouvi Arthur conversando com o cadáver... No mesmo momento eu também comecei a ligar os pontos para o possível real motivo deles...

Sem mais, prossegui:

- Se puder mostrar-me o caminho de volta, ficarei grata, mestre Asdulfor. - Sorri gentilmente aguardando o mago.

Assim que o mago abriu a porta, deparei-me a alguns passos de Londres. Certamente, eu teria que aprender essa magia uma hora dessas.

Felizmente estava com meus documentos e algum dinheiro. Era tudo que eu precisava para poder viajar assim de ultima hora. No entanto, o tempo de espera para o voo fazia-me questionar se Asdulfor já não poderia ter aberto um portal direto para National City.

Pelo menos ao chegar em National City tudo já parecia preparado para minha chegada. Até mesmo fui considerada uma espiã internacional. Não posso mentir que isso me deixava excitada e por alguns instantes até considerei dizer Devereux, Lucie Devereux para os guardas. Mas, não era hora para brincadeiras.

Não bastava o frio que estava aquele lugar, toda a diversão se esvaia assim que vi o corpo de um dos legistas ao chão. Para piorar o crachá do homem era justamente da pessoa que eu deveria encontrar aqui.

Abaixei-me até o corpo e verifiquei os sinais vitais do Dr. Kidd. Caso ele ainda estivesse vivo. Mesmo não querendo fazer uso da magia demoníaca, usaria Cura Vil para restabelecer o medico. Se já estiver sem vida, tentarei procurar alguma pista do que ocorreu ali. Se não encontrar nada vou procurar o corpo do National Lad em uma das gavetas do necrotério.