BG RESUMIDO
A orgulhosa Tropa do Tigre Branco marchava em meio a planície quando o Eclipse começou. Muitos viam naquilo um sinal de mau agouro, e faziam sinais de proteção e recorriam a crendices. Não se sabe quem ouviu primeiro o choro do bebê abandonado. Tinha acabado de nascer, ainda tinha o cordão umbilical e estava sujo com a placenta. E jazia sozinho entre as raízes de um salgueiro. Nos galhos da árvore, meia dúzia de homens enforcados balançavam pendurados.
Prostitutas acompanham tropas de guerra como peixes-piloto acompanham tubarões. Algumas vezes, elas ficam grávidas. Quase sempre, conseguem abortar. Mas, em alguns casos, o bebê é forte e resiste às tentativas da mãe de matá-lo. E acabam tendo destinos tristes como o daquela criança abandonada entre as raízes da arvore de homens enforcados, deixada para morrer.
Diana, capitã da Primeira Tropa de Infantaria do Tigre Branco, heroína de guerra, foi quem resgatou a criança. Ela sempre quis um filho, embora sempre se recusasse a permitir que um homem conspurcasse seu corpo. O lugar onde estavam havia sido um campo de batalha terrível. Um vilarejo queimado, devassado pelas presas da guerra. Provavelmente os habitantes haviam ficado escondidos, trancado janelas e apagado as luzes, esperando que as tropas passassem pela estrada sem notá-los. Pelo menos até que o bebê nascesse e seu choro atraísse a atenção dos inimigos.
-“Você fez isso, garoto? Seu nome será Guilty.”- Disse a amazona, severa em seu julgamento com o bebê que se aninhava em seu colo e já parava de chorar.
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Guilty se aconchegava à espadas como bebês se aconchegam a brinquedos infantis. Quando começou a andar, arrastava para um lado e para outro uma espada maior do que seu próprio corpinho infantil. Quando começou a ter forças para erguê-la do chão, começou seu treinamento. Diana era uma mãe severa, uma guerreira exímia, e uma mestra infernal. Muitas vezes foi acusada de maus-tratos pelos seus companheiros que temiam pela saúde da criança, mas Guilty sempre sacudia a cabeça e dizia estar se divertindo.
Quando participou da sua primeira batalha, aos nove anos, ficou desesperado. Correu pelo campo de batalha, fugindo das flechas e inimigos, e se escondeu entre os corpos dos mortos até que tudo estivesse terminado. Ao fim, deparou-se com o olhar de reprovação da mãe, que o chamou de inútil e deu-lhe uma surra. Aos dez anos, participou de sua segunda batalha. Tinha os olhos mais duros. E matou seu primeiro homem. E uma dúzia de outros.
Usava sempre espadas grandes demais pra ele. Se recusava a usar espadas para crianças, e conforme crescia, as espadas que usava cresciam junto com ele. Logo, começou a precisar fazer encomendas especiais para os ferreiros, que sempre se impressionavam. Duvidavam da capacidade de qualquer pessoa em brandir espadas tão descomunais, até que Guilty dançava com elas no campo de batalha, estraçalhando seus inimigos com selvageria.
Quando Diana morreu em batalha, Guilty foi içado ao posto de Capitão da Primeira Tropa de Infantaria do Tigre Branco. Sua promoção desagradou a muitos soldados mais velhos, que tinham pretensões ao cargo e se recusavam a aceitar como líder um garoto de quinze anos de idade. Mas Guilty era feroz em batalha, e logo as façanhas do rapaz conquistaram o respeito de seus colegas de tropa.
Havia muita camaradagem entre os líderes da tropa, e a Primeira Tropa de Infantaria era particularmente agradável. Festas, bebedeiras, jogos de dados, noitadas com prostitutas, riso e brincadeiras eram comuns. Os homens da Primeira Tropa festejavam cada dia como se fosse seu último na terra. E, para muitos, era. Guilty perdeu muitos amigos. E aprendeu que qualquer um pode partir a qualquer momento.
O auge de sua carreira militar foi a tomada do Forte Noite Fria. Um forte impossível de ser tomado. Exércitos caíram diante de suas muralhas. Mas, quando o reino contratou o Tigre Branco para suas fileiras, a genialidade militar de seus líderes e a ferocidade da Primeira Tropa de Infantaria fizeram as muralhas do Forte balançarem. Reza a lenda que o Capitão da Primeira Tropa ficou isolado de seus companheiros pela cavalaria inimiga, desmontado. Mas que com sua imensa espada, ele decapitou o cavalo do general inimigo e matou-lhe ali mesmo, junto com pelo menos uma dúzia de seus guarda-costas, fazendo os inimigos correrem de medo pelas próprias vidas. Os Bardos da região cantam os feitos do Tigre Branco naquela noite. Guilty, O Bastardo do Deus da Guerra, como os homens cantaram em sua homenagem, foi içado à posição de herói da tropa. Pelo menos por mais uns dois ou três anos, até as coisas esfriarem, e os homens ficarem entediados com o longo período de paz.
Forte Noite Fria passou a ser a nova sede da Tropa do Tigre Branco. A tropa gozava de reconhecimento dos nobres, respeito dos aliados e temor dos inimigos. Tinha entre seus Capitães heróis de guerra condecorados e reverenciados pelos homens, e os bardos contavam histórias sobre seus feitos. Até o dia do Eclipse.
Não se sabe o que aconteceu. Guilty estava explorando os corredores ocultos do Forte, até que encontrou um arsenal oculto a anos. Entre as brumas da poeira, uma gigantesca espada descansava sobre um pedestal. Ele encheu os olhos com a visão magnífica da arma. Quando tocou sua empunhadura, sua mente se desfez, e ele não lembra de mais nada. Tudo o que lembra é de acordar com o Forte Noite Fria em chamas. Os líderes haviam sido violentamente assassinados. Os animais foram mortos, a terra foi salgada. Toda a Primeira Tropa de Infantaria foi massacrada pelas forças de um inimigo desconhecido e invisível, do qual Guilty não se lembra de ter encontrado. E o Eclipse devorava a luz do Sol quando o Bastardo o observou do pátio do Forte, com a imensa espada em mãos pingando sangue.
Desde então, Guilty ganha a vida como mercenário independente. Ele se culpa pelo que aconteceu na noite do Eclipse, embora não saiba explicar como nem porque. Ele não se junta a nenhuma tropa. Não se aproxima de ninguém. Ele guarda amarrado em seu braço um retalho da antiga bandeira do Tigre Branco que esvoaçava no alto do Forte Noite Fria, lembrando-lhe de seus crimes enquanto persegue alguma forma de encontrar novamente um propósito para sua vida, e a redenção pelos seus crimes.
IMAGEM DO PERSONAGEM: