Jone Felinight
"Não, minha cara meretriz, eu não vou te levar pro castelo.
Agora, encha meu copo e tire o vestido..."
Finn Swallon não era apenas o Capitão da Guarda dos Fellinight. Ele era praticamente um amigo de Beron. Havia salvo o Lorde da morte iminente quando este era apenas um herdeiro ainda. Em resumo, era um homem de alto prestígio na Casa. E Jone assim também o considerava, à sua maneira, é claro.
A busca do Cavaleiro pelo Capitão era um mero protocolo para saber o que havia acontecido após o incidente nas Minas. Seu desejo era o de um relatório completo. E Finn, servindo-os com cerveja, e também sem muitas cerimônias, deu seu próprio testemunho do que se sucedeu após os desmoronamentos.
Alexyus escreveu:
- Depois do desabamento, nós voltamos para procurá-lo, sor. Levamos dois dias para remover todos os escombros do caminho, mas não achamos nenhum rastro seu. Menos ainda dos bandidos. Perdemos três homens naquele dia, Yoren, Sigurd e Olwen. Com a chegada do senhor Allafante, levei um destacamento de homens para Breakstone Hill para recebê-los, e foi bem a tempo de impedir um confilto entre toda a caravana dele e os aldeões da vila. Eu os abriguei na Torre Mirela, mas logo o senhor Henry achou melhor acomodar a senhora Inês no Castelo dos Sussurros enquanto reforçava as forças armadas na vila para assegurar os trabalhos dos artesãos que ele trouxe. Devo dizer que ele é realmente bem eficiente e mantém um ritmo de trabalho que os nortenhos nunca viram, mas não é muito bom em ganhar o amor do povo nativo.
Jone manteve-se atento ao relato, dando alguns goles na cerveja ao longo do discurso do Capitão. As baixas seriam cobradas por Beron assim que ele soubesse do acontecido e Jone tinha plena consciência que tanto ele quanto Finn escutariam as intempéries do Lorde da Casa.
- Fez o que tinha de fazer, Finn. - Jone entornou a cerveja, terminando-a - Quanto aos mortos, não havia nada que pudéssemos fazer. Poderia ter sido tanto eu quanto você… - O cavaleiro parou, reflexivo. Possivelmente o álcool da cerveja misturado ao do vinho já estava deixando-o divagar mais do que o normal - Confesso que achei que ainda estariam me procurando, não só nas Minas mas também pelas Montanhas. - deu de ombros, como se aquilo não o incomodasse, apesar da fala sugestionar o contrário - Não vou tomar mais de seu tempo. - levantou-se apoiando as mãos nos joelhos, buscando manter seu equilíbrio - Amanhã temos um longo dia.
Assim que despediu-se, voltou para o Castelo dos Sussurros. Sua feição séria e fechada era de alguém cansado, pronto para o descanso, no entanto, antes mesmo que chegasse aos seus aposentos, interpelou um dos servos que geralmente o atendiam.
- Traga um dos barris de vinho da adega ao meu quarto. - A voz de Jone, apesar de levemente arrastada, ainda denotava sua autoridade como Castelão. - E… - fez um pausa, enquanto um quase cruel sorriso foi se formando em seu rosto - mande buscar uma das meretrizes e a leve até meus aposentos.
O servo sabia exatamente o que fazer, no entanto, antes mesmo que pudesse se virar e atender ao pedido de Jone, este fez-lhe um sinal sutil, para que aguardasse. Um último pedido, antes de sair.
- Quero que ela seja ruiva.
***
O sol mal surgiu no horizonte quando Jone se levantou. Seus olhos ainda acostumavam-se à tímida luz intrusiva no quarto que, por algumas horas, fora palco de seus devaneios. A noite anterior tinha sido regada a vinho e luxúria, com a presença de uma mulher de cabelos ruivos escolhida deliberadamente para alimentar suas fantasias inconfessáveis. Enquanto vestia sua roupa, a lembrança da pele alva e dos cachos flamejantes da meretriz ainda marcavam sua mente, mesmo que ela já tivesse saído do Castelo horas antes que todos ali acordassem.
Ao se dirigir para o grande pátio do Castelo, pós-desjejum, avistou Inês e seu pai, ambos já o aguardando para que a excursão às obras se iniciasse. A luz suave da manhã realçava o brilho dos cabelos esvoaçantes da jovem lady e ela parecia estar à vontade ali. O cavaleiro não escondeu o sorriso ao enxergar Inês e, assim como quando se despediu dela no dia anterior, a cumprimentou beijando-lhe a mão suavemente. Ao virar-se para Henry, cordialmente fez um aceno respeitável com a cabeça e tão logo se organizaram, puderam, enfim, partir.
As Minas, apesar de trazerem péssimas lembranças ao Cavaleiro, tinham agora um aspecto distinto. Trabalhadores e soldados mantinham aquela engrenagem funcionando, trazendo um ar de normalidade que antes o cavaleiro não havia experienciado da última vez que ali estivera. O banqueiro não se deteve em revelar seus planos para o lugar.
Alexyus escreveu:
- Ao sul da mina, coloquei escavadores para abrir a Via Montana, uma estrada em túnel aplainada e sem movimento de mineração. Quando estiver pronta, ela deverá permitir que um cavaleiro atravesse o caminho do castelo até a vila em cerca de duas horas de cavalgada, e os mercadores poderão fazer o caminho por ela em quatro ou cinco horas, mas numa via iluminada e segura. Ainda não defini se seria bom cobrar um pedágio para a passagem ou liberá-la gratuitamente para incentivar o comércio na região.
A ressaca ainda pairava sobre a cabeça de Jone, de forma que as palavras do banqueiro pareciam sair rápidas demais de sua boca para que seu cérebro as processasse da maneira adequada. Jone sorriu e assentiu.
- Me parece uma boa ideia, milorde.
O cavaleiro eventualmente olhava para Inês, esperando nela alguma reação ou troca de olhares. Sabia que não aconteceria, mas durante boa parte do trajeto pegou-se olhando para ela, admirando-a secretamente.
Ao saírem da Mina, novamente surpreendeu-se. Henry e Inês não haviam poupado esforços para iniciarem e agilizarem as obras nas Terras Felinight. Jone tentou esconder a surpresa, tentando manter uma suposta neutralidade, mas o encantamento era nítido em seu rosto. Ao apontar para a frente do Forte, Henry tornou a falar com fina propriedade.
Alexyus escreveu:
- Essa é a Praça Hill, ou a Praça da Colina no idioma westerosi. Ela será um local para celebrar a glória da Casa Felinight, e o povo da vila poderá vir a ela em datas importantes e festivas. Se quiserem fazer um festival para o povo por ocasião do casamento, ela estará pronta para ser usada. A saída ao sul dela dá para a Via Inês, que será a principal rua da vila, ligando a Via Montana à estrada que desce para o porto. Vamos a ela.
Inês teria seu próprio nome eternizado em uma rua daquelas Terras. Fazia sentido, afinal, seria ela, cedo ou tarde, Senhora Felinight.
Alexyus escreveu:
- A Via Montana termina na Ponte Beron, um bom local para instalar um posto de controle para os que entram e saem da vila. A Via Inês começa logo depois da Ponte Beron. Em frente à Praça Hill, está a Ponte Henry, que conduz ao bairro Rugido Noturno, onde estamos instalando todas as oficinas, forjarias e indústrias.
Os planos de Henry eram elaborados e bastante detalhados. Aos olhos de Jone tudo aquilo parecia remeter às ruas e vielas que tinha visto, muitos anos atrás, em Porto Real, ainda na Rebelião de Robert. E, por mais que alguns detalhes ainda não estivessem completamente prontos, para o Cavaleiro era quase como se estivesse em outro lugar. Seguiram ainda um bom pedaço adiante, afastando-se dali, e o banqueiro mais uma vez detalhou o que viam pelo caminho.
Alexyus escreveu:
- Aqui ficará o Mercado Breakstone, onde todos os mercadores poderão vir negociar seus produtos. Já temos alguns comerciantes fixos aqui, mas há espaço para muitos mais, tanto residentes quanto viajantes de passagem. Aquela é a Ponte Allafante, uma das maiores obras que estamos fazendo; ela conduz para o bairro Recanto das Sombras, onde os trabalhadores mais humildes ficarão. É naquele bairro que construímos as novas casas para o povo nativo, e, embora eles não tenham ficado muito felizes com o deslocamento, os nortenhos natos tem agora casas bem melhores do que tinham antes.
O Mercado que Jone havia sido incumbido de levantar estava praticamente pronto. E graças a Henry e a Inês. O cavaleiro sentiu um misto de alívio e orgulho ao ver o lugar. Jone também não deixou de notar os trabalhadores e plebeus que estavam no outro lado do canal. Ergueu a mão, suavemente, como num cumprimento. Não esperava um retorno, era apenas um sinal para que soubessem que estava ali e os havia visto.
Ao seguirem, logo o cavaleiro notou que estavam adentrando a um local distinto dos outros. Sua arquitetura era extremamente bem trabalhada, diferente das outras, e parecia haver um toque excessivamente autoral em cada uma delas, o qual Jone não saberia exatamente apontar.
Alexyus escreveu:
- Esse é o bairro Pedrantiga. Aqui residem nossos servos mais qualificados, entre mineiros e ferreiros nortenhos, mestres engenheiros westerosi, mercadores ricos, artistas de Essos e os comandantes dos soldados aqui sediados. É um bairro de alto padrão, com espaço para crescer e gerar muitos dividendos em impostos para a casa Felinight.
- É realmente…bem diferente.
Talvez não fosse a resposta que Henry esperava, mas ao menos era sincera. Não havia nenhum tom de desprezo na voz de Jone, mas provavelmente o cavaleiro ainda estivesse digerindo exatamente o que estava vendo.
Não demorando-se muito ali, foram então para aquela que, para Jone, era disparada a maior das obras que havia visto até então, próximos da montanha norte.
Alexyus escreveu:
- Este é o maior monumento que planejamos, um presente para honrar esse matrimônio e exaltar a glória da Casa Felinight. A Côrte de Pedra será um lembrete constante e perene da dinastia Felinight. A sessão de Arthur e Inês já está pronta, e estamos finalizando a de Beron e Maria, com seus três filhos. Essa obra de arte pode ser ampliada tanto para as gerações passadas quanto para as futuras, tanto quanto a montanha seja capaz de abrigar.
Jone olhou maravilhado pelas esculturas. Era o legado Felinight se fortalecendo ainda mais naquelas Terras em frente aos seus próprios olhos. A admiração só foi quebrada quando se deu conta que ali não haveria espaço nem mesmo a pretensão de que seu rosto fosse ali imortalizado.
Foi como um baque. Engoliu em seco. Era como se a realidade batesse à sua porta dizendo-lhe “Jone…pobre Jone. Seu nome será esquecido pela história. As areias do tempo vão te apagar assim que seu corpo começar a ser devorado pelos vermes”. Ele olhou, sem graça, para Inês, com um sorriso desconcertante, e seguiu adiante, como se observasse mais os trabalhadores do que propriamente as obras que ali eram feitas.
***
Ao voltarem para a região da Torre Mirela e Forte Arthur, boa parte do dia já havia se passado. Não à toa, estavam cansados e com fome, sendo recebidos com comida e bebida ao seu dispor. No vasto Salão, onde sentaram-se, Henry sem cerimônias tomou a palavra.
Jone, servindo-se de uma caneca de cerveja, ergueu o copo, como se fizesse um breve brinde, antes de entorná-lo ligeiramente.
- Bem, milorde, acho que não tenho outras palavras a dizer a não ser que estou impressionado. - a voz de Jone era lenta, como se pensasse excessivamente antes de pronunciá-las - É um projeto audacioso e, pelo que pude ver até então, muito bem executado. Eu o parabenizo. - Jone colocou a mão no próprio peito e assentiu com a cabeça, num gesto de reverência - Quanto a sugestões, creio que algumas coisas pontuais sejam necessárias. Buscando recordar-se de tudo, fez alguns apontamentos que julgou importantes - Acho que algumas bases para as guardas seriam necessárias, principalmente no Mercado, para garantir a segurança de comerciantes e compradores. E acho que Torres de Observação, na ponta de cada uma das pontes, poderiam ajudar no monitoramento e manutenção da segurança da Via. - Recostando-se na cadeira, serviu-se de um pedaço exageradamente grande da coxa de um frango, e concluiu. - Mas é o que consigo pensar no momento…a ideia de manter a segurança de todos que estão em nossas Terras. Se vamos crescer, precisamos estar prontos também para aquelas figuras que vão querer se aproveitar das pessoas e trabalhadores daqui.