— Que maneiro. — comentei franzindo um pouco os lábios como quem diz "uau". Foi genuíno; era a minha primeira vez lidando com aquele tipo de tecnologia, pelo menos tão de perto, e ela parecia bem mais legal do que nos filmes. Curioso, me perguntei o que seu nome, B'rel, significava. Me lembrava a palavra breu e se fosse o caso talvez pudesse ser uma referência a ela poder se camuflar. Daí me toquei que dificilmente um idioma alienígena seria tão próximo assim do meu e dei uma risadinha com minhas próprias bobagens. Eu ainda estava meio sorrindo por causa disso quando entrei na nave, mas o sorriso se desfez imediatamente e deu lugar a uma expressão de surpresa ao ver toda aquela aparelhagem que não fazia ideia do que era capaz de fazer. Discretamente olhando para o lado, notei o que parecia ser a mesa de comando e eram tantos botões que a única coisa que consegui pensar foi em como eu queria apertar todos eles. Aquilo era... realmente incrível.
Admito não ter prestado muita atenção nas instruções de como fazer o reconhecimento por estar ainda tentando disfarçar o olhar curioso caindo sobre cada canto da nave. Quando o bipe veio, eu fiquei pensando por alguns segundos e então me toquei que era a deixa para eu falar meu nome e então soltei desesperado com medo de ter algum temporizador e ele estar acabando.
— Matt. — falei tão rápido quanto um rapper, mas então percebi que estava agindo estranho. Tentando recuperar a pose, cruzei os braços e balancei a cabeça para o lado jogando a franja naquela direção
— Matthew. — repeti, dessa vez com mais calma.
Sentado onde quer que Mila tivesse me indicado, mantive as mãos juntas sobre as pernas na intenção de não parecer suspeito. Lembrando de filmes antigos, era comum esse tipo de nave ter algum tipo de "consciência" na forma de inteligência artificial e eu não queria leva tiro de algum apetrecho marciano porque não consegui me portar. Era tanto engraçado quanto tenso pensar nisso, ao menos para mim, porque no fundo era como se eu soubesse que estava apenas sendo um palhacinho e que B'rel não iria me aniquilar só porque não mantive a coluna reta e a postura certinha.
Quando Mila se aproximou e explicou sobre a ave de sua terra, eu acenei com a cabeça indicando que estava ouvindo, mas me mantive calado. Não pensei em nada para comentar além de "que maneiro", mas já tinha falado isso da nave e não queria acabar parecendo algum tipo de pokémon que só sabe falar a mesma coisa. Eu estava até que já bem relaxado e aí veio o "preciso falar com você" e... bem, ninguém fica exatamente tranquilo depois de ouvir essas palavras. Eu engoli seco e senti minhas mãos tremerem um pouco. Não era como se eu tivesse feito algo de errado, mas de repente comecei a pensar até naquele carrinho do meu primo que quebrei quando tinha só três anos.
— Pode falar. — permiti, dando uma permissão a mais para que ela se comunicasse pela minha mente. Para mim era muito estranho ela só falar daquela maneira ainda porque ela tinha boca, então era mais como se ela não quisesse se dar o trabalho. Bom, nos quadrinhos esse tipo de poder telepático é até que bem cansativo, mas para ela parecia natural então talvez fosse apenas a maneira comum de se comunicar em seu planeta? Percebi estar me dispersando do assunto principal e balancei a cabeça como forma de retomar o foco.
Foi quando comecei a ver coisas. Ouvir coisas. Minha primeira reação foi me levantar, porque parecia o tipo de alucinação que eu tinha no laboratório quando estavam forçando meus poderes ao limite. Em meus pensamentos, a primeira palavra que veio foi "fuja", e eu me segurei na fuselagem para me equilibrar e tentar fazer algo. Mas então eu percebi: aquelas lembranças não eram minhas. Com os olhos mirando o chão, tentei concentrar minha mente para deixar as visões mais nítidas. Sua paixão pela Terra era nítida, mas eu não conseguia entender onde ela queria chegar.
E então veio o puxão.
Foi como se algo me puxasse por trás da cabeça, forçando o pescoço, mas nada fisicamente estava ali. Meus olhos subiram procurando os de Mila e minhas sobrancelhas se franziram em confusão. Inconscientemente, dei um passo para trás; não gostei da sensação dela estar tão ligada assim à minha mente. O que isso nos fazia, afinal? As folhas em meu ombro se eriçaram e a folhagem que normalmente fica abaixo do queixo subiu mais pelo meu rosto, parando pouco abaixo dos olhos. Eu não sabia o que eu estava sentindo, mas meu corpo reagiu de acordo; estava entrando em modo de combate. Eu senti meus olhos arderem e oscilarem, como se me provocassem a acessar o poder da natureza, mas me recusei. Eu não queria perder o controle de novo... porque eu sentia que para aquela conversa eu tinha que ser eu, sem interferências.
— Você estava com isso todo esse tempo?A pergunta se referia a esse laço, mas eu já sabia a resposta por estar ligado à sua mente; fui eu que a trouxe para cá e também fui eu que a fiz voltar quando fui atacado pelo Tríade depois de fugir. Todos os meus momentos mais baixos, de dor e desespero, ela estava lá, sentindo parte de cada gota de tristeza, fúria e até mesmo loucura. O que me desarmou foi ela citar o desprezo que eu senti por ela quando nos encontramos a primeira vez e eu senti meu corpo murchar.
Literalmente. As plantas que antes se preparam para me defender agora recuaram, se encolhendo sobre minha pele. Desviando o olhar, cruzei os braços como uma forma de ter algo nos mantendo separados além do próprio espaço vazio.
— Você entendeu errado. — a interrompi. Ora, se ela tinha esse laço tão forte comigo, como logo ela poderia não saber sobre aquilo? Apertando mais os braços ao redor do corpo, me senti acuado, mas não seria justo não informá-la sobre aquilo. A minha vulnerabilidade
— Eu me sinto o tempo todo cansado, irritado, prestes a explodir, porque desde que me fizeram isso eu tenho que suprimir uma vontade incontrolável de destruir tudo. Sempre que eu... me conecto com meus poderes e deixo o canal com a natureza se abrir, eu sinto essa raiva desenfreada de todos ao meu redor. Você viu nos seus vídeos, esse planeta está devastado e caminhando para um colapso por culpa dos humanos que não incapazes de o preservar. Eu já sabia disso desde pequeno, meu pai sempre falava sobre a fúria natural que cairia sobre nós. A vingança da mãe-natureza, como ele chamada. Acontece que... eu sou a própria vingança do planeta encarnada. Não existe mais ninguém que o planeta consiga se conectar como se conecta comigo, ele não tem escolha a não ser me usar para retribuir todo o seu sofrimento. O preço disso é que não sou mais o único dono do meu corpo e nem da minha mente. — expliquei antes de pausar. Minha voz falhava, porque assumir isso em voz alta era o mesmo que assumir que minha humanidade não mais existia. Sentindo um soluço que certamente levaria a um choro desesperado subir pela garganta, eu o prendi com todas as minhas forças e então continuei
— Naquele dia, não fui eu que te desprezei. Quando eu perco o controle, essa raiva manipula todos os sentimentos que já tive para me forçar a fazer o que ela quer. Mais cedo, eu disse que não gosto de contatos desaviados. Você fez isso naquela hora e ainda tentou nos controlar. Eu tinha que te expulsar da minha mente. — meu olhar se voltou para ela mais uma vez
— Foi isso que as vozes me falaram. E naquele momento, por precisar do seu poder, eu cedi. Mas não era uma vontade genuína minha. Não partiu de mim o grito que te empurrou. Ali simplesmente não era... eu. Quase nada que sobrou é. — e então o sorriso sem graça, para esconder a tristeza
— Não sou mais como os humanos que você viu nos seus filmes. Estou bem longe disso... mas você já sabe disso, não é? — conclui apontando com o indicador na direção da minha cabeça sinalizando a telepatia.
Depois disso, eu queria fechar nosso canal e ficar sozinho com meus próprios pensamentos. Talvez porque eu sabia que ela não falaria se não fosse daquela forma, ou talvez porque eu queria apenas sair dali e me isolar no quarto. Eu sentia raiva por não poder mais ter controle absoluto sobre o que eu quero ou não fazer, então me parecia injusto me forçar a ficar naquela nave enquanto eu ainda podia escolher. Foi quando eu percebi que, de fato, nada estava me controlando, então se eu não estava saindo era porque talvez eu não quisesse. Perdido em meu próprio labirinto mental, a voz de Mila me alcançou mais uma vez, mas ouvi-la me chamar de príncipe encantado certamente não era o que eu esperava para aquele momento. Outro sorriso sem graça, esse desenhado por uma raiva que, mais uma vez, não era direcionada à ela, mas à minha situação deplorável. Por conta da ligação telepática, eu sabia que ela não estava mentindo, mas a única coisa que consegui pensar foi que "agora eu precisava de um extraterrestre pra descer na Terra e me achar atraente". Não era um pensamento justo com ela que estava apenas abrindo o seu coração, mas foi simplesmente inevitável deixar o trauma da transformação para lá. Naquele momento, pensar que seu povo me acharia belo não era algo que eu conseguia ver com bons olhos. Eu não queria ter que sair do meu planeta para encontrar aceitação, porque aí não seria justo comigo.
— Eu aprecio que esteja tentando fazer eu me sentir melhor e eu sei que está sendo sincera em suas palavras. — respondi apontando novamente para a cabeça, indicando estar sentindo a sua verdade fluir pelas nossas mentes
— Mas eu discordo da sua visão e eu agradeceria se encerrássemos esse assunto aqui. — pedi, desta vez mais preocupado em não magoá-la com mais pensamentos automáticos e maldosos. Eu ainda queria que fôssemos para a praia juntos, mas se ela me achava assim tão lindo e normal, eu me sentiria melhor se me tratasse como tal e não tentasse me convencer daquilo pelo menos por aquele momento. Independente do laço que tínhamos agora, nós ainda não éramos muito mais que o equivalente a colegas de classe.
Uma aceitação de cada vez.
E então retornou com aquele bracelete esquisito. Eu desconfiei no começo, mas ao ouvir que ele poderia me ajudar a me "camuflar" eu não precisei sequer pensar duas vezes antes de pegá-lo e colocá-lo no pulso. Sem falar mais nada, agradeci com um aceno de cabeça e quando a nave pousou eu deixei que ela fosse na frente. Levei alguns longos minutos refletindo dentro da nave e encarando aquele bracelete como se ele fosse a minha salvação. Não importava se eu teria apenas alguns poucos usos porque só de pensar em ser eu de novo já bastaria. Foi por isso que, com cuidado, quebrei um dos fechos antes de ir de encontro com a areia.
A aparência escolhida era óbvia: a minha, sem todo aquele verde e plantas sobre meu corpo. Com roupas transmutadas em um conjunto de praia para a ocasião, eu levantei as mãos até a altura dos olhos e ao ver a pele normal um sorriso enorme se formou em meu rosto. Perdido em meu próprio momento de felicidade, percebi que Mila foi até as lojas e esperei que ela retornasse. Enquanto aguardava, cumprimentei algumas pessoas que passavam com um aceno, e apesar de estranharem um desconhecido interagindo, elas apenas acenavam de volta sem reações de susto como aquelas pessoas que me viram fugindo da Tríade na rua. Era ótimo... ser normal.
Quando Mila retornou, ela parecia ter acabado de ter um banho de loja de praia e até acessórios de estrela-do-mar tinha conseguido. Com o humor melhorado para o limite, eu bati palmas quando ela se aproximou como forma de demonstrar a empolgação. "Você está ótima", falei, e então virei o rosto procurando por alguma barraquinha que vendesse churros ou talvez picolés.
— Eu tô com o tablet do Alex, ele tem uma câmera. — falei. Eu já tinha me adiantado à vontade de tirar fotos e tinha colocado o tablet preso na cintura entre o corpo e a cueca, então apenas levantei levemente a camisa e o puxei de lá. Não demorei tempo demais e rapidamente o desbloqueei para abria a câmera e testar as funções de flash. Quando senti que estava tudo certo, fui saltitante até o lado de Mila e estendi o acessório para longe de forma a capturar mais da paisagem. Utilizando a câmera frontal para que pudéssemos nos ver e posar adequadamente, levantei os dedos da mão livre em formato de "V" e então apertei o botão de captura
— Pronta? Xiiiiis.
@Nazamura Ao se abrir sobre a parte descontrolada/vulnerabilidade dos seus poderes e perguntar para
@Mellorienna sobre estar ganhando ou perdendo humanidade, eu gostaria de ativar o Movimento de Equipe correspondente. A depender da reação de Mila, o efeito é diferente.